Posso chegar facilmente em Teerã ainda hoje, pensou. E voltar na quarta-feira, se voltar. Aquele filho da mãe do Rakoczy deu notícias realmente muito ruins.
— Quer um pouco de café, querido? — perguntou Azadeh.
— Obrigado. Veja se consegue pegar a BBC ou a Voz da América nas ondas curtas. — Aceitou satisfeito o café quente da garrafa térmica, escutando o barulho da estática, do efeito heteródino e das estações soviéticas e quase mais nada. As estações iranianas ainda estavam fora do ar por causa da greve, exceto as que eram operadas pelos militares.
Durante o fim-de-semana, amigos, parentes, vendedores, empregados, tinham trazido boatos a respeito de tudo, desde a iminência de uma invasão soviética até uma também iminente invasão americana, desde golpes militares bem-sucedidos na capital até a covarde rendição de todos os generais a Khomeini e a renúncia de Bakhtiar.
— Asneira! — dissera Abdullah Khan. Ele era um homem corpulento de uns sessenta anos, de barba, com olhos escuros e lábios grossos, coberto de jóias e ricamente vestido. — Por que Bakhtiar iria renunciar? Ele não ganha nada com isso e, por enquanto, não há nenhum motivo.
— E se Khomeini vencer? — perguntara Erikki.
— É a Vontade de Deus. — O khan estava reclinado sobre tapetes no grande salão, Erikki e Azadeh sentavam-se em frente, e seu guarda-costas armado estava em pé, atrás dele. — Mas a vitória de Khomeini será apenas temporária, caso ele a consiga. As Forças Armadas vão dominá-lo, a ele e a seus mulás, mais cedo ou mais tarde. Khomeini é um homem velho. Morrerá logo, e quanto mais cedo melhor, pois embora tenha cumprido a Vontade de Deus e tenha sido o instrumento para expulsar o xá, cuja hora tinha chegado, ele é vingativo, bitolado, e tão megalomaníaco quanto o xá, se não for mais. Ele vai, com toda a certeza, assassinar mais iranianos do que o xá jamais o fez.
— Mas ele não é um homem santo, piedoso e tudo o que um aiatolá deve ser? — perguntou Erikki, cautelosamente, sem saber o que esperar. — Por que Khomeini faria isso?
— É o hábito dos tiranos. — O khan riu e apanhou outro halvah, um doce turco que ele adorava.
— E o xá? O que vai acontecer agora? — Apesar de Erikki não gostar do khan, estava satisfeito pela oportunidade de ouvir a opinião dele. Sua vida e de Azadeh no Irã dependia muito do khan e Erikki não tinha nenhuma vontade de partir.
— Será como Deus quiser. Muhammad Xá fez um bem enorme ao Irã, como seu pai antes dele. Mas nos últimos anos estava totalmente voltado para si mesmo e não queria ouvir ninguém, nem mesmo a xabanu, a imperatriz Farah, que é dedicada a ele e muito inteligente. Se tivesse juízo, abdicaria imediatamente em favor do seu filho Reza. Os generais precisam de um motivo para se unir, eles poderiam treiná-lo até que estivesse preparado para assumir o poder. Não se esqueça de que o Irã tem sido uma monarquia há quase três mil anos, sempre governado por um monarca com poderes absolutos, alguns diriam um tirano, só destituído pela morte. — Ele sorrira, com seus lábios grossos e sensuais. — Dos xás Qajar, nossa dinastia legítima que governou por 150 anos, só um, o último da linhagem, meu primo, morreu de causas naturais. Somos um povo oriental, não ocidental, que entende tortura e violência. A vida e a morte não são julgadas pelos seus padrões. — Seus olhos escuros pareceram ficar ainda mais escuros. — Talvez seja a Vontade de Deus que os Qajars voltem... sob o governo deles o Irã prosperou.
Não foi isso o que eu ouvi dizer, pensara Erikki. Mas se manteve calado. Não me compete julgar o que aconteceu ou o que acontecerá aqui.
Durante todo o domingo houve interferência na transmissão da BBC e da Voz da América, o que não era incomum. A Rádio de Moscou estava alta e clara, como sempre, e a Rádio Iramana Livre que transmitia até Tbilisi, ao norte da fronteira, também estava alta e clara como sempre. Suas transmissões em farsi e em inglês falavam em revolta geral contra "o governo ilegal de Bakhtiar, contra o xá e seus patrões americanos, comandados pelo intrigante e mentiroso presidente Carter. Hoje Bakhtiar tentou obter as boas graças do povo cancelando um total de 13 bilhões de dólares de contratos militares ilegais impostos ao país pelo recém-deposto xá: oito bilhões de dólares com os Estados Unidos, contratos para a compra de tanques centuriões dos ingleses, no valor de dos bilhões e trezentos milhões de dólares, mais dois reatores nucleares franceses, e um da Alemanha, no valor de dois bilhões e setecentos milhões de dólares. Esta notícia colocou em pânico os líderes ocidentais e, sem dúvida, levará a uma merecida crise nas bolsas de valores capitalistas..."
— Perdoe-me por perguntar, pai, mas o Ocidente vai falir? — perguntara Azadeh.
— Não desta vez — respondera o khan e Erikki viu seu rosto ficar mais frio. — A menos que os soviéticos decidam que chegou a hora de suspender o pagamento dos oitenta bilhões de dólares que devem aos bancos ocidentais, e até a alguns bancos orientais. — Ele rira sardonicamente, brincando com o fio de pérolas que usava em volta do pescoço. — É claro que os agiotas orientais são muito mais espertos; pelo menos não são tão gananciosos. Emprestam criteriosamente e exigem garantias e não acreditam em ninguém, muito menos no mito da 'caridade cristã'. — Todo mundo sabia que os Gorgons eram donos de enormes propriedades no Azerbeijão, terra rica em petróleo, de grande parte da Madeira Iraniana, de propriedades costeiras no mar Cáspio, da maior parte do bazar de Tabriz e da maioria dos bancos comerciais de lá.
Erikki lembrou-se dos boatos que ouvira sobre Abdullah Khan quando estava tentando conseguir permissão para se casar com Azadeh, sobre seu pão-durismo e sua falta de compaixão nos negócios: "Um caminho rápido para o paraíso ou para o inferno é dever um rial a Abdullah, o Cruel, não pagar invocando pobreza e ficar em Azerbeijão.
— Pai, permita-me perguntar, o cancelamento de tantos contratos vai causar prejuízos, não vai?
— Não, você não tem permissão para perguntar. Você já fez perguntas demais para um dia. Uma mulher deve refrear a língua e ouvir. Você pode sair agora.
Imediatamente, ela se desculpou pelo seu erro e saiu obedientemente.
— Com licença.
Erikki também se levantou para sair, mas o khan o fez parar.
— Eu ainda não lhe dei licença para sair. Sente-se. Agora, por que você está com medo de um único soviético?
— Não estou com medo dele, mas do sistema. Aquele homem tem que ser da KGB.
— Por que então você não o matou?
— Isso não teria ajudado e sim prejudicado a nós, à base, à Madeira Iraniana, à Azadeh, talvez até ao senhor. Ele me foi enviado por outros. Ele nos conhece, conhece o senhor. — Erikki observara o khan cuidadosamente.
— Eu conheço uma porção deles. Os russos, soviéticos ou czaristas, sempre cobiçaram o Azerbeijão, mas têm sido bons fregueses do Azerbeijão, e nos ajudaram contra os nojentos ingleses. Eu os prefiro aos ingleses, eu os compreendo. — Sorriu ainda mais friamente. — Seria fácil remover este Rakoczy.
— Ótimo, então faça isso, por favor. — Erikki dera uma gargalhada. — E todos os outros também. Isso seria realmente executar o trabalho de Deus.
— Não concordo — dissera o khan, mal-humorado. — Isso seria fazer o trabalho de Satã. Sem os soviéticos contra eles, os americanos e seus cães, os ingleses, dominariam a nós e ao resto do mundo. Eles engoliriam o Irã. Quase o fizeram no governo do Muhammad Xá. Sem a Rússia Soviética, quaisquer que sejam seus defeitos, não haveria resistência às estratégias nojentas da América, à sua arrogância nojenta, aos seus modos infames, seus jeans infames, sua música infame, sua comida infame, sua democracia infame, suas atitudes infames em relação à mulher, à lei e à ordem, sua pornografia nojenta, sua atitude ingênua em relação à diplomacia, e ao seu perverso, sim, esta é a palavra correta, ao seu perverso antagonismo ao Islã.