Dubois subiu os degraus, de três em três. Ele tinha 36 anos, era alto e magro, com cabelos pretos e um sorriso maroto. Estendeu a mão e cumprimentou Ayre.
— Madonna, que dia, Freddy!... Manuela! — Beijou-a afetuosamente nas duas faces. — O Duke está bem, chérie. Apenas teve uma discussão com o mulá que disse que não voaria mais com ele. Bandar Delam não... — E parou, consciente da presença de Massil, desconfiando dele. — Preciso de um drinque. Vamos até a cantina, hein?
Eles não foram para a cantina. Marc levou-os até a pista, procurando um abrigo no prédio de onde pudessem observar em segurança e sem serem ouvidos.
— Não há nenhuma maneira de saber de que lado Massil está, nem a maioria dos nossos funcionários, se é que eles próprios sabem, os infelizes.
Do outro lado do campo houve uma explosão. O fogo subiu de um dos galpões e uma onda de fumaça se espalhou no ar.
— Mon Dieu, foi o depósito de combustível?
— Não, foi perto. — Ayre estava muito inquieto. Uma outra explosão chamou-lhe a atenção; depois, misturada com o tiroteio esporádico, ouviu-se a detonação de um tanque.
O jipe com o mulá desaparecera atrás das barracas, os caminhões do Exército tinham estacionado ao acaso; os soldados e os Faixas Verdes desapareceram nos hangares e barracas. Havia alguns corpos no chão. Os soldados dos tanques, que guardavam o prédio de escritórios do comandante Peshadi, estavam agachados perto da porta, com as armas prontas. Outros esperavam nas janelas do segundo andar. Um dos homens que estava lá deu uma rajada de metralhadora quando meia dúzia de soldados e aviadores lançaram-se ao ataque. Mais uma rajada e todos estavam mortos, morrendo ou gravemente feridos. Um dos feridos começou a se arrastar para um lugar seguro. Os guardas deixaram-no arrastar-se até quase conseguir um abrigo. Depois o crivaram de balas.
Manuela gemeu e eles a levaram mais para o interior do prédio.
— Estou bem — disse ela. — Marc, quando é que Duke vai voltar?
— Rudi ou Duke vão ligar hoje à noite ou amanhã, com certeza. Pas de problème. O Grande Duke está bem. Mon Dieu, preciso de um drinque.
Aguardaram um momento, com o tiroteio diminuindo.
— Vamos — disse Ayre —, estaremos mais seguros nos bangalôs.
Correram até um dos bonitos bangalôs cercados por muros brancos e jardins bem tratados. Não havia acomodações para casados em Kowiss. Geralmente os bangalôs de dois quartos eram habitados por dois pilotos. Manuela foi preparar os drinques.
— Agora, o que aconteceu realmente? — Perguntou Ayre, baixinho. Rapidamente, o francês contou-lhe a respeito do ataque, de Zataki e da bravura de Rudi.
— Aquele velho Kraut merece realmente uma medalha — disse com admiração. — Mas ouça, na noite passada os revolucionários mataram um dos nossos operários. Eles o julgaram e mataram em quatro minutos, acusando-o de ser um fedayim. Esta manhã, outros filhos da mãe mataram Kyabi.
— Mas por quê? — Perguntou Ayre, estarrecido.
Dubois contou sobre a sabotagem do oleoduto, e acrescentou:
— Quando Rudi e o mulá voltaram, Zataki nos reuniu e disse que era verdade que Kyabi fora morto por ser "partidário do xá, partidário dos demônios americanos e ingleses que tinham espoliado o Irã durante anos e que, portanto, era um inimigo de Deus".
— Pobre patrão. Cristo, eu gostava um bocado dele, era um bom sujeito.
— Sim. E abertamente anti-Khomeini, e agora esses filhos da mãe têm armas, nunca vi tantas armas, e são todos stupides, malucos. — Dubois retesou-se. — O velho Duke começou a berrar com todos eles em farsi; ele já tinha tido um confronto com Zataki e com o mulá na noite passada. Não sabemos o que ele disse, mas as coisas ficaram feias, os filhos da mãe caíram em cima dele, começaram a chutá-lo e a gritar com ele. É claro que todos nós entramos na briga, então ouvimos o barulho de um tiro e ficamos paralisados. Eles também, porque foi Rudi que atirou. Ele tinha conseguido tirar a arma de um deles e deu outro tiro para o ar. E gritou: "Deixem-no em paz ou matarei todos vocês!" E manteve a arma apontada para Zataki e para o grupo que estava perto de Duke. Eles o deixaram em paz. Depois de praguejar contra eles, Rudi fez um acordo; ma foi, quel homme: eles nos deixariam em paz e nós deixaríamos que fizessem a revolução deles, eu traria o mulá para cá, Duke ficaria, e Rudi conservava a arma. Ele fez o mulá e Zataki jurarem por Alá que não quebrariam o acordo, mas eu ainda não acredito neles. Merde, todos eles são merde, mon ami. Mas Rudi, Rudi foi fantástico. Ele devia ser francês. Tentei me comunicar com eles o dia inteiro, mas não tive resposta...
Do outro lado do campo, um tanque centurião chegou, atirando, de uma das ruas que ficavam no fim do conjunto de barracas, fez uma curva e entrou na rua principal, que ficava em frente ao QG da base e da cantina dos oficiais. Ele parou lá, com os motores roncando, gordo, atarracado e mortal. O longo canhão fez a volta, procurando um alvo. Então, subitamente, as engrenagens giraram, o tanque rodou no seu eixo e atirou. A bala destruiu o segundo andar, onde o coronel Peshadi tinha seu escritório. Os soldados que defendiam o prédio ficaram abalados com essa traição inesperada. O tanque abriu fogo novamente. Enormes pedaços de reboco se soltaram e metade do telhado desabou. O prédio começou a pegar fogo.
Nesse momento, do térreo e de parte do segundo andar, uma saraivada de balas foi disparada contra o tanque. Imediatamente, dois legalistas saíram correndo pela porta principal, com granadas na mão, atiraram-nas pela abertura do tanque e correram para se abrigar. Os dois homens se curvaram sob uma rajada de balas que veio do outro lado da rua, mas houve uma terrível explosão dentro do tanque que começou a lançar fogo e fumaça. A tampa de metal se abriu e um homem em chamas tentou saltar fora. Seu corpo quase foi arrancado do tanque pela rajada de balas que partiam do edifício semidestruído. O vento que soprava daquele lado da base trazia o cheiro de pólvora, fogo e carne queimada.
A batalha continuou por mais de uma hora, depois terminou. O sol poente dava à cena uma coloração sangrenta e, por toda a base, havia mortos e moribundos, mas a insurreição falhara porque não tinham matado o coronel Peshadi nem seus oficiais mais graduados no primeiro ataque de surpresa, porque o número de soldados e aviadores que aderiram não fora suficiente — e só um dos tanques os apoiou.
Peshadi estivera no tanque principal e, com ele, defendeu a torre e todo o sistema de comunicações. Tinha reunido as forças leais e comandara o impiedoso ataque que expulsou os revolucionários dos hangares e das barracas. E assim que a maioria cautelosa, que esperava para ver que lado venceria, assim que esses aviadores e soldados perceberam que a revolta estava perdida, não hesitaram mais. Imediata e zelosamente, declararam sua lealdade histórica e eterna a Peshadi e ao xá, apanharam as armas que estavam pelo chão e, com o mesmo zelo, em Nome de Deus, começaram a atirar no 'inimigo'. Mas pouco atiravam para matar e embora Peshadi soubesse disso, deixou aberto um caminho para a fuga e permitiu que alguns revoltosos escapassem. Sua única ordem secreta para os homens em que mais confiava foi: "Matem o mulá Hussein"
Mas, de algum modo, Hussein escapou.
— Aqui fala o coronel Peshadi — ouviu-se na freqüência principal da base e em todos os alto-falantes. — Graças a Deus o inimigo está morto, morrendo ou capturado. Agradeço a todas as tropas leais. Todos os oficiais e soldados recolherão nossos gloriosos mortos, que morreram fazendo o trabalho de Deus, e informarão quantos foram, bem como o número de inimigos mortos. Médicos e atendentes! Cuidem igualmente de todos os feridos. Deus é grande... Deus é grande! Já está quase na hora da oração da noite. Esta noite sou eu o mulá e vou conduzi-la. Todos estarão presentes para dar graças a Deus.