— Kasigi-san! — Era o capitão chamando da ponte.
— Hai!
Scragger escutou a torrente de japonês que vinha do capitão, e o som do japonês não era agradável aos seus ouvidos.
— Domo — Kasigi respondeu, parecendo estarrecido; depois falou com urgência para Scragger, esquecendo tudo o mais — Vamos! — E foi correndo na frente em direção ao passadiço. — O iraniano, você se lembra, o que você expulsou do helicóptero? Ele é um Sabotador e colocou uma bomba lá embaixo.
Scragger seguiu Kasigi através da escotilha, desceu os degraus do passadiço de dois em dois, correu pelo corredor, desceu de um convés para outro e então se lembrou dos gritos. Bem que eu achei que eles vinham da ponte e não lá de baixo!, disse a si mesmo. O que será que fizeram com ele?
Chegaram onde estava o capitão e o engenheiro-chefe. Dois marinheiros furiosos vinham arrastando o aterrorizado Said. Lágrimas corriam pelo seu rosto e ele balbuciava incoerentemente, com uma das mãos segurando as calças. Parou, tremendo e gemendo, e apontou para a válvula. O capitão ficou de cócoras. Com muito cuidado, colocou a mão atrás da enorme válvula. Então levantou-se. O explosivo plástico estava na mão dele. O mecanismo de tempo era químico, um frasco enterrado no explosivo e preso firmemente por uma fita adesiva.
— Desligue-o — disse zangado em farsi e estendeu-o para o homem que recuou, gaguejando e gritando.
— Não se pode desligá-lo. Já está atrasado para explodir... não compreende!
— Ele diz que está atrasado! — Traduziu o capitão, paralisado. Antes que pudesse se mexer, um dos marinheiros tirou o explosivo de suas mãos e arrastando Said com ele, empurrando-o para a frente, correu para o passadiço. Não havia vigias nesse convés mas havia no outro. A vigia mais próxima ficava em um canto do corredor, presa por dois pesados parafusos de borboleta. Ele quase atirou Said sobre ela, gritando que a abrisse. Com a mão livre, começou a desatarraxar um lado. A borboleta caiu, depois a de Said. O marinheiro abriu a vigia. Neste instante, a bomba explodiu e arrancou suas mãos, a maior parte do seu rosto e despedaçou a cabeça de Said, espalhando sangue por toda parte.
Os outros, que estavam subindo, quase foram lançados de volta ao passadiço com a explosão. Kasigi aproximou-se e ajoelhou ao lado dos corpos. Sacudiu a cabeça como se estivesse entorpecido.
— Carma — murmurou o capitão, quebrando o silêncio.
13
EM TEERÃ: 20:33H. Depois de deixar McIver perto do seu escritório, Tom Lochart fora para casa — alguns desvios, alguns policiais zangados, mas nada de muito inconveniente. Morava em um belo apartamento de cobertura num edifício moderno de seis andares, na melhor área residencial da cidade — um presente de casamento do sogro. Xarazade esperava por ele, e se pendurou no seu pescoço, beijando-o apaixonadamente. Pediu que ele sentasse em frente ao fogo, tirou-lhe os sapatos, correu para apanhar um pouco de vinho, que estava exatamente na temperatura que ele gostava, trouxe-lhe uns aperitivos dizendo que o jantar logo estaria pronto, correu para a cozinha e na sua voz suave e cantada, apressou a empregada e o cozinheiro dizendo que o senhor estava em casa e com fome, depois voltou e se sentou aos pés dele — no chão coberto de tapetes luxuosos — com os braços em volta dos joelhos, adorando-o.
— Estou tão feliz em vê-lo, Tommy, senti tanto a sua falta — seu inglês era adorável. — Oh, eu me diverti muito ontem e hoje.
Ela usava calças persas de seda leve e uma blusa comprida e folgada e, para ele, era absolutamente maravilhosa. E desejável. Dentro de poucos dias ela faria 23 anos. Ele tinha 42. Estavam casados há quase um ano e ele ficara enfeitiçado desde o primeiro momento em que a viu.
Isso aconteceu há pouco mais de três anos, num jantar em Teerã dado pelo general Valik. Era início de setembro, exatamente o final das férias de verão na Inglaterra, e Deirdre, a mulher de Tom, estava na Inglaterra com a filha deles, passando as férias, e justamente naquela manhã ele tinha recebido outra carta irritada dela, insistindo que ele escrevesse a Gavallan para solicitar uma transferência imediata: "Eu odeio o Irã, não quero mais viver aí. A Inglaterra é tudo o que quero, tudo o que Mônica quer. Por que você não pensa em nós, para variar, ao invés de pensar nos seus malditos aviões e na sua maldita companhia? Toda a minha família está aqui, todos os meus amigos estão aqui, e todos os amigos de Mônica estão aqui. Já estou farta de morar no estrangeiro e quero ter minha própria casa, perto de Londres, com um jardim, ou até mesmo na cidade — há várias pechinchas em Putney e Clapham Common. Estou farta de estrangeiros e postos no estrangeiro, e não agüento mais a comida iraniana, a sujeira, o calor, o frio, essa língua horrorosa, esses banheiros horrorosos, ter que me agachar como um animal, e os hábitos horríveis, os modos — tudo. Está na hora de resolvermos nossa situação, enquanto ainda sou jovem..."
— Excelência?
O garçom empertigado e sorridente apresentou-lhe uma bandeja de drinques, na maioria bebidas não-alcoólicas. Muitos muçulmanos da classe média e alta bebiam na intimidade de suas casas, poucos em público — havia todo tipo de vinhos e bebidas alcoólicas à venda em Teerã, e também nos bares de todos os hotéis modernos. Não havia nenhum tipo de restrição quanto a estrangeiros beberem em público ou em particular, ao contrário da Arábia Saudita — e alguns dos Emirados — onde qualquer pessoa que fosse apanhada bebendo, qualquer uma, estava sujeita ao castigo do açoite, determinado no Corão
— Mamoonan, obrigado — disse educadamente e aceitou um cálice do vinho branco persa que fora aperfeiçoado por quase três milênios, mal notando o garçom ou os outros convidados, incapaz de se livrar da depressão e irritado por ter concordado em ir à festa substituindo McIver, que fora chamado ao QG, em Al Shargaz, do outro lado do golfo.
— Mas, Tom, você sabe falar farsi — dissera McIver, distraidamente; e alguém tem que ir. Sim, pensou, mas Mac bem que podia ter pedido a Charlie Pettikin.
Já eram quase nove horas, o jantar ainda não fora servido, ele estava em pé, perto de uma das portas que davam para os jardins, olhando para fora, para os candelabros e para os gramados, onde tinham estendido belíssimos tapetes em que alguns convidados sentavam-se ou reclinavam-se, enquanto outros estavam em pé, em grupos, sob as árvores ou perto do pequeno lago. A noite era suave e estrelada, a casa rica e espaçosa — no bairro de Shemiran, ao pé das montanhas Elburz — e a festa lhe parecia igual a quase todas as outras, onde, como ele sabia falar farsi, era sempre bem-vindo. Todos os iranianos estavam muito bem vestidos, havia muita alegria e muitas jóias, comida em abundância nas mesas, tanto européia quanto iraniana, quente e fria, conversava-se sobre a última peça de Londres ou Nova York ou "Você vai esquiar em St. Moritz ou vai passar o verão em Cannes", sobre o preço do petróleo e os mexericos da corte e "Sua Majestade Imperial isso ou Sua Majestade Imperial aquilo", tudo pontilhado pela gentileza, elogios e cumprimentos extravagantes que eram tão necessários na sociedade iraniana — mantendo uma aparência calma, educada e gentil que raramente era penetrada por um estranho, muito menos por um estrangeiro.
Nessa época, ele estava trabalhando em Galeg Morghi, um aeroporto militar em Teerã, treinando pilotos da Força Aérea iraniana. Dentro de dez dias deveria partir para seu novo posto em Zagros, sabendo muito bem que esse novo esquema, de duas semanas em Zagros e uma semana em Teerã, enfureceria ainda mais sua mulher. Naquela manhã, num acesso de raiva, ele respondera à carta dela, enviando-a por entrega especiaclass="underline" "Se você quer ficar na Inglaterra, fique, mas pare de encher e pare de atacar o que não conhece. Compre a sua casa suburbana onde bem quiser — mas eu JAMAIS viverei lá. Jamais. Tenho um bom emprego, sou bem pago e gosto dele. Nós poderíamos ter uma vida boa se você abrisse os olhos. Você sabia que eu era um piloto quando nos casamos, sabia que esta era a vida que eu tinha escolhido, sabia que eu não iria morar na Inglaterra, sabia que é só isto o que sei fazer, de modo que não posso mudar agora. Pare de encher. Se você quer uma mudança, que seja... "