Os dois homens ficaram perplexos e Lochart se ergueu na cadeira.
— Há algo errado, Mac, ele não pode falar abertamente... alguém está escutando.
— É você mesmo que está operando o rádio, Freddy? — disse de propósito para ter certeza de que não havia nenhum erro —, está fazendo hora-extra?
— Apenas aconteceu de estar aqui, capitão McIver.
— Está tudo cinco por cinco? — o que significava sinal de rádio com força máxima, ou na gíria dos pilotos, 'está tudo bem?'
Depois de uma pausa proposital, que os fez perceber que não, veio a resposta:
— Sim, capitão McIver.
— Ótimo, capitão Ayre. — Disse McIver, para lhe dar a entender que tinha compreendido. — Ponha o capitão Starke na linha, sim?
— Sinto muito, capitão, mas não é possível. O capitão Starke ainda está em Bandar Delam.
— O que ele está fazendo lá? — Perguntou McIver rispidamente.
— O capitão Lutz ordenou que ele ficasse e mandou que o capitão Dubois completasse a viagem VIP solicitada pela IranOil, e aprovada pelo senhor.
Starke conseguira se comunicar com Teerã antes de partir, para explicar a McIver o problema do mulá Hussein. McIver aprovara a viagem, desde que o coronel Peshadi concordasse, e disse a Starke que o mantivesse informado.
— O 125 é esperado em Kowiss amanhã, capitão McIver?
— É possível — respondeu McIver —, mas nunca se sabe. — Fora programado que o 125 estivesse em Teerã no dia anterior, mas por causa da insurreição no aeroporto, todo o tráfego tinha sido cancelado até o dia seguinte, segunda-feira. — Estamos tentando conseguir licença para um vôo direto até Kowiss. Não é muito provável, porque o controle do tráfego aéreo militar está... está desguarnecido. O aeroporto de Teerã está, ahn, congestionado, e não podemos retirar nenhum dos nossos familiares. Diga a Manuela para estar preparada para o caso de conseguirmos uma desistência. — McIver fez uma careta, tentando decidir o quanto poderia dizer através do rádio, então viu Lochart fazendo um sinal para ele.
— Deixe-me falar, Mac. Freddy sabe falar francês — disse Lochart, baixinho.
McIver animou-se e passou-lhe o microfone, aliviado.
— Écoute, Freddy. — Lochart começou a falar em francês canadense que ele sabia que até Ayre, cujo francês era excelente, tinha dificuldade em compreender. — Os marxistas ainda estão controlando o aeroporto internacional, ajudados pelos revoltosos de Khomeini, supostamente com o apoio da OLP, e ainda controlam a torre. O boato hoje é que vai haver um golpe, que o primeiro-ministro está de acordo, que as tropas estão finalmente se deslocando por toda Teerã, com ordens de terminar com os tumultos e atirar para matar. Qual o problema aí? Você está bem?
— Sim, nada de grave — eles o ouviram responder num francês de sarjeta e cheio de subentendidos. — Eu tenho ordens de não dizer nada, mas não há realmente muito problema aqui, acredite, mas eles estão ouvindo. Em 'Fedorenta' — o apelido que eles davam a Bandar Delam, onde o ar fedia constantemente a gasolina — houve muitos problemas e o patrão foi mandado para o céu antes da sua hora ter chegado...
— Kyabi foi morto — murmurou Lochart, com os olhos arregalados.
— ... mas o velho Rudi manteve tudo sob controle e Duke está bem. É melhor interrompermos aqui, meu velho. Eles estão escutando.
— Compreendo. Fique firme e informe aos outros, se puder; diga também que estamos bem — acrescentou em inglês, sem nenhum intervalo — e repito que estaremos mandando dinheiro para o seu pessoal amanhã.
— Falando sério, meu chapa? — Perguntou Ayre, animando-se.
— Falando sério — riu Lochart, involuntariamente. — Mantenha um operador de rádio de plantão que nós tornaremos a chamar. Aqui está o capitão McIver de novo. Insha'Allah! E devolveu o microfone.
— Capitão, teve notícias de Lengeh, ontem ou hoje?
— Não, nós tentamos nos comunicar com eles mas não obtivemos resposta. Talvez sejam as manchas solares. Vou tentar de novo agora.
— Obrigado. Mande lembranças minhas ao capitão Scragger e lembre a ele o seu exame médico, na próxima semana. — McIver sorriu e depois acrescentou: — Certifique-se de que o capitão Starke se comunique comigo assim que voltar. — Desligou. Lochart contou-lhe o que Ayre dissera. Ele serviu-se de outro uísque.
— E quanto a mim, pelo amor de Deus? — Disse McIver, irritado.
— Mas, Mac, você sa...
— Não comece. Prepare um fraquinho. — Enquanto Lochart servia o drinque, McIver levantou-se, foi até a janela e olhou para fora, sem ver nada.
— Pobre Kyabi. Era um homem bom, dos melhores, bom para o Irã e justo conosco. Por que eles o teriam assassinado? Loucos! Rudi 'dando ordens' a Duke e 'dando ordens' a Marc... que diabo significa isso?
— Apenas que houve problemas mas Rudi controlou a situação. Freddy teria me contado se Rudi não o tivesse feito. Ele é muito esperto, o seu francês é bom e ele teria dado um jeito. Teve bastante tempo, mesmo com eles escutando, quem quer que sejam 'eles' — disse Lochart. — Talvez tenha sido como em Zagros.
Em Zagros, os aldeões de Yazdek chegaram de madrugada, um dia depois de Lochart ter voltado da licença. O mulá da aldeia recebera ordens de Khomeini para iniciar a revolta contra 'o governo ilegal do xá' e para assumir o controle da região. O mulá nascera na aldeia e conhecia os caminhos da montanha que ficavam bloqueados pela neve durante o inverno e pelos quais, durante o ano, só se tinha acesso com muita dificuldade. Além disso, o chefe de polícia, contra o qual teria que liderar a revolta, era seu sobrinho, e Nasiri, o gerente da base, outro dos seus alvos, era casado com a filha de uma irmã de sua mulher, que vivia agora em Shiraz. E mais importante, eles todos eram galezans, uma tribo secundária de nômades kash'kais que se estabelecera há séculos ao longo daquelas pequenas estradas e o chefe de polícia, cujo nome era Nitchak Khan, era também seu kalandar, seu chefe tribal eleito.
Então, corretamente, ele consultara Nitchak Khan e este concordara que deveria haver uma revolta contra seu inimigo hereditário, o xá Pahlavi e que, para comemorar a revolução, quem quisesse poderia descarregar suas armas em direção às estrelas e, ao amanhecer, ele lideraria a tomada do aeroporto estrangeiro.
Tinham chegado de madrugada. Armados. Todos os homens da aldeia Nitchak Khan não estava usando seu uniforme de policial, e sim uma roupa tribal. Ele era muito mais baixo do que Lochart, um homem atarracado, forte, com mãos de ferro e pernas de aço, um cinto de balas passado pelo peito e um rifle nas mãos. Conforme fora previamente arranjado — a pedido do Khan
— Lochart, acompanhado por Jean-Luc Sessonne, encontrou-os em frente às duas colunas de pedra apressadamente feitas e que simbolizavam o portão da base. Lochart cumprimentou-os e concordou que Nitchak Khan tivesse jurisdição sobre a base e as duas colunas de pedra foram formalmente derrubadas. Houve aplausos de ambos os lados e muitas armas foram disparadas para o ar. Depois, Nitchak Khan ofereceu um buquê de flores a Jean-Luc Sessonne como representante da França, agradecendo-lhe, em nome de todos os galezans-kash'kais, por abrigar e apoiar Khomeini, que os livrara do seu inimigo, o xá Pahlavi. "Que Deus seja louvado, pois aquele que ousou se auto-intitular Grande Rei dos Reis, que ousou cometer o sacrilégio de tentar associar sua linhagem aos reis Ciro e Dario, o Grande, homens orgulhosos e de coragem, a Luz dos Arianos, aquele lacaio dos demônios estrangeiros — fugiu, como uma amante pintada, para seu paxá iraquiano."
Houve, então, belos discursos de ambos os lados, a festa começou e Nitchak Khan, com o mulá ao lado, pedira a Tom Lochart, chefe tribal dos estrangeiros em Zagros Três, para continuar como antes sob o novo regime Lochart concordara gravemente.
— Esperemos que Rudi e seus rapazes tenham tido a mesma sorte que você teve em Zagros, Tom. — McIver tornou a virar-se para a janela, sabendo que não havia nada que ele pudesse fazer para ajudá-los. — As coisas estão ficando cada vez piores — murmurou. O assassinato de Kyabi foi terrível, e foi um mau sinal para nós, pensou. Como vou tirar Genny de Teerã, e onde estará Charlie?