E agora, no seu escritório, olhando para a noite com o olhar vazio, sem ouvir o ruído do tiroteio nem ver os clarões ocasionais que iluminavam a cidade escura, ele pensou, meu Deus, Savak? Tenho que tentar ajudá-lo. Aquelas pobres crianças e aquela pobre mulher Tenho que tentar! E quando Valik oferecer suborno ao piloto, mesmo que eu tenha avisado ao piloto quanto a isso, será que ele vai resistir? Se Valik ofereceu 12 milhões agora, em Abadan vai oferecer o dobro. Este dinheiro seria útil para Tom, para Nogger Lane, para mim, para qualquer um. Só por uma curta viagem através do golfo — curta mas sem volta. Onde será que Valik conseguiu todo aquele dinheiro? É claro que de um banco.
Durante semanas tinha havido rumores de que por uma determinada quantia certas pessoas bem relacionadas podiam retirar dinheiro de Teerã, embora os bancos estivessem — oficialmente — fechados. E que por uma quantia ainda maior o dinheiro era transferido para uma conta numerada na Suíça, e que agora os bancos suíços estavam gemendo sob o peso do dinheiro que estava sendo retirado do país. Bilhões. Uns poucos milhões colocados nas mãos certas e qualquer coisa era possível. Não é isso o que acontece em toda a Ásia? Seja honesto, por que só na Ásia? Isso não acontece no mundo inteiro?
— Tom — disse cansado — tente o controle militar de tráfego aéreo e veja se deram licença para o 212, sim? — Tom Lochart pensava que era apenas uma entrega de rotina. McIver só tinha dito a ele que estivera com Valik naquele dia e que o general lhe dera algum dinheiro, nada mais. Ainda precisava decidir que piloto mandaria, desejando poder ir ele mesmo para não pôr em risco a vida de ninguém. Malditos exames médicos! Malditas regras!
Lochart foi até o HF. Naquele momento houve uma confusão na outra sala e a porta se abriu. Dela surgiu um rapaz com um rifle automático no ombro e uma faixa verde no braço. Havia mais uma meia dúzia de jovens com ele. Os funcionários iranianos esperavam, paralisados. O rapaz olhou para McIver e Lochart e depois consultou uma lista.
— Salaam, Aga. Capitão McIver? — perguntou a Lochart, com um inglês hesitante e carregado de sotaque.
— Salaam, Aga. Não, o capitão McIver sou eu — respondeu inquieto, e o primeiro pensamento que lhe veio à cabeça foi: Será que eles fazem parte do mesmo grupo que assassinou o pobre Kyabi? O seu segundo pensamento foi, Genny devia ter partido com os outros, eu devia ter insistido, o seu terceiro pensamento foi sobre os rolos de notas que estavam na sua pasta no chão, ao lado do porta-chapéus.
— Ah, bom — disse o rapaz, educadamente. Havia círculos negros em volta dos seus olhos, seu rosto era forte, e embora McIver achasse que ele teria no máximo 25 anos, parecia mais velho. — Perigo aqui. Para vocês aqui. Agora. Por favor saiam. Nós somos o komiteh deste quarteirão. Vocês devem sair, por favor. Agora.
— Está bem. Com certeza, ahn, obrigado.
Já por duas vezes McIver achara prudente evacuar os escritórios por causa dos tumultos nas ruas, embora, espantosamente, considerando seu grande número, as multidões tivessem sido muito disciplinadas e os estragos causados a propriedades ou os atos contra os europeus fossem mínimos — exceto quanto aos carros estacionados nas ruas. Era a primeira vez que alguém ia até lá para avisá-lo pessoalmente. Obedientemente, McIver e Lochart vestiram os sobretudos, McIver fechou a pasta e, junto com os outros, começou a se retirar. Ele apagou as luzes.
— Por que luz aqui e em nenhum outro lugar? — Perguntou o líder.
— Nós temos o nosso próprio gerador. No telhado.
O rapaz deu um sorriso estranho, mostrando uns dentes muito brancos.
— Estrangeiros têm gerador e calor. Iranianos não. McIver ia responder mas pensou melhor e não disse nada.
— Vocês receberam mensagens? Mensagens sobre ir embora? Mensagem hoje?
— Sim — disse McIver. Uma no escritório, uma no apartamento, que Genny tinha encontrado na caixa de correspondência. Elas diziam apenas: "No dia 1º de dezembro vocês foram avisados para partir. Por que ainda estão aqui, a não ser como inimigos? Resta-lhes pouco tempo." E estava assinado: "Os universitários partidários de uma república islâmica no Irã."
— Vocês, ahn, vocês são representantes da universidade?
— Nós somos do seu komiteh. Favor sair agora. Inimigos melhor não voltarem nunca. Não?
McIver e Lochat saíram. Os revolucionários os seguiram pelas escadas. Os elevadores já não funcionavam há semanas.
A rua ainda estava livre, sem multidões, sem fogueiras, e todo o tiroteio acontecia longe dali.
— Não voltar. Três dias.
— Isto não é possível — retrucou McIver. — Eu tenho muitos...
— Perigo. — Os rapazes esperavam, observando-os silenciosamente. Nem todos estavam armados com armas de fogo. Dois deles tinham pedaços de pau. Dois estavam de mãos dadas. — Não voltem. Muito ruim. Três dias diz o komiteh. Entenderam?
— Sim, mas um de nós tem que reabastecer o gerador ou o telex vai parar e então ficaremos sem comunicação e...
— Telex não importante. Não voltem. Três dias. — Pacientemente, o rapaz fez sinal para eles saírem. — Perigo aqui. Não esqueçam por favor. Boa noite.
McIver e Lochart entraram nos carros que estavam trancados na garagem do prédio, muito conscientes dos olhares invejosos. McIver guiava seu Rover Coupe 65 de quatro lugares, que ele chamava de Lulu e mantinha em excelentes condições. Lochart tinha pedido emprestado o carro de Scot Gavallan, um velho Citroen amassado que era mantido assim de propósito, embora o motor estivesse ótimo, os freios perfeitos e que, se fosse preciso, podia ser muito veloz. Eles foram embora, e depois da segunda esquina pararam lado a lado.
— Aqueles chatos estavam falando sério — disse McIver, zangado. — Três dias? Não posso passar três dias fora do escritório.
— Sim, e agora? — Lochart deu uma olhada pelo espelho retrovisor. Os rapazes estavam agrupados na esquina, observando-os. — É melhor sairmos daqui. Encontro você no seu apartamento — disse depressa.
— Sim, mas de manhã, Tom, não há nada que possamos fazer agora.
— Mas eu ia voltar para Zagros; devia ter partido hoje.
— Eu sei. Fique aqui amanhã. Deixe para ir no outro dia. Nogger pode fazer o vôo, se a licença sair, o que eu duvido. Venha lá pelas dez.
McIver viu os rapazes começarem a andar na direção deles.
— Por volta das dez, Tom — disse apressadamente, passou a mudança e se afastou praguejando.
Os rapazes os viram afastar-se e seu líder, Ibrahim, ficou contente, pois não queria se defrontar com estrangeiros, nem matá-los — nem levá-los a julgamento. Só gente da Savak. E policiais culpados. E os inimigos do Irã, dentro do Irã, que queriam trazer o xá de volta. E todos os traidores totalitários marxistas que se opunham à democracia e à liberdade de fé e à liberdade de educação e à universidade.
— Oh, como eu gostaria de um carro daqueles — disse um deles, doente de inveja. — Era 68, não era, Ibrahim?
— Sessenta e cinco — respondeu Ibrahim. — Um dia você vai ter um, Ali, e gasolina para pôr nele. Um dia você vai ser o poeta e escritor mais famoso do Irã.
— É revoltante aquele estrangeiro exibir tanta riqueza quando há tanta pobreza no Irã — disse um outro.
— Logo todos terão partido. Para sempre.
— Você acha que aqueles dois voltarão amanhã, Ibrahim?
— Espero que não — disse, com uma risada cansada — se eles voltarem eu não sei o que faremos. Acho que os assustamos bastante. Mesmo assim, devíamos visitar este quarteirão pelo menos duas vezes por dia.
O jovem que carregava um pedaço de pau pôs o braço, afetuosamente, em volta do seu ombro.
— Estou contente que tenhamos votado em você para nosso líder. Foi uma escolha perfeita.