Uma súbita pancada de chuva atingiu-o e ele ficou momentaneamente ofegante, despertando do seu devaneio. Seu coração ainda estava acelerado e ele se amaldiçoou por ter perdido a calma e deixado Linbar dizer o que não deveria ter sido dito.
— Você é um maldito idiota, poderia tê-lo refreado como sempre, você tem que trabalhar com ele e sua corja durante anos, você também teve culpa! — disse em voz alta, depois resmungou — O canalha não deveria ter sido sarcástico a respeito de Maureen... — Eles estavam casados há três anos e tinham uma filha de dois. A sua primeira mulher, Kathy, tinha morrido há nove anos de esclerose múltipla.
Pobre Kathy, pensou com tristeza, que azar você teve.
Gavallan apertou os olhos para enxergar através da chuva e viu o Rolls sair pelo portão do heliporto e desaparecer. É uma pena esta questão de Avisyard. Eu adoro aquele lugar, pensou, lembrando-se de todos os bons e maus momentos que tinha passado lá com Kathy e seus dois filhos, Scot e Melinda. O Castelo Avisyard era a propriedade ancestral de Dirk Struan, que ele deixara para os tai-pans que o sucedessem, enquanto exercessem o poder. Era um lugar acidentado e lindo, mais de mil hectares em Ayrshire. Uma pena que nós nunca iremos lá, Maureen, eu e a pequena Electra, pelo menos enquanto Linbar for tai-pan. É uma pena, mas assim é a vida.
— Bem, o desgraçado não pode durar para sempre — disse para o vento e se sentiu melhor por tê-lo dito em voz alta. Depois caminhou em direção ao edifício e foi para o seu escritório.
— Oi, Liz — disse. Liz Chen era uma bonita mulher eurasiana, na casa dos cinqüenta, que viera com ele de Hong Kong em 1963 e conhecia todos os segredos da Gavallan Holdings — da sua atividade de cobertura S-G, e da Struan's. — O que há de novo?
— Na certa você teve uma briga com o tai-pan. — Ela ofereceu-lhe uma xícara de chá, com sua voz melodiosa.
— Droga, é verdade. Como soube? — Quando ela apenas riu, ele riu junto com ela. — Ele que vá para o inferno. Você já conseguiu falar com Mac? — Mac era Duncan McIver, chefe das operações da S-G no Irã e seu amigo mais antigo
— Temos um garoto ligando para lá da manhã até a noite, mas os circuitos no Irã ainda estão ocupados. O telex também não está respondendo. Duncan deve estar tão ansioso quanto você para se comunicar. — Ela apanhou o casaco dele e pendurou-o no cabide do seu escritório. — Sua mulher ligou, ela ia apanhar Electra na creche e queria saber se você jantaria em casa. Eu disse a ela que achava que sim, mas talvez chegasse tarde, você tem um encontro com a ExTex dentro de meia hora.
— É. — Gavallan sentou-se atrás da sua escrivaninha e certificou-se de que a pasta estava preparada. — Verifique se o telex para Mac já está funcionando, sim, Liz?
Ela começou imediatamente a discar. O escritório dele era grande e organizado, dando para o campo de aviação. Na escrivaninha arrumada havia alguns porta-retratos com fotografias da família, Kathy com Melinda e Scot, quando estes eram pequenos, o grande castelo de Avisyard por trás deles, e outra de Maureen carregando o bebê. Rostos bonitos, rostos sorridentes. Apenas um quadro a óleo na parede, de Aristotle Quance, representando um corpulento mandarim chinês, um presente de Ian Dunross para celebrar seu primeiro pouso bem-sucedido numa plataforma no mar do Norte e o começo de uma era.
— Andy — dissera Dunross, começando aquilo tudo. — Quero que você pegue Kathy e as crianças, saia de Hong Kong e volte para a Escócia. Quero que você finja que pediu demissão da Struan's; é claro que você vai continuar a ser um membro do escritório central, mas isto será segredo por enquanto. Quero que você vá para Aberdeen e compre, em sigilo, a melhor propriedade, atracadouros, áreas fabris, um pequeno campo de aviação, heliportos em potencial. Aberdeen ainda é um lugar atrasado, de modo que você pode comprar o melhor por um preço barato. E uma operação secreta, apenas entre nós dois. Há alguns dias eu conheci um sujeito estranho, um sismólogo chamado Kirk, que me convenceu de que o mar do Norte fica sobre um enorme lençol de petróleo. Quero que a Casa Nobre esteja pronta para abastecer as plataformas quando elas forem instaladas.
— Meu Deus, como poderemos fazer isto? O mar do Norte? Mesmo que haja petróleo lá, o que parece impossível, aquele mar é o pior do mundo durante a maior parte do ano. Não seria possível, não durante o ano todo, e, de qualquer modo, o custo seria proibitivo! Como faríamos isso?
— Este é o seu problema, rapaz.
Gavallan lembrou-se da gargalhada e da enorme confiança e, como sempre, sentiu-se reconfortado. Então ele tinha deixado Hong Kong, Kathy encantada em partir, e tinha feito tudo o que lhe fora ordenado.
Logo em seguida, como por milagre, o petróleo do mar do Norte começou a jorrar e as maiores companhias americanas — encabeçadas pela ExTex, o imenso conglomerado de petróleo do Texas, e a BP, British Petroleum — entraram com enormes investimentos. Ele estava numa posição magnífica para tirar vantagem do novo Eldorado e foi o primeiro a perceber que a única maneira eficiente de prestar serviços ao grande achado, naquelas águas violentas, era por helicóptero; foi o primeiro — com o apoio e o poder de Dunross — a levantar os pesados investimentos necessários para o arrendamento e compra dos helicópteros, o primeiro a levar os fabricantes de helicópteros a construir aparelhos de tamanho, segurança, instrumentação e padrões de desempenho nunca antes sonhados, e o primeiro a provar que era possível voar nesses mares terríveis com qualquer tipo de tempo. Duncan McIver fizera isto para ele, voar e desenvolver as técnicas necessárias que eram, até então, inteiramente desconhecidas.
O mar do Norte tinha levado ao Golfo, Irã, Malásia, Nigéria, Uruguai, África do Sul — Irã, a jóia da sua coroa, com seu imenso potencial, altamente lucrativo, com as melhores ligações com o centro do poder, a corte, que seus sócios iranianos haviam-lhe assegurado que seriam igualmente proveitosas, mesmo depois da deposição do xá.
— Andy — o general Javadah, seu sócio mais importante, servindo em Londres, dissera-lhe ontem — não há com que se preocupar. Um dos nossos sócios é parente de Bakhtiar e, por via das dúvidas, nós temos o mais alto nível de contatos com o círculo mais íntimo de Khomeini. Evidentemente, a nova era será mais cara do que a anterior...
Gavallan sorriu. Não faz mal a despesa extra, nem o fato de que a cada ano os sócios se tornem um pouco mais gananciosos, ainda há mais do que o bastante para que o Irã continue sendo a nossa nau capitânia, desde que ele volte rapidamente ao normal. O jogo de Ian deu um lucro mil vezes maior à Casa Nobre, pena que ele tenha se retirado naquele momento, mas ele já tinha carregado a Struan's por dez anos. Isto já seria o bastante para qualquer homem, até para mim. Linbar está certo quando diz que eu quero aquele lugar. Se eu não conseguir, por Deus, Scot conseguirá. Enquanto isso, para a frente e para cima, os X63 vão nos levar muito acima da Imperial e da Guerney e vão nos tornar uma das maiores companhias de helicóptero do mundo.
— Dentro de uns dois anos, Liz, nós seremos os maiores — disse com inteira confiança. — O X63 é o máximo. Mac vai ficar louco quando eu contar a ele.
— Sim — ela concordou e desligou o telefone. — Sinto muito, Andy, os circuitos ainda estão ocupados. Eles vão nos avisar assim que desocuparem. Você contou ao tai-pan o resto das novidades?
— Não era exatamente o momento ideal, mas não tem importância. — Eles riram juntos. — Vou reservar isto para a reunião da diretoria.
Um velho relógio de navio começou a tocar as seis horas. Gavallan esticou o braço e ligou o rádio que estava sobre o arquivo, atrás dele. Som do Big Ben batendo as horas...