— Infelizmente, Genny, para a maioria parece que não foi o bastante.
— Eu sei. É triste. A vida é muito triste, às vezes. Bem, não adianta lamentar o que já aconteceu. Você está com fome?
— Se estou?
As velas tornaram a sala de jantar mais quente e aconchegante e afastaram a tristeza do apartamento. As cortinas estavam cerradas para a noite. Rapidamente, Hassan trouxe as tigelas quentes de horisht — o que, literalmente, significa sopa, mas na verdade é um ensopado de carneiro ou galinha com legumes, passas e temperos de todos os tipos — e polo, o delicioso arroz iraniano que é escaldado e depois assado num prato untado com manteiga até que fique com uma crosta firme e dourada, um dos pratos favoritos dos dois.
— Deus abençoe Xarazade, ela é um bálsamo para os olhos.
— É verdade, e Paula também — respondeu Genny sorrindo.
— Você também não é má, Gen.
— Deixe disso, mas como prêmio você vai poder tomar um drinque antes de dormir. Como diria Jean-Luc, bon appétit! — Eles comeram com apetite, a comida estava deliciosa, fazendo-os recordarem as refeições feitas nas casas dos amigos.
— Gen, encontrei o jovem Christian Tollonen na hora do almoço, você se lembra dele, aquele amigo de Erikki da embaixada da Finlândia? Ele me disse que o passaporte de Azadeh estava pronto. Isso é bom, mas o que me fez estremecer foi o que ele disse de passagem: que oito em dez dos seus amigos e conhecidos iranianos já não estão mais no Irã e que se este êxodo continuasse, logo logo só restariam os mulás e seus seguidores. Então comecei a fazer as contas e cheguei ao mesmo resultado, com relação aos que diríamos pertencer às classes média e alta.
— Não os culpo por partirem. Eu faria o mesmo. — Depois acrescentou involuntariamente: — Não acho que Xarazade faça isso.
McIver percebeu algum subentendido e analisou-a.
— Hum?
Genny brincou com um pedacinho de crosta dourada e mudou de idéia a respeito de não contar-lhe nada.
— Pelo amor de Deus, não diga nada a Tom, senão ele tem um ataque, e eu não sei até que ponto é verdade e até que ponto isso não passa de fantasia de uma jovem idealista, mas ela me cochichou alegremente que tinha passado a maior parte do dia em Doshan Tappeh onde, segundo ela, houve uma verdadeira insurreição, com armas, granadas, todos...
— Cristo!
— ...lutando ao lado do que ela chama "nossos gloriosos combatentes da liberdade" que são recrutas da Força Aérea e alguns oficiais amotinados, Faixas Verdes apoiados por milhares de civis, lutando contra a polícia, as tropas legalistas e os Imortais...
8
NO AEROPORTO DE BANDAR DELAM: 19:50H. Com o pôr-do-sol, mais revolucionários armados tinham chegado e agora havia guardas em todos os hangares e vias de acesso ao aeroporto. Rudi Lutz fora informado por Zataki que nenhum funcionário da S-G podia sair do aeroporto sem permissão, que deveriam continuar a trabalhar normalmente e que um ou mais dos seus homens acompanharia todos os vôos.
— Não vai acontecer nada desde que vocês obedeçam às ordens — dissera Zataki. — É uma situação temporária durante a transição do governo ilegal do xá para o novo governo do povo. — Mas seu nervosismo e o de toda a sua ralé mal disciplinada desmentiam sua confiança.
Starke ouvira o que eles andavam cochichando e disse a Rudi que esperavam a qualquer momento a chegada de tropas leais ao xá e o início do contra-ataque. Mas quando ele, Rudi, e o outro piloto americano, Jon Tyrer, conseguiram chegar até o rádio do trailer de Rudi, o noticiário já estava no fim. O pouco que ouviram foi muito ruim.
"...e os governos da Arábia Saudita, do Kuwait e o Iraque temem que a crise política no Irã desestabilize todo o golfo Pérsico; informou-se também que o sultão de Omã teria afirmado que o problema é maior do que uma simples influência perniciosa, é outra cobertura conveniente para a Rússia Soviética usar sua série de estados dependentes para criar, nada mais nada menos, do que um império colonial no golfo com o objetivo final de se apoderar do estreito de Ormuz... "
"No Irã, informa-se que houve luta intensa, durante a noite, entre os amotinados, cadetes da Força Aérea, pró-Khomeini, da base aérea de Doshan Tappeh, em Teerã — apoiados por milhares de civis armados — contra a polícia, as tropas legalistas e algumas unidades dos Imortais, a Guarda Imperial de elite do xá. Mais tarde, juntaram-se aos revoltosos mais de cinco mil esquerdistas do grupo marxista Saihkal, alguns dos quais invadiram o arsenal da base e levaram suas armas... "
— Jesus! — exclamou Starke.
"... Enquanto isso, o aiatolá Khomeini pediu, mais uma vez, a renúncia de todo o governo e fez um apelo ao povo para que apóie sua escolha do primeiro-ministro, Mehdi Bazargan, exortando o Exército, a Marinha e a Aeronáutica a apoiá-lo. O primeiro-ministro Bakhtiar desmentiu os boatos de um golpe militar iminente, mas confirmou uma grande concentração de tropas soviéticas na fronteira... "
"O ouro atingiu o preço recorde de US$ 254 a onça e o dólar teve uma queda acentuada em relação às outras moedas. Aqui terminam as notícias de Londres. "
Rudi desligou o rádio. Eles estavam na sala do trailer. Em um dos armários, havia um HF de reserva que, como o rádio, ele mesmo fizera. Sobre o aparador, havia um telefone ligado com o sistema da base. O telefone não estava funcionando.
— Se Khomeini vencer em Doshan Tappeh, as Forças Armadas terão que escolher — disse Starke, com segurança. — Golpe, guerra civil ou ceder.
— Eles não vão ceder, seria suicídio, por que fariam isso? — disse Tyrer. Ele era um americano desconjuntado de Nova Jersey. — E não se esqueça da elite da Força Aérea, os que nós conhecemos, pelo amor de Deus. Os amotinados não passam de uma cambada de nativos imbecis, descontentes. O problema mesmo é a adesão dos marxistas, cinco mil! Jesus! Se eles estiverem em ação agora, armados! Nós somos doidos de estarmos aqui numa hora destas, hein?
— Só que nós estamos aqui por opção; a companhia diz que ninguém vai perder o cargo se quiser sair. Temos isso por escrito. Você quer dar o fora? — perguntou Starke.
— Não, não, ainda não. — Respondeu Tyrer, irritado. — Mas o que vamos fazer?
— Em primeiro lugar, fique longe de Zataki — disse Rudi. Aquele filho da mãe é psicótico.
— É claro — disse Tyrer — mas temos que ter um plano.
Bateram com força na porta e a abriram. Era Muhammad Yemeni, o gerente da IranOil — um homem bem-apessoado, barbeado, de uns quarenta anos, que estava com eles há um ano. Dois guardas o acompanhavam.
Aga Kyabi está no HF. Quer falar com você imediatamente — disse com uma arrogância inesperada. Kyabi era o gerente geral da IranOil naquela região e o funcionário mais importante no sul do Irã.
Imediatamente, Rudi ligou o HF para falar com o QG de Kyabi, próximo a Ahwaz, ao norte de Bandar Delam. Para seu espanto, o aparelho não funcionou. Mexeu no interruptor algumas vezes, depois Yemeni disse, com um sorriso de deboche:
— O coronel Zataki ordenou que cortassem a corrente e desligassem o aparelho. Você usará o aparelho do escritório. Imediatamente.
Nenhum deles gostou do seu tom de voz.
— Estarei lá em um minuto — disse Rudi.
Yemeni fechou a cara e ordenou para os guardas, em farsi:
— Façam este cão estrangeiro andar depressa!
— Esta tenda é do nosso chefe — respondeu Starke, imediatamente, em farsi. — Existem leis muito especiais, no Sagrado Corão, sobre a defesa do chefe da tribo, na sua tenda, contra homens armados. — Os dois guardas pararam, atônitos. Yemeni olhou boquiaberto para Starke, jamais tendo imaginado que ele falava farsi, depois deu um passo para trás quando Starke se levantou em toda a sua altura e continuou: — O Profeta, cujo Nome seja louvado, estabeleceu regras de cortesia entre amigos, e também entre inimigos, e disse também que os cães são vermes. Nós somos Povos do Livro e não vermes.