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O 212 estava parado num terreno montanhoso, num platô de pedra. Na noite anterior, depois da fuga do palácio, Erikki tinha se perdido por causa de uma bala que avariara alguns instrumentos. Com medo de esgotar o combustível e sem poder ao mesmo tempo pilotar e estancar o sangue do braço, ele tinha decidido se arriscar a pousar e esperar pelo amanhecer. Uma vez no chão, tinha tirado o tapete da cabine e o desenrolara. Azadeh ainda estava dormindo tranqüilamente. Ele amarrara as suas feridas o melhor possível, depois enrolara-a de novo no tapete para que ela não sentisse frio, apanhara algumas armas e se recostara nos esquis para vigiar. Mas por mais que tentasse, não conseguiu manter os olhos abertos.

Ele acordou de repente. Um início de claridade aparecia no céu. Azadeh ainda estava enrolada no tapete mas agora o observava.

— Então você me raptou! — E a sua frieza fingida desapareceu e ela se arrastou para os braços dele, beijando-o e agradecendo-lhe por ter solucionado o dilema deles três com tanta sabedoria, fazendo o discurso que tinha ensaiado:

— Eu sei que uma esposa não pode fazer muita coisa contra o marido, Erikki, quase nada. Mesmo no Irã, onde somos civilizados, mesmo aqui, uma esposa é quase uma escrava e o imã é muito claro com relação aos deveres de uma esposa, e no Corão — ela acrescentou —, e no Corão e no Sharia suas obrigações estão muito claras. Eu sei também que estou casada com uma pessoa que não tem fé e juro que tentarei fugir pelo menos uma vez por dia para tentar voltar e cumprir o meu juramento embora esteja aterrorizada e saiba que você vai me apanhar todas as vezes e que vai me deixar sem dinheiro ou me bater e que eu vou ter que obedecer, mas assim mesmo eu o farei. — Ela estava com os olhos cheios de lágrimas de alegria. — Obrigada, meu querido, eu estava com tanto medo...

— Você teria feito aquilo? Teria renunciado ao seu Deus?

— Erikki, oh, como eu rezei para que Deus o iluminasse.

— Você teria feito aquilo?

— Agora não há mais necessidade de pensar nisso, não é, meu amor?

— Ah — ele disse, compreendendo tudo. — Então você sabia, não é? Você sabia que era isto que eu tinha que fazer!

— Eu só sei que sou sua mulher, que o amo, que tenho que obedecê-lo, que você me levou embora contra a minha vontade. Nunca mais precisaremos falar nisso. Por favor?

Ele a olhou timidamente, desorientado e não conseguiu entender como ela podia parecer tão forte e ter saído de um sono drogado com tanta facilidade. Sono!

— Azadeh, eu preciso dormir direito por uma hora. Desculpe, mas não posso continuar. Sem uma hora de sono é impossível. Acho que estamos seguros aqui. Você fica de guarda, nós estamos seguros.

— Onde estamos?

— Ainda estamos no Irã, perto da fronteira. — Ele lhe entregou um M16 carregado, sabendo que ela saberia usá-lo. — Uma das balas atingiu a minha bússola. — Ela o viu cambalear ao ir para a cabine, agarrar alguns cobertores e se deitar. Na mesma hora ele adormeceu. Enquanto esperava pelo amanhecer, ela pensou no futuro deles e no passado. Ainda havia um assunto a resolver: Johnny. Nada mais. Como a vida é estranha. Eu achei que ia gritar mil vezes fechada naquele tapete, fingindo estar drogada. Como se eu fosse tão estúpida a ponto de me drogar sabendo que talvez tivesse que ajudar a nos defender. Foi tão fácil enganar Mina, o meu querido Erikki e Hakim, que não é mais meu querido: "...o seu espírito eterno é mais importante do que o seu corpo temporário!" — ele teria me matado. A mim! A sua amada irmã! Mas eu o enganei Ela estava muito satisfeita consigo mesma e com Aysha, que tinha revê lado a ela os lugares secretos para se espionar, de modo que quando ela saíra da sala fingindo estar com raiva e deixara Erikki e Hakim sozinhos, tinha se escondido para ouvir o que eles estavam dizendo. Oh, Erikki, eu fiquei apavorada de que você e Hakim pudessem acreditar que eu realmente fosse capaz de quebrar o meu juramento — e com medo que as pistas que tinha dado a você durante toda a noite não resultassem no seu estratagema perfeito. Mas você foi mais esperto do que eu — você chegou até a consertar o helicóptero. Oh, como você foi esperto, como eu também fui, como nós dois fomos. Eu até providenciei para que você trouxesse a minha bolsa e o saco de jóias com o espólio de Najoud que eu tirei de Hakim, de modo que agora estamos ricos além de estarmos salvos, desde que consigamos sair deste maldito país.

— É maldito, minha querida — tinha dito Ross, da última vez que ela o vira em Teerã, pouco antes de deixá-la. Ela não agüentaria partir sem se despedir, então tinha procurado Talbot para perguntar por ele e algumas horas mais tarde ele tinha batido na porta do apartamento, vazio exceto por eles dois.

— É melhor você sair do Irã, Azadeh. O seu amado Irã está mais uma vez perdido. Esta revolução é igual a todas as outras: uma nova tirania substitui a anterior. Os seus novos governantes vão impor as suas leis, a sua versão da lei de Deus, da mesma forma que o xá impôs as dele. Os seus aiatolás vão viver e morrer como os papas vivem e morrem, alguns homens bons, alguns homens maus e alguma maldade. Quando Deus quiser, o mundo vai melhorar um pouco, a besta que há nos homens que têm necessidade de morder, torturar e matar se tornará um pouco mais humana e um pouco mais contida. São as pessoas que estragam o mundo, Azadeh. Principalmente os homens. Você sabe que te amo?

— Sim. Você disse isso na aldeia. Você sabe que eu te amo?

— Sim.

Seria tão fácil mergulhar no colo do tempo como quando eles eram jovens.

— Mas nós não somos mais jovens e há uma grande tristeza em mim, Azadeh.

— Isto vai passar, Johnny — ela tinha dito, querendo a felicidade dele.

— Isto vai passar da mesma forma que os problemas do Irã vão passar. Nós tivemos épocas terríveis durante séculos, mas elas passaram. — Ela se lembrou como eles haviam sentado juntos, sem se tocarem, no entanto possuídos, um pelo outro. Então ele sorrira e levantara a mão num adeus e partira silenciosamente.

Mais uma vez o clarão no vale. A ansiedade voltou a invadi-la. Agora um movimento nas árvores e ela os viu.

— Erikki! — Ele acordou na mesma hora. — Lá embaixo. Dois homens a cavalo. Parecem nativos. — E entregou o binóculo para ele.

— Estou vendo. — Os homens estavam armados e cavalgavam pelo vale, vestidos como gente das montanhas, tentando manter-se protegidos. Erikki focalizou o binóculo neles. De vez em quando via-os olharem na direção deles.

— Eles provavelmente podem ver o helicóptero, mas duvido que possam nos ver.

— Eles estão vindo para cá?

Apesar da dor e do cansaço, ele percebera o medo na voz dela.

— Talvez. É provável que sim. Eles devem levar uma meia hora para chegar aqui. Nós temos muito tempo.

— Eles estão procurando por nós. — O rosto dela estava pálido e ela chegou mais perto de Erikki. — Hakim deve ter dado o alarme.

— Ele não faria isso. Ele me ajudou.

— Isto foi para você fugir. — Nervosamente, ela olhou em volta para o platô, as árvores e as montanhas, depois para os dois homens. — Uma vez que você tenha escapado, ele volta a agir como khan. Você não conhece Hakim, Erikki. Ele é meu irmão, mas primeiro ele é khan.

Pelo binóculo, ele viu a aldeia semi-oculta ao lado da estrada. O sol refletia nos fios de telefone. A sua própria ansiedade aumentou.

— Talvez eles sejam apenas aldeões e estejam curiosos. Mas não vamos esperar para descobrir. — E sorriu fatigado. — Está com fome?

— Sim, mas estou bem. — Rapidamente, ela começou a enrolar o tapete que era antigo, valioso e um dos seus favoritos. — Estou com mais sede do que fome.