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— Não, obrigado. — Olhou para ela, de suéter e com os cabelos soltos realçando-lhe a beleza. Sorriu. — Mas estou com fome... com fome de você.

— Eu não estou só com fome, estou faminta — disse rindo, e lhe deu o braço.

— Ótimo! — Eles eram felizes juntos.

Como sempre, a estrada estava ruim, com vários buracos — em parte pelo uso, em parte por causa dos reparos e obras infindáveis, embora raramente houvesse sinalização ou barreiras de segurança. Ele se desviou de um buraco bastante fundo e depois passou devagar por outro destroço que fora empurrado de qualquer maneira para um dos lados. Nesse momento, um caminhão amassado veio da direção oposta, com a buzina tocando furiosamente. Estava brilhantemente decorado, tinha os pára-lamas amarrados com arame, a cabine aberta e sem vidro, e a tampa do tanque era um pedaço de pano. Na traseira, uma pilha alta de galhos de árvore, e três passageiros precariamente pendurados. O motorista estava embrulhado num casaco esfarrapado de pele de carneiro. Havia dois outros homens a seu lado. Quando Erikki passou, percebeu, surpreso, que todos o olhavam. Poucos metros adiante, um ônibus amassado e superlotado veio pesadamente em sua direção. Com muito cuidado, desviou para mais perto do fosso, raspando com o lado do carro para dar passagem ao ônibus, suas rodas bem na beirada, e então parou. Mais uma vez, viu que ó motorista e todos os passageiros o olharam ao passar, mulheres de chador, rapazes barbados e bem agasalhados contra o frio. Um deles sacudiu o punho para ele. Um outro gritou um palavrão.

Nós nunca tivemos nenhum problema antes, pensou Erikki, pouco à vontade. Para onde quer que olhasse, via os mesmos olhares zangados. Da rua e dos veículos. Tinha que ir devagar por causa dos enxames de motocicletas e bicicletas que passavam no meio dos carros, dos ônibus e dos caminhões que disputavam espaço na única pista — sem obedecer a nenhuma outra lei de tráfego a não ser às que lhes agradavam — e agora um rebanho de ovelhas saía de uma rua lateral e inundava a estrada, com os motoristas xingando os pastores e os pastores xingando de volta, todo mundo zangado e impaciente, e as buzinas tocando sem parar.

— Maldito tráfego! Ovelhas estúpidas! — disse Azadeh, impaciente-mente, agora bem acordada. — Toque a buzina, Erikki!

— Tenha paciência, volte a dormir. Não há jeito de ultrapassar ninguém — gritou por cima do tumulto, consciente da inimizade que o cercava. — Seja paciente!

Para atravessar outros trezentos metros, levaram meia hora, com mais tráfego vindo de ambos os lados para se juntar ao fluxo que foi ficando cada vez mais lento. Vendedores de rua, pedestres e lixo. Agora ele se arrastava atrás de um ônibus que ocupava quase toda a estrada, quase arranhando os carros do outro lado, andando a maior parte do tempo com uma das rodas sobre a borda do fosso. Os motociclistas passavam sem o menor cuidado, batendo na carroceria do Range Rover e dos outros veículos, xingando-se uns aos outros e a todo mundo que estava em volta, empurrando e chutando as ovelhas, fazendo-as debandar. Vindo de trás, um pequeno carro encostou nele e o motorista enfiou a mão na buzina num paroxismo de raiva que fez o ódio subir à cabeça de Erikki. Feche os ouvidos, ordenou a si mesmo. Tenha calma! Não há nada que você possa fazer! Tenha calma!

Mas achou isso cada vez mais difícil. Depois de meia hora, as ovelhas entraram numa picada e o tráfego andou um pouco mais depressa. Então, depois da curva seguinte, apareceu um conserto na estrada sem nenhuma sinalização, e um buraco com mais de um metro de profundidade, cheio de água, impedia a passagem. Um grupo de trabalhadores insolentes estava agachado ali perto, gritando palavrões e fazendo gestos obscenos.

Era impossível avançar ou recuar. Todo o tráfego foi obrigado a se desviar para uma ruazinha estreita, e o ônibus que estava na frente não conseguiu fazer a curva, tendo que parar e manobrar, causando mais tumulto e mais gritos de raiva, e quando Erikki deu marcha à ré para dar espaço para o ônibus, um carro azul todo amassado que estava atrás dele desviou para o lado oposto da estrada, ultrapassando-o, e enfiando-se na pequena abertura, obrigando o carro que vinha em sentido contrário a frear e derrapar. Uma das rodas do carro entrou no fosso e o carro balançou perigosamente. O tráfego agora estava totalmente enrolado.

Furioso, Erikki puxou o freio de mão, abriu a porta e foi até o carro que estava pendurado no fosso, usando toda a sua força para puxá-lo para a estrada. Ninguém mais ajudou, apenas xingavam e contribuíam para aumentar a confusão. Então Erikki caminhou em direção ao carro azul mas, neste momento, o ônibus fez a curva e houve espaço para andar e o motorista do carro azul engrenou e arrancou com um gesto obsceno.

Com esforço, Erikki relaxou os punhos. Os veículos dos dois lados da estrada buzinavam para ele. Entrou no carro e engrenou.

— Tome — disse Azadeh, inquieta. E lhe passou uma xícara de café.

— Obrigado. — Tomou o café, guiando com uma das mãos, o tráfego mais uma vez ficando lento. O carro azul desaparecera. Quando pôde falar calmamente, ele disse: — Se eu tivesse posto as mãos nele ou no carro, eu os teria feito em pedaços.

— Sim. Sim, eu sei. Erikki, você notou como todo mundo está hostil conosco? Como estão zangados?

— Sim, notei.

— Mas por quê? Nós já passamos por Qazvin mais de vinte ve... — Azadeh recuou involuntariamente quando um monte de lixo bateu de repente na sua janela, e chegou para perto dele, assustada. Erikki praguejou e fechou os vidros, depois estendeu o braço por cima dela e trancou a porta. Um monte de estrume foi jogado no pára-brisa.

— O que está havendo com esses matyeryebyets! — resmungou. — É como se estivéssemos exibindo uma bandeira americana e acenando com retratos do xá. — Uma pedra foi jogada não se sabe de onde e ricocheteou do lado do carro. Então o ônibus que estava na frente deles saiu da ruazinha lateral e entrou na ampla praça com uma mesquita ao fundo, onde havia barracas de feira e duas pistas de tráfego de cada lado. Para alívio de Erikki, puderam aumentar a velocidade. O tráfego ainda estava pesado, mas já começava a fluir e ele colocou em segunda, buscando a saída para Teerã, do outro lado da praça. No meio do caminho, as duas pistas começaram a ficar mais congestionadas à medida que mais veículos se juntavam aos que se dirigiam para a estrada de Teerã.

— Isso nunca esteve tão ruim — resmungou. — O que será que está impedindo o tráfego?

— Deve ser outro acidente — disse Azadeh, muito inquieta. — Ou obras na estrada. Vamos voltar? O tráfego não está tão ruim daquele lado.

— Temos muito tempo — disse para animá-la. — Vamos sair daqui em um minuto. Assim que sairmos da cidade, tudo estará bem. — Lá na frente, estava tudo parado de novo e o barulho aumentou. As duas pistas tornavam a se unir, engarrafando, com muita gritaria, impropérios, com os carros andando, parando e se arrastando a dez quilômetros por hora, as barracas e as carroças invadindo a estrada e subindo pelo fosso. Estavam quase na saída quando alguns jovens começaram a correr ao lado do carro gritando insultos, alguns obscenos. Um dos rapazes bateu na janela.

— Cão americano...

— Porco americano...

A estes homens se juntaram outros e algumas mulheres vestindo o chador, com os punhos levantados. Erikki estava encurralado e não podia sair da estrada nem aumentar a velocidade, nem podia retroceder. Sentiu a raiva crescer com a impotência. Alguns homens batiam no capô, nas laterais e nas janelas do Range Rover. Agora já havia um bando deles e os que estavam do lado de Azadeh provocavam-na, fazendo gestos obscenos, tentando abrir a porta. Um dos rapazes pulou no capô mas escorregou e caiu mas conseguiu sair do caminho antes que Erikki passasse por cima dele.

O ônibus da frente parou. Imediatamente, houve uma confusão frenética de passageiros que queriam entrar e outros que queriam sair. Então Erikki viu uma abertura, pisou no acelerador, atirando um homem no chão, ultrapassou o ônibus, quase atropelando os pedestres que andavam displicentemente pelo meio dos veículos, e entrou numa rua lateral que estava milagrosamente livre, acelerou e entrou em outra, evitou por pouco um bando de motocicletas e prosseguiu. Logo ficou inteiramente perdido, pois a única coisa igual nas cidades grandes ou pequenas eram os vira-latas, o lixo e o tráfego, mas ele se orientou pela sombra do sol e finalmente chegou numa rua mais larga, enfiou o carro no fluxo do tráfego, tornou a sair, e logo chegou a uma rua que reconheceu, uma rua que o levou para outra praça, em frente a outra mesquita e depois de volta à estrada de Teerã.