A última coisa que Erikki queria era um outro confronto. Mas apesar de sua resolução, sentiu a raiva subindo.
— Nos fizemos um açor..
— Por Deus, é verdade! — o khan gritou para ele. — É verdade.
— Não é, e nós fizemos um acordo diante do seu Deus e dos meus espíritos de que não discutiríamos política, nem a do seu mundo nem a do meu.
— É verdade, admita! — Abdullah Khan rosnou, com a cara contorcida de raiva. Uma das mãos dirigiu-se para a faca que estava na cintura, e imediatamente o guarda empunhou sua metralhadora, apontando para Erikki. — Em nome de Alá, você está me chamando de mentiroso, em minha própria casa? — berrou.
— Eu só estou lembrando ao senhor, Alteza, o acordo que fizemos em nome de Alá! — Os olhos escuros injetados de sangue o encararam. Ele o encarou de volta, pronto para sacar sua própria faca e matar ou ser morto; o perigo entre os dois era muito grande.
— Sim, sim, isso também é verdade — resmungou o khan, e o acesso de raiva passou tão depressa quanto começara. Ele olhou para o guarda e mandou-o embora, zangado. — Saia!
A sala agora estava muito silenciosa. Erikki sabia que havia outros guardas por perto e orifícios para observação nas paredes. Sentiu a testa coberta de suor e o peso de sua faca pukoh no meio das costas.
Abdullah Khan sabia que a faca estava lá e que Erikki a usaria sem hesitação. Mas o khan concedera-lhe permissão perpétua para andar armado na presença dele. Há dois anos atrás Erikki salvara-lhe a vida.
Isso aconteceu no dia em que Erikki pediu-lhe permissão para se casar com Azadeh e foi recusado imperiosamente.
— Não, por Alá, eu não quero infiéis na minha família. Saia da minha casa! Pela última vez!
Erikki erguera-se do tapete, com dor no coração. Nesse momento, ouviram ruído de luta do lado de fora da porta, seguido por tiros, então a porta abriu com violência e por ela entraram dois homens, assassinos armados com metralhadoras, enquanto a luta continuava no corredor. O guarda-costas do khan matou um, mas o outro crivou-o de balas e apontou a arma para Abdullah Khan, que estava sentado no tapete, em estado de choque. Antes que o assassino pudesse puxar o gatilho pela segunda vez, ele morreu, com a faca de Erikki atravessada na garganta. Na mesma hora, Erikki saltou em cima dele, arrancou-lhe a metralhadora das mãos e a faca da garganta, no mesmo instante em que outro assassino entrava na sala, atirando. Erikki acertara o rosto do homem com a metralhadora, matando-o, quase arrancando-lhe a cabeça com a força da pancada, depois correu, enfurecido, para o corredor. Três dos atacantes e dois guarda-costas estavam mortos ou morrendo. Os outros dois fugiram, mas Erikki foi atrás deles e os matou, voltando correndo para dentro. E foi só quando encontrou Azadeh, e viu que ela estava bem, que a sede de sangue o abandonou e ele se acalmou.
Erikki recordou como a havia deixado e voltado para o grande salão. Abdullah ainda estava sentado sobre os tapetes
— Quem eram aqueles homens?
— Assassinos. Inimigos, como os guardas que os deixaram entrar — respondera Abdullah Khan, com ódio. — Foi a Vontade de Deus que você estivesse aqui para me salvar, é pela Vontade de Deus que estou vivo. Você pode se casar com Azadeh, sim, mas por eu não gostar de você, nós dois vamos jurar diante do meu Deus e do seu, seja lá o que for que você adore, não discutir nem religião nem política, seja do seu mundo ou do meu, então talvez eu não tenha que mandar matá-lo.
E agora os mesmos frios olhos escuros o observavam. Abdullah Khan bateu palmas. Instantaneamente, a porta se abriu e um criado apareceu.
— Traga café! — O homem saiu rapidamente. — Vou deixar de lado esse assunto sobre o seu mundo e passar para outro que podemos discutir: minha filha, Azadeh.
Erikki colocou-se mais ainda na defensiva, sem saber até que ponto seu pai a controlava, ou quais eram os seus direitos como marido enquanto estivesse no Azerbeijão — um feudo do velho. Se Abdullah Khan ordenasse a Azadeh para voltar para casa e se divorciar dele, será que ela o faria? Acho que sim, temo que sim — ela não vai escutar uma só palavra contra o pai. Ela defendeu até o seu ódio paranóico pela América explicando o que o havia causado:
— Ele foi mandado para lá, para cursar a universidade, pelo seu pai. Ele passou uma fase terrível na América, Erikki, aprendendo a língua e tentando conseguir um diploma em economia como seu pai ordenara antes de ter permissão para voltar para casa. Meu pai odiava os outros estudantes, que zombavam dele porque não sabia jogar os seus jogos, porque era mais pesado do que eles, o que no Irã é um sinal de saúde, mas não na América, e era lento para aprender Mas, principalmente, por causa dos trotes que teve de agüentar; foi obrigado, Erikki, a comer coisas impuras que são contra a nossa religião, como carne de porco, a beber cerveja, vinho e outras bebidas alcoólicas, o que é contra a nossa religião, a fazer coisas indescritíveis e foi chamado de nomes horríveis. Eu também ficaria zangada se fosse comigo. Por favor, seja paciente com ele. Os soviéticos não o fazem ver sangue pelo que fizeram com seu pai, sua mãe e seu país? Tenha paciência com ele, por favor. Ele não concordou com o nosso casamento? Tenha paciência com ele.
Eu tenho sido muito paciente, pensou Erikki, mais paciente do que com qualquer outro homem, louco para a entrevista terminar.
— O que há com minha mulher, Alteza? — Era costume chamá-lo assim, e Erikki o fazia de vez em quando, por educação.
— Naturalmente, o futuro da minha filha me interessa. Qual é o seu plano quando chegar a Teerã?
— Não tenho nenhum plano. Só acho que é prudente tirá-la de Tabriz por alguns dias. Rakoczy disse que eles estavam 'solicitando' os meus serviços. Quando a KGB diz isto no Irã, na Finlândia ou até mesmo na América, é melhor você ficar alerta e se preparar para ter problemas. Se eles a raptassem, eu ficaria nas mãos deles.
— Eles poderiam raptá-la em Teerã muito mais facilmente do que aqui, se este for o plano deles. Você se esquece que está no Azerbeijão — e apertou os lábios com desprezo —, não no país de Bakhtiar.
— Só sei que isso é o que eu acho que é melhor para ela. Eu disse que a protegeria com minha própria vida, e o farei. Até que o futuro político do Irã esteja definido, por você e outros iranianos, acho que isso é a melhor coisa a fazer.
— Neste caso, vá. — O khan falara de uma forma tão brusca que ele tinha ficado assustado. — Se você precisar de ajuda, envie-me o seguinte código...
— Pensou por um momento. Então seu sorriso tornou-se sardônico: — Envie-me a frase: 'todos os homens nasceram iguais'. Esta é outra verdade, não é?
— Não sei, Alteza — disse cuidadosamente. — Seja ou não verdade, é certamente a Vontade de Deus.
Abdullah dera uma gargalhada, levantando-se e deixando-o sozinho no grande salão e Erikki sentira um frio na alma, profundamente perturbado pelo homem cujos pensamentos ele nunca pôde ler.
— Você está com frio, Erikki? — perguntou Azadeh.
— Oh, não, nem um pouco — disse, voltando à realidade, ouvindo o motor funcionando bem enquanto subiam a estrada da montanha em direção ao desfiladeiro. Havia pouco tráfego para ambos os lados. Quando saíram da curva, alcançaram a luz do sol e chegaram ao topo; imediatamente, Erikki mudou suavemente de marcha e ganhou velocidade ao iniciarem a longa descida. A estrada, construída por ordem do Reza Xá, bem como a ferrovia, era uma maravilha da engenharia, com cortes, aterros, pontes e partes íngremes sem nenhuma proteção do lado do precipício, com a superfície escorregadia, cheia de montes de neve. Ele tornou a trocar a marcha, dirigindo depressa mas com prudência, muito satisfeito por não terem saído à noite. — Posso tomar um pouco mais de café?
— Vou gostar de ver Teerã — disse Azadeh, servindo-lhe o café. — Há um monte de compras para fazer, Xarazade está lá, e eu tenho uma lista de coisas para comprar para minhas irmãs, creme facial para minha madrasta...