— Primeiros ou últimos, para mim não faz a menor diferença. Eu o achei terrivelmente instável e barulhento — disse irritado Linbar Struan, tentando livrar-se do seu colete. Ele tinha cinqüenta anos, cabelos ruivos e olhos azuis, e era o chefe da Struan's, o vasto conglomerado com base em Hong Kong, apelidado de Casa Nobre, que controlava secretamente a S-G Helicópteros. — Eu ainda acho que o investimento por aeronave é alto demais. Demais.
— O X63 é um ótimo investimento em termos econômicos; vai ser perfeito para o mar do Norte, o Irã, ou qualquer lugar em que tenhamos cargas pesadas, especialmente o Irã — disse Gavallan com paciência, sem querer que seu ódio por Linbar estragasse o que fora um teste de vôo perfeito. — Eu encomendei seis.
— Não aprovei a compra ainda! — Linbar exclamou com raiva.
— Sua aprovação não é necessária — disse Gavallan e seus olhos castanhos se tornaram duros. — Eu sou membro do escritório central da Struan's; você e o seu escritório central aprovaram a compra no ano passado, dependendo de um teste de vôo, se eu a aconselhasse...
— Você ainda não a aconselhou!
— Estou aconselhando agora, então não há mais o que discutir! — Gavallan sorriu docemente e se recostou no assento. — Você receberá os contratos dentro de três semanas, na reunião da diretoria.
— Isto nunca vai ter fim, não é, Andrew, você e sua maldita ambição?
— Eu não represento nenhuma ameaça para você, Linbar, vamos...
— Concordo! — Zangado, Linbar apanhou o interfone para falar com o motorista do outro lado da divisória de vidro à prova de som. — John, deixe o sr. Gavallan no escritório e depois vá para o castelo Avisyard. — Imediatamente, o carro partiu em direção ao bloco de escritórios de três andares que ficava do outro lado de um grupo de hangares.
— Como vai Avisyard? — perguntou Gavallan pouco à vontade.
— Melhor do que no seu tempo. Sinto muito que você e Maureen não tenham sido convidados para o Natal, talvez no próximo ano. — Linbar franziu os lábios. — É, Avisyard está muito melhor. — Ele olhou pela janela e fez um sinal com o polegar na direção do gigantesco helicóptero. — E é melhor que você não falhe com aquilo. Ou com qualquer outra coisa.
As feições de Gavallan retesaram-se; a zombaria a respeito de sua mulher tinha penetrado a sua guarda.
— Por falar em fracassos, o que você me diz dos seus investimentos desastrosos na América do Sul, da sua estúpida briga com a Navegação toda a respeito da sua frota de petroleiros, o que você me diz de perder o contrato do túnel de Hong Kong para a Par-Con Toda, o que você me diz de ter traído os seus velhos amigos em Hong Kong com as suas manipulações das ações...
— Traição uma ova! Velhos amigos uma ova! Todos eles são maiores de idade e o que eles fizeram por nós recentemente? O pessoal de Shangai é considerado mais esperto do que nós — os cantonenses, o pessoal do continente, todos eles, você disse isso um milhão de vezes! Não é culpa minha que haja uma crise de petróleo, ou que o mundo esteja em apuros, ou que o Irã esteja falido ou que os árabes nos estejam crucificando junto com os japoneses, os coreanos e o pessoal de Formosa! — Linbar ficou sufocado de ódio. — Você esquece que estamos num mundo diferente, agora. Hong Kong é diferente, o mundo é diferente! Eu sou tai-pan da Struan's, estou encarregado de olhar pela Casa Nobre, e todo tai-pan tem tido reveses, mesmo o seu maldito Deus sir Ian Dunross, e ele ainda vai ter mais, com suas fantasias de jazidas de petróleo na China. Tod...
— Ian está certo a res...
— Até Hag Struan sofreu reveses, até mesmo o nosso maldito fundador, o grande Dirk em pessoa, que ele também apodreça no inferno! Não é culpa minha que o mundo esteja de pernas para o ar. Você acha que pode fazer melhor? — gritou Linbar.
— Vinte vezes melhor! — berrou Gavallan, de volta.
— Eu despediria você se pudesse, mas não posso! — Agora Linbar estava tremendo de raiva. — Já estou farto de você e da sua deslealdade, seu canalha velho. Você se casou dentro da família, você não faz parte dela, e se existe um Deus no céu você há de se destruir! Eu sou tai-pan e você, por Deus, nunca será!
Gavallan bateu na divisória de vidro e o carro parou subitamente. Ele abriu a porta e saiu.
— Dew neh loh moh, Linbar! — disse entre dentes e saiu andando na chuva.
O ódio deles datava do final dos anos cinqüenta e começo dos sessenta, quando Gavallan estava trabalhando em Hong Kong para a Struan's, antes de vir para cá cumprindo ordens secretas do então tai-pan, Ian Dunross, irmão da falecida esposa de Gavallan, Kathy. Linbar lhe tinha um ciúme mortal porque ele fora o homem de confiança de Dunross e, principalmente, porque Gavallan era sempre apontando como o provável sucessor do tai-pan, enquanto Linbar parecia não ter nenhuma chance de sê-lo.
Pela antiga lei da companhia Struan's o tai-pan tinha poder executivo total e indiscutível, e o direito inviolável de escolher o momento de se aposentar e indicar o seu sucessor — que tinha de ser um membro do escritório central e portanto, de alguma forma, da família — mas uma vez que a decisão fosse tomada, deveria abrir mão de qualquer poder. Ian Dunross governara sabiamente por dez anos e escolhera um primo, David MacStruan, para sucedê-lo. Há quatro anos, em pleno vigor, David MacStruan — um alpinista entusiasta — morrera num acidente no Himalaia. Pouco antes de morrer e na frente de duas testemunhas, surpreendentemente, escolhera Linbar para sucedê-lo. Sua morte foi investigada por autoridades policiais britânicas e nepalesas. As suas cordas e o seu equipamento de alpinismo tinham sido mexidos.
As investigações terminaram com o veredicto de 'acidente'. O lado da montanha que ele estava escalando era afastado, a queda foi súbita, ninguém sabia exatamente o que acontecera, nem alpinistas nem guias, as condições eram apenas razoáveis e, sim, o sahib estava bem de saúde e era um homem experiente, nunca se arriscaria tolamente.
Mas, sahib, as nossas montanhas nas Terras Altas são diferentes das outras montanhas. As nossas montanhas têm alma e ficam zangadas de vez em quando, sahib, e quem pode prever o que um espírito fará? — Nenhum dedo foi apontado para nenhum homem, a corda e o equipamento 'poderiam' não ter sido mexidos, apenas mal conservados. Carma.
Salvo os guias nepaleses, todos os doze alpinistas do grupo eram homens de Hong Kong, sócios e amigos, britânicos, chineses, um americano e dois japoneses, Hiro Toda, o chefe das Indústrias de Navegação Toda — um amigo de longa data de David MacStruan — e um de seus sócios, Nobunaga Mori. Linbar não estava entre eles.
Correndo grave risco, dois homens e um guia desceram pela fenda e alcançaram David MacStruan antes que ele morresse, Paul Choy, um diretor da Struan's imensamente rico, e Mori. Ambos testemunharam que, pouco antes de morrer, David MacStruan indicara formalmente Linbar como seu sucessor. Pouco depois de o abalado grupo ter voltado para Hong Kong, a secretária executiva de MacStruan, ao examinar seus papéis, encontrou uma página escrita à máquina e assinada por ele, datada de poucos meses antes e testemunhada por Paul Choy, que confirmava tudo.
Gavallan lembrava-se de como ficara chocado, todos eles ficaram — Claudia Chen, que tinha sido secretária executiva do tai-pan por gerações, prima da sua própria secretária executiva, Liz Chen, mais do que todos.
— Não parece coisa do tai-pan, Master Andrew — ela dissera a ele, uma senhora idosa mas ainda um bocado esperta. — O tai-pan nunca teria deixado um papel importante como este aqui, ele o teria colocado no cofre da Casa Grande junto com... com todos os outros documentos particulares.
Mas David MacStruan não fizera isso. E a ordem dada ao morrer e o papel que a confirmava tornaram tudo legal e agora Linbar era tai-pan da Casa Nobre e este foi o ponto final, mas dew neh loh moh para Linbar mesmo assim, sua horrível mulher, sua diabólica amante chinesa e seus amigos corruptos. Eu apostaria minha vida que se David não foi assassinado ele foi manipulado de algum modo. Mas por que Paul Choy mentiria, ou Mori, por que, eles não tinham nada a ganhar com isto...