— Sim, mas está sendo construída pela indústria privada japonesa, não pelo governo japonês — disse Kasigi. — A fábrica Irã-Toda está sendo financiada pela iniciativa privada.
— Ah — disse Scragger, entendendo onde ele queria chegar. — Navegação Toda, lrã-Toda? Vocês são uma mesma companhia?
— Sim, mas nós somos apenas uma parte do grupo japonês que forneceu dinheiro e assistência técnica para o xá... para o Irã. — Kasigi corrigiu-se. Que todos os deuses, grandes e pequenos, amaldiçoem esta terra, e todos os que vivem nela, amaldiçoem o xá por criar toda essa crise do petróleo, amaldiçoem a OPEP, amaldiçoem todos os fanáticos e mentirosos que vivem aqui. Olhou para a mensagem outra vez e ficou satisfeito em ver que sua mão não estava mais tremendo. O comunicado, escrito no código particular usado pelo seu presidente, Hiro Toda, dizia:
"URGENTE. Devido à intransigência contínua e absoluta do Irã, ordenei, finalmente, que interrompessem por completo a obra em Bandar Delam. O custo atual ultrapassa 550 milhões de dólares e chegaria, provavelmente, a um bilhão, antes que pudéssemos iniciar a produção. Atualmente, estamos pagando juros de 495 mil dólares por dia. Devido à infame pressão secreta exercida pela 'Espada Partida', o nosso Plano de Contingência 4 foi rejeitado. Vá, com urgência, para Bandar Delam e apresente-me um relatório pessoal. O engenheiro-chefe, diretor Watanabe, o aguarda. Por favor acuse recebimento."
E impossível chegar lá, pensou Kasigi, desanimado. E se o Plano 4 foi rejeitado, estamos arruinados.
O Plano de Contingência 4 recomendava que Hiro Toda tentasse conseguir com o governo japonês empréstimos a juros baixos para cobrir os déficits e, ao mesmo tempo, discretamente, que o primeiro-ministro declarasse o complexo da Irã-Toda em Bandar Delam um 'Projeto Nacional'. 'Projeto Nacional' significava que o governo reconhecia a natureza vital do empreendimento e o patrocinaria até o final. 'Espada Partida' era a expressão que usavam para designar o inimigo pessoal e maior rival de Toda, Hideyoshi Ishida, que liderava o poderosíssimo grupo de companhias conhecidas sob o nome geral de Mitsuwari.
Que todos os deuses amaldiçoem aquele verme ciumento e mentiroso do Ishida, pensava Kasigi, quando disse:
— A minha companhia é apenas uma das muitas do grupo.
— Eu sobrevoei a sua fábrica uma vez — disse Scragger —, indo da nossa base para Abadan. Estava transportando um 212. Você está tendo problemas
— Temporários... — Kasigi parou e olhou para ele. As partes de um plano se encaixaram em sua cabeça. — Alguns problemas temporários... importantes, mas temporários. Como você sabe, temos tido muitos problemas desde o início, e nenhum deles por culpa nossa. Primeiro foi fevereiro de 1971, quando 23 produtores de petróleo assinaram o acordo de preços da OPEP, formaram o seu cartel e dobraram o preço para US$2,16... depois a Guerra do Yom Kippur em 1973, quando a OPEP cortou o fornecimento dos Estados Unidos e elevou o preço para US$5,12. Depois a catástrofe de 1974, quando a OPEP reiniciou o fornecimento mas tornou a dobrar os preços, para US$10,95 e iniciou uma recessão mundial. Por que os Estados Unidos permitiram que a OPEP destruísse a economia mundial, quando só eles tinham o poder de esmagá-los, é uma coisa que nunca saberemos. Baka! E agora nós somos um joguete para a OPEP, o nosso maior fornecedor, o Irã, está vivendo uma revolução, o petróleo está custando quase vinte dólares o barril e nós temos que pagar, não há outro jeito. — Fechou o punho para dar um soco na amurada, depois abriu a mão, aborrecido com sua falta de controle. — Quanto à Irã-Toda — disse, esforçando-se para aparentar calma —, como todo mundo, nós achamos os iranianos muito... muito difíceis de lidar nestes últimos anos. — Apontou para a mensagem. — O meu presidente me ordenou que fosse para Bandar Delam.
— Isso vai ser arriscado e difícil — disse Scragger, depois de um assovio.
— Sim.
— É importante?
— Sim. Sim, é. — Kasigi deixou que isso ficasse pairando no ar, certo de que Scragger sugeriria a solução. Na praia, a área em torno do sistema de válvulas sabotado, encharcada de óleo, ainda queimava. No momento, o carro de bombeiro espalhava espuma. Podiam ver de Plessey ali perto, conversando com Legrande.
— Ouça, meu velho — disse Scragger —, você é um cliente importante de de Plessey, não é? Ele poderia lhe arranjar um vôo. Nós temos um 206 de reserva. Se ele concordasse... todos os nossos aparelhos foram contratados pela IranOil, o que significa por de Plessey, talvez conseguíssemos permissão do controle de tráfego aéreo para levá-lo pela costa; ou se você conseguisse permissão da Imigração em Lengeh, talvez pudéssemos levá-lo através do golfo para Dubai ou Al Shargaz. De lá, talvez você consiga um vôo para Abadan ou Bandar Delam. De qualquer maneira, meu chapa, de Plessey pode conseguir a etapa inicial.
— Você acha que ele o faria?
— Por que não? Você é importante para ele.
Kasigi estava pensando. É claro que somos muito importantes para ele e ele sabe disso. Mas eu nunca vou esquecer aquele ágio de dois dólares por barril.
— Desculpe, o que foi que você disse?
— Eu disse, o que fez vocês iniciarem o projeto, afinal de contas? É bem longe de casa e tinha que trazer muitos problemas. O que fez vocês começarem?
— Um sonho. — Kasigi gostaria de ter acendido um cigarro, mas só era permitido fumar em algumas áreas à prova de incêndio. — Há onze anos, em 1968, um homem chamado Banjiro Kayama, um engenheiro que trabalhava na minha companhia e era parente do nosso presidente, Hiro Toda, estava passando de carro pelos campos de petróleo em volta de Abadan. Era sua primeira visita ao Irã e em toda parte que ele foi, viu jatos de gás natural queimando. De repente, ele teve uma idéia: por que não podemos transformar todo este gás desperdiçado em petroquímicos? Nós temos a tecnologia e a experiência e somos do tipo que planeja a longo prazo. A habilidade e o dinheiro japoneses aliados às matérias-primas iranianas que eram, então, totalmente desperdiçadas! Uma idéia brilhante, rara e pioneira! O planejamento inicial levou três anos, o tempo estritamente necessário, embora rivais ciumentos dissessem que andamos depressa demais, ao mesmo tempo que tentavam roubar nossas idéias e envenenar outras pessoas contra nós. Mas o plano Toda foi para a frente e os três e meio bilhões de dólares foram levantados. Evidentemente, nós somos só uma parte do grupo Gyokotomo-Mitsuwari-Toda, mas os navios Toda transportarão a parte que cabe ao Japão dos produtos que nossas indústrias necessitam desesperadamente. — Se conseguirmos terminar as instalações, pensou desanimado.
— E agora o sonho virou um pesadelo? — perguntou Scragger. — Eu não ouvi... não se disse que o projeto estava sem dinheiro?
— Os inimigos espalham todo tipo de rumores. — Sob o ronco constante dos geradores do navio, seus ouvidos escutaram o início de um grito que ele já estava esperando, surpreso de que tivesse demorado tanto para ouvi-lo. — Quando de Plessey voltar para o navio, você me ajudará?
— Com prazer. Ele é o homem que... — Scragger parou. Mais uma vez o grito. — As queimaduras são terrivelmente dolorosas.
Kasigi balançou a cabeça.
Um novo jato de fogo atraiu a atenção deles para a praia. Observaram os homens que estavam lá. Agora o fogo estava quase sob controle. Outro grito. Kasigi procurou não prestar atenção, com a cabeça em Bandar Delam e na resposta que tinha que mandar para Hiro Toda. Se alguém pode resolver este problema, esse alguém é Hiro Toda. Ele tem que resolver. Se não o fizer, estou arruinado, o fracasso dele é também o meu.