Ele nunca se importou, pois eles eram uma família alegre e unida. Também fazia parte do acordo com o pai dela que ele aprenderia pacientemente os costumes do Irã, viveria pacientemente, segundo os costumes do Irã, por três anos e um dia. Então poderia escolher morar fora do Irã com Xarazade, por algum tempo, se precisasse.
— Porque então — seu pai, Jared Bakravan, dissera gentilmente —, com a ajuda do Verdadeiro Deus e do Profeta de Deus, que suas palavras possam viver para sempre, então você já terá sabedoria suficiente para fazer a escolha correta, pois com certeza vocês já terão filhos e filhas, porque apesar da minha filha ser magra, divorciada e ainda não ter filhos, não acho que ela seja estéril.
— Mas ela ainda é tão jovem. Podemos achar que ainda é muito cedo para ter filhos.
— Nunca é cedo demais — dissera Bakravan com severidade. — Os Livros Sagrados são muito claros. Uma mulher precisa de filhos. Um lar precisa de crianças. Sem filhos, uma mulher segue caminhos fúteis. Este é o maior problema da minha amada Xarazade, nenhum filho. Alguns hábitos modernos eu aprovo. Outros não.
— Mas se nós concordarmos, ela e eu, que é muito cedo...
— Esta decisão não cabe a ela! — Jared Bakravan tinha ficado chocado. Ele era baixo e rechonchudo com cabelos brancos, barba e olhos severos. — Seria monstruoso, um insulto, até mesmo discutir isso com ela. Você tem que pensar como um iraniano ou este casamento não vai durar. Nem mesmo começar. Nunca. Ah, então você não deseja filhos?
— Oh, não, é claro que eu quero filhos, mas tal..
— Ótimo, então fica combinado assim.
— Então pode ficar combinado assim: por três anos e um dia eu posso resolver se é muito cedo?
— É uma idéia idiota. Se você não quer fi..
— Oh, mas é claro que quero, Excelência.
— Só um ano e um dia — concordara, afinal, o velho, com relutância —, mas só se você jurar pelo único Deus que você quer mesmo filhos, que esse espantoso pedido é completamente temporário. Sua cabeça está mesmo cheia de bobagens, meu filho. Com a ajuda de Deus, essas bobagens vão desaparecer como a neve na areia do deserto. É claro que uma mulher precisa de filhos...
Distraidamente, Lochart sorriu para si mesmo. Aquele velho fantástico seria capaz de barganhar com Deus no jardim do paraíso. E por que não? Aquele não era o passatempo nacional dos iranianos? Mas o que vou dizer a ele daqui a alguns dias? O ano e um dia já estão quase no fim. Será que quero suportar o peso de filhos? Não, ainda não. Mas Xarazade quer. Oh, ela concordou com minha decisão, e nunca falou sobre isso, mas não creio que ela jamais tenha estado de acordo.
Podia ouvir o som abafado da voz dela e da empregada na cozinha e pensou que a calma que ela lhe dera fora sempre maravilhosa — um enorme contraste com o galo de briga que era sua outra mulher. As almofadas estavam muito confortáveis e ele observava o fogo. Ouviam-se alguns tiros na noite lá fora, mas isso já era tão comum que mal notavam.
Tenho que tirá-la de Teerã, pensou. Talvez ela esteja mais segura aqui do que em qualquer outro lugar, mas não se continuar se metendo nos conflitos. Doshan Tappeh! Ela é louca, mas todos estão loucos nesse momento. Gostaria muito de saber se o Exército recebeu mesmo ordem de esmagar a revolta. Bakhtiar tem que agir logo ou estará liquidado. Mas se ele o fizer, haverá um banho de sangue porque os iranianos são um povo violento, sanguinário — desde que seja a serviço do Islã.
Ah, Islã! E Deus. Onde estará o Verdadeiro Deus agora?
Em todos os corações e pensamentos dos crentes. Os xiitas são crentes. E Xarazade também. E toda a família dela. E você? Não, ainda não, mas estou me esforçando para isso. Prometi a ele que me esforçaria, prometi que leria o Corão e manteria a mente aberta. E?
Agora não é a hora de pensar nisso. Seja prático, pense de maneira prática. Ela está em perigo. Com ou sem chador ela não vai se envolver, mas por que não? É o país dela.
Sim, mas ela é minha esposa e vou ordenar que fique fora disso. E que tal a propriedade do pai dela no mar Cáspio, perto de Bandar-e Pahlavi? Talvez possam levá-la para lá, ou mandá-la para lá — o tempo agora está bom, não tão frio quanto aqui, embora nossa casa seja quente, com o reservatório de combustível sempre cheio, com lenha para o fogo e comida na geladeira, graças ao pai dela e à família.
Meu Deus, devo tanto a ele, tanto.
Um ligeiro ruído distraiu-lhe a atenção. Xarazade estava em pé na porta vestindo o chador e um véu leve que ele nunca tinha visto antes. Seus olhos nunca foram tão brilhantes. O chador farfalhava à medida que ela se aproximava. Então ela o abriu. Não estava usando nada por baixo. Ao vê-la ele perdeu o fôlego.
— Então? — A voz dela, como sempre, era baixa e palpitante, o farsi soava doce. — E agora, Excelência, meu marido, agora o meu chador o agrada?
Ele estendeu a mão para segurá-la, mas ela recuou um passo, rindo.
— No verão, as prostitutas da noite usam o chador desta maneira, dizem
— Xarazade.
— Não.
Desta vez ele a agarrou com facilidade. O gosto dela, seu brilho, sua maciez.
— Talvez, meu senhor — disse entre um beijo e outro, provocando-o delicadamente —, talvez sua escrava use sempre seu chador assim, nas ruas, no bazar, muitas mulheres o fazem, dizem...
— Não, só em pensar eu fico louco. — Fez menção de carregá-la, mas ela murmurou:
— Não, meu amor, vamos ficar aqui.
— Mas os criados...
— Esqueça-os, eles não vão nos perturbar, esqueça-os, esqueça tudo, eu imploro, meu amor, e só se lembre de que esta casa é sua, este é o seu lar e eu sou sua escrava para sempre.
Ficaram. Como sempre, a paixão dela acompanhou a sua, embora não pudesse entender como ou por que, apenas sentir que com Xarazade ele ia ao paraíso, de verdade, ficava no jardim do paraíso com essa ninfa do paraíso e depois voltava em segurança com ela para a terra.
Mais tarde, durante o jantar, a campainha da porta perturbou-lhes a paz. O criado Hassan atendeu e depois veio até a sala, fechando a porta.
— Senhor, é Sua Excelência, o general Valik — disse em voz baixa. — Ele pede desculpas por ter chegado tão tarde, mas diz que é importante e pergunta se Vossa Excelência pode conceder-lhe alguns minutos.
Lochart deixou transparecer sua irritação, mas Xarazade estendeu a mão, tocou-o suavemente e a irritação desapareceu.
— Receba-o, meu amor. Vou esperar por você na cama. Hassan, traga um prato limpo e esquente o horisht. Sua Excelência deve estar com fome.
Valik desculpou-se profusamente por ter chegado tão tarde, recusou duas vezes a comida mas, afinal, deixou-se persuadir e comeu com voracidade. Lochart esperou pacientemente, cumprindo a promessa feita ao sogro de se lembrar dos hábitos iranianos — que a família vinha em primeiro lugar, que era sinal de boa educação contornar um assunto, não ser nunca contundente nem direto. Em farsi, isso era muito mais fácil do que em inglês. Assim que pôde, mudou para o inglês.
— Estou muito feliz em vê-lo, general. O que posso fazer pelo senhor?
— Eu só soube que você estava de volta a Teerã, há meia hora atrás. Este horisht foi o melhor que já comi nos últimos anos. Sinto muito vir perturbá-lo tão tarde.