Ele abriu os olhos e se ergueu, espantado, sem saber, por um momento, onde estava. Então a memória voltou e ele se encolheu contra a parede, com o corpo todo doendo.
— Que maldita confusão! — resmungou, tentando relaxar os ombros. Com ambas as mãos, esfregou desajeitadamente os olhos para espantar o sono, e esfregou o rosto, sentindo-se imundo. A barba crescida estava pontilhada de fios brancos. Detesto ficar barbado, pensou.
Hoje é segunda-feira. Cheguei aqui no sábado, ao cair da noite, e eles me prenderam ontem de manhã. Filhos da mãe!
Sábado à noite tinha havido muitos ruídos em volta da cabana, o que o deixara ainda mais inquieto. Uma vez, teve certeza de ouvir vozes abafadas. Sem fazer barulho, apagou as luzes, destrancou a porta e ficou em pé nos degraus, com a pistola de sinalização nas mãos. Cuidadosamente examinou a escuridão. Então viu, ou achou que viu, um movimento a uns trinta metros de distância, depois outro mais adiante.
— Quem está aí? — gritou, com sua voz ecoando estranhamente. — O que quer?
Ninguém respondeu. Outro movimento. Onde? A trinta, quarenta metros — difícil calcular distâncias à noite. Olhe, lá está outro! Seria um homem? Ou apenas um animal ou a sombra de um galho. Ou talvez... o que era aquilo? Lá perto do pinheiro.
— Você aí! O que quer?
Nenhuma resposta. Não conseguia distinguir se era um homem ou não. Zangado e até um pouco assustado, apontou e puxou o gatilho. O bang pareceu um trovão e ecoou pela montanha, a chama vermelha saltou em direção à árvore, ricocheteou formando uma chuva de faíscas, borrifou em outra árvore e caiu, crepitando e chiando, num monte de neve. Ele esperou.
Não aconteceu nada. Ruídos na floresta, o telhado do hangar rangendo, vento no alto das árvores, às vezes neve caindo de um galho de árvore curvado pelo peso que se endireitava, livre de novo. Fazendo bastante estardalhaço, bateu iradamente com os pés para espantar o frio, acendeu a luz, tornou a carregar a pistola e tornou a trancar a porta.
— Você vai ficar igual a uma velha rabugenta quando ficar velho — disse alto, depois acrescentou: — Merda! Odeio o silêncio, odeio ficar sozinho, odeio a neve, odeio o frio, odeio sentir medo e o que aconteceu de manhã em Galeg Morghi me abalou, maldição... não há dúvida de que se não fosse pelo jovem Ross aquele Savak filho da puta teria me matado!
Checou a porta e todas as janelas para ver se estavam trancadas, fechou as cortinas, depois serviu uma farta dose de vodca e misturou-a com um pouco de suco de laranja que estava no congelador e sentou em frente ao fogo para se recompor. Havia ovos para o café e ele tinha uma arma. O aquecedor a gás funcionava bem. Lá dentro estava confortável. Depois de algum tempo, sentiu-se melhor, mais seguro. Antes de ir para a cama no quarto de hóspedes, tornou a checar as fechaduras. Quando ficou satisfeito, tirou as botas e se deitou na cama. Logo adormeceu.
Pela manhã, o medo noturno desaparecera. Depois de um café com ovos fritos sobre pão frito, exatamente como ele gostava, arrumou o quarto, vestiu a roupa acolchoada de piloto, destrancou a porta e então uma metralhadora foi enfiada na sua cara, seis revolucionários entraram na sala e o interrogatório começou. Foram horas de interrogatório.
— Não sou um espião, não sou americano. Já disse que sou inglês — repetiu mais uma vez.
— Mentiroso, seus papéis dizem que você é sul-africano. Por Alá, eles também são falsos? — O líder, o homem que chamava a si mesmo de Fedor Rakoczy, tinha uma aparência dura, era mais alto e mais velho do que os outros, tinha olhos castanhos e falava inglês com sotaque. As mesmas perguntas, sem parar. — De onde você vem, por que você está aqui, quem é o seu superior na CIA, quem é o seu contato aqui, onde está Erikki Yokkonen?
— Não sei. Já disse cinqüenta vezes que não sei. Não havia ninguém aqui quando pousei ontem ao entardecer. Fui enviado para apanhá-lo, a ele e a sua mulher. Eles tinham coisas para resolver em Teerã.
— Mentiroso! Eles fugiram no meio da noite, há duas noites atrás. Por que eles fugiram se você vinha apanhá-los?
— Já disse a vocês. Ele não estava me esperando. Por que eles fugiriam? Onde estão Dibble e Arberry, os nossos mecânicos? Onde está o nosso gerente, Dayati e...
— Quem é o seu contato da CIA em Tabriz?
— Não tenho nenhum contato. Somos uma companhia britânica e exijo ver o nosso cônsul em Tabriz. Eu...
— Os inimigos do povo não podem exigir nada! Nem mesmo piedade. É pela Vontade de Deus que estamos em guerra. Na guerra as pessoas são mortas.
O interrogatório durara toda a manhã. Apesar dos seus protestos, eles tinham levado todos os seus papéis, seu passaporte e seus vistos de permanência e de saída, que eram vitais, e o amarraram e atiraram ali com ameaças terríveis, caso tentasse fugir. Mais tarde, Rakoczy e dois guardas voltaram.
— Por que não disse que tinha trazido as peças sobressalentes para o 212?
— Vocês não perguntaram — respondera Pettikin, zagando. — Quem são vocês afinal? Devolvam os meus papéis. Exijo que chamem o cônsul britânico. Desamarrem minhas mãos, maldição!
— Deus o castigará se você blasfemar! Fique de joelhos e peça perdão a Deus. — Eles o obrigaram a se ajoelhar. — Peça perdão! — Ele obedeceu, odiando-os.
— Você também pilota um 212, além de um 206?
— Não — disse, levantando-se com dificuldade.
— Mentiroso! Está na sua licença. — Rakoczy jogara a licença sobre a mesa. — Por que está mentindo?
— Que diferença faz? Você não acredita em nada que eu digo. Você não vai acreditar na verdade. É claro que sei que está na minha licença. Então não vi quando vocês a levaram? É claro que piloto um 212 se for escalado.
— O komiteh vai julgá-lo e determinar sua sentença. — Rakoczy dissera isso com tanta dureza que ele sentiu um frio na espinha. Então eles o deixaram sozinho.
Ao entardecer, trouxeram um pouco de arroz e sopa, tornando a ir embora. Ele quase não tinha dormido e agora, ao amanhecer, viu o quanto estava fraco. Seu medo começou a crescer. Uma vez, no Vietnã, tinha sido derrubado, capturado e condenado à morte pelos vietcongues, mas seu esquadrão voltara para libertá-lo com mísseis e Boinas-Verdes e tinham destruído a aldeia e os vietcongues junto com ela. Esta foi outra ocasião em que escapou da morte certa. "Nunca aposte na morte até que esteja morto. Assim, meu velho" dissera seu jovem comandante americano "assim você consegue dormir de noite." — O comandante era Conroe Starke. Seu esquadrão de helicóptero era misto, americanos, britânicos e alguns canadenses, sediados em Da Nang. Ele agora estava metido em outra maldita encrenca.
Imagino como Duke estará se saindo agora, pensou. Filho da mãe sortudo. Sortudo por estar a salvo em Kowiss e sortudo por ter Manuela. Aquela é um estouro e parece um urso koala — aconchegante, com aqueles grandes olhos castanhos, e as curvas na medida certa.
Deixou a mente divagar, pensando nela e em Starke, em onde estariam Erikki e Azadeh, naquela aldeia do Vietnã — e no jovem capitão Ross e nos seus homens. Se não fosse por ele! Ross era outro salvador. Nessa vida você tem que ter salvadores para sobreviver, aquelas pessoas estranhas que apareciam milagrosamente na sua vida sem nenhum motivo aparente, bem na hora, para lhe dar a chance que você necessita desesperadamente, ou para arrancá-lo da desgraça, do perigo ou do mal. Será que aparecem porque você rezou pedindo ajuda? No desespero você sempre reza, de algum modo, mesmo que não seja para Deus. Mas Deus tem muitos nomes.
Ele se lembrou do velho Soames da embaixada com o seu "Não se esqueça, Charlie, Maomé, o Profeta, declarou que Alá — Deus — tem três mil nomes. Mil só são conhecidos pelos anjos, mil pelos profetas, trezentos estão na Tora, o Velho Testamento, outros trezentos no Zabur, que são os Salmos de Davi, outros trezentos no Novo Testamento, e noventa e nove no Corão. Isto dá 2.999. Um nome foi oculto por Deus. Em árabe ele é chamado: Ism Allah ala'zam: o Maior dos Nomes de Deus. Todos os que lerem o Corão o terão lido sem saber. Deus é esperto em esconder o seu Maior Nome, hein?