Todos concordaram. Ibrahim Kyabi ficou muito orgulhoso, e orgulhoso, também, de fazer parte da revolução que iria terminar com todos os problemas do Irã. E orgulhoso também do seu pai, que era um engenheiro do petróleo e um importante funcionário da IranOil, que vinha trabalhando pacientemente, ao longo dos anos, pela democracia no Irã, opondo-se ao xá, e que agora, certamente, seria uma voz poderosa no novo e glorioso Irã.
— Vamos embora, amigos — disse satisfeito. — Temos muitos prédios mais para investigar.
12
NA ILHA SIRI: 19:42H. A pouco mais de mil quilômetros a sudoeste de Teerã, o carregamento do petroleiro japonês de cinqüenta mil toneladas, o Rikomaru, estava quase completo. A lua iluminava o golfo, a noite estava fresca, com muitas estrelas no céu e Scragger concordara em se encontrar com de Plessey e ir a bordo para jantar com Yoshi Kasigi. Agora os três estavam na ponte com o capitão, o tombadilho todo iluminado por holofotes, observando os marujos japoneses e o engenheiro-chefe perto do enorme tubo de sucção ligado ao sistema de válvulas da barcaça de carregamento de petróleo que flutuava ao lado do navio, também iluminada por holofotes.
Estavam a cerca de duzentos metros da ilha Siri, o petroleiro ancorado firmemente, com suas duas correntes de proa presas em bóias à frente e duas âncoras lançadas na popa. O petróleo era bombeado dos reservatórios, que ficavam em terra, através de um duto que vinha pelo fundo do mar até a barcaça, e daí para o navio, através do seu próprio sistema de comunicação com os tanques do navio. Carregar e descarregar eram operações perigosas porque gases voláteis, altamente explosivos, se formavam nos tanques acima do óleo bruto — tanques vazios eram ainda mais perigosos até serem lavados. Nos petroleiros mais modernos, para aumentar a segurança, nitrogênio — um gás inerte — era bombeado no espaço vazio dos tanques, para ser expelido aos poucos. O Rikomaru não possuía este equipamento.
Ouviram o engenheiro-chefe gritar para os homens que estavam na barcaça: "Fechem a válvula", depois virar-se para a ponte e levantar os polegares para o capitão, que viu o sinal, e disse para Kasigi, em japonês:
— Temos permissão para partir, assim que pudermos? — O capitão era um homem magro, de cara esticada, vestido com uma camisa branca e bermudas, meias brancas e sapatos, dragonas e um boné de estilo naval.
— Sim, capitão Moriyama. Quanto tempo vai levar?
— Duas horas, no máximo, para fazer a limpeza e recolher as amarras. — Isto significava enviar o bote para soltar as correntes de proa que estavam presas às bóias, depois tornar a prendê-las nas âncoras do navio.
— Ótimo. — Voltando-se para de Plessey e Scragger, Kasigi disse em inglês: — Estamos com o carregamento completo e prontos para partir. Daqui a umas duas horas estaremos a caminho.
— Excelente — respondeu de Plessey, igualmente aliviado. — Agora podemos relaxar.
A operação correra muito bem. A segurança fora reforçada em toda a ilha e no navio. Tudo que podia ser verificado o foi. Só três iranianos, que eram imprescindíveis, puderam entrar no navio. Todos foram revistados e estavam sendo cuidadosamente vigiados por um tripulante japonês. Não tinha havido qualquer sinal da presença de inimigos entre os iranianos que estavam em terra. Todos os lugares que pudessem esconder explosivos ou armas foram revistados.
— Talvez aquele pobre rapaz de Siri Um tenha se enganado, Scragger, mon ami.
— Talvez — respondeu Scragger. — Mesmo assim, cara, eu acho que o jovem Abdullah Turik foi assassinado. Ninguém fica com o rosto e o olho mutilados daquela maneira por cair de uma plataforma num mar calmo. Pobre infeliz.
— Mas os tubarões, capitão Scragger — disse Kasigi, igualmente inquieto —, os tubarões poderiam ter causado aqueles ferimentos.
— Sim, poderiam. Mas aposto a minha vida que foi por causa da dica que ele me deu.
— Espero que você esteja enganado.
— Aposto que nunca vamos saber a verdade — disse Scragger, tristemente. — Quai foi a palavra que o senhor usou, sr. Kasigi? Carma. O carma daquele pobre infeliz foi curto e não muito doce.
Os outros concordaram. Em silêncio, observaram o navio sendo separado do duto que o ligava à barcaça.
Para ver melhor, Scragger foi para o lado da ponte. Sob a luz dos holofotes, os trabalhadores estavam desatarraxando, com dificuldade, o cano de trinta centímetros do sistema de válvulas da barcaça. Seis homens estavam lá. Dois japoneses, três iranianos, e um engenheiro francês.
Na frente deles estendia-se o tombadilho, no meio do qual estava o seu 206. Ele tinha pousado lá por sugestão de de Plessey e com a permissão de Kasigi.
— Beaut — dissera Scragger ao francês —, eu o levo de volta a Siri, ou Lengeh, como você quiser.
— Yoshi Kasigi sugeriu que passássemos a noite aqui, Scrag, e voltássemos de manhã. Será uma novidade para você. Podemos partir de madrugada e voltar a Lengeh. Venha para bordo. Eu teria muito prazer.
Então ele pousara no petroleiro ao pôr-do-sol, sem saber bem por que aceitara o convite, mas ele tinha feito um pacto com Kasigi e achou que devia honrá-lo. Além disso, sentia-se responsável pelo jovem Abdullah Turik. A visão do corpo do rapaz o abalara muito e o fizera desejar permanecer em Siri até o petroleiro partir. Então ele fora e tentara ser um bom hóspede, concordando em parte com de Plessey que, afinal de contas, a morte do rapaz talvez tivesse sido apenas uma coincidência e que suas precauções de segurança evitariam qualquer tentativa de sabotagem.
Desde que o carregamento começara, no dia anterior, todos tinham estado tensos. Esta noite mais ainda. As notícias da BBC foram novamente muito ruins, com informações de grandes batalhas em Teerã, Meshed e Qom. Além disso, havia o relatório de McIver que Ayre transmitira cuidadosamente de Kowiss, em francês — notícias da invasão do aeroporto internacional de Teerã, do possível golpe e de Kyabi. O assassinato de Kyabi também abalara de Plessey. E tudo isso, associado à boataria entre os iranianos, tornara a noite sombria. Rumores de uma iminente intervenção militar dos Estados Unidos, de uma iminente intervenção da União Soviética, de tentativas de assassinato contra Khomeini, contra Bazargan, o primeiro-ministro escolhido por ele, contra Bakhtiar, o primeiro-ministro legal, contra o embaixador dos Estados Unidos, rumores de que o golpe de estado militar ocorreria naquela noite, em Teerã, de que Khomeini já estava preso, de que todas as Forças Armadas já tinham capitulado e Khomeini já era, de fato, governante do Irã e que o general Nassiri, chefe da Savak, fora capturado, julgado e morto.
— Os boatos não podem ser todos verdadeiros — dissera-lhes Kasigi. — Não há nada que possamos fazer a não ser esperar.
Ble fora um bom anfitrião. Toda a comida era japonesa. Até a cerveja. Scragger tentara disfarçar seu desagrado pelo liors oeuvre de sushi, mas gostou muito da galinha frita com molho agridoce, do arroz, dos camarões fritos e dos legumes na manteiga.
— Mais uma cerveja, capitão Scragger? — oferecera Kasigi.
— Não, obrigado. Eu só me permito uma, embora reconheça que é muito boa. Talvez não tão boa quanto a Foster's, mas quase.
— O senhor não sabe o cumprimento que recebeu, sr. Kasigi. Para um australiano, dizer que uma cerveja é quase tão boa quanto a Foster's é um elogio e tanto — disse de Plessey sorrindo.
— Oh, sim, eu sei, sr. de Plessey. Quando estou na Austrália eu prefiro a Foster's.
— O senhor passa muito tempo lá? — perguntara Scragger.
— Oh, sim. A Austrália é uma das maiores fornecedoras de matéria-prima para o Japão. Minha companhia tem enormes cargueiros para transportar carvão, minério de ferro, trigo, arroz e soja — dissera Kasigi. — Nós importamos quantidades enormes do seu arroz, embora grande parte se destine à fabricação da nossa bebida nacional, o saque. O senhor já experimentou o saque, capitão?