— Isso não é importante, primeiro temos que cuidar daquele bloco. Jean-Luc, eu estava..
— Evacuaremos o lugar e deixaremos aquele stronzo nas Mãos de Deus — disse Banastasio.
— Mamma mia, Enrico — retrucou Guineppa, irritado. — Torno a dizer que acho que podemos dar uma ajuda a Deus, com a ajuda de Jean-Luc. Pietro concorda. Hein, Pietro?
— Sim — disse Pietro da porta, com um palito na boca. — Jean-Luc, eu fur criado em Aosta, nos Alpes italianos, então eu entendo de montanhas e de avalanches eacho..
— Si, e seipazzo, sim, e você é maluco — disse rispidamente Banastasio.
— Nel tuo culo, no teu cú — Pietro fez um gesto obsceno. — Com a sua ajuda, Jean-Luc, é fácil deslocar aquele stronzo.
— O que você quer que eu faça? — perguntou Jean-Luc.
— Leve Pietro e sobrevoe o cume, até um lugar que ele vai-lhe mostrar, na face norte. Ele vai atirar uma banana de dinamite na neve, de lá, e isso afasta o perigo daqui — respondeu Guineppa.
— Basta isso e o bloco desaparece. — Pietro sorriu radiante.
— Pelo amor de Deus, vou tornar a repetir que é muito arriscado. Nós deveríamos evacuar primeiro. Depois, se você quiser, experimente a sua dinamite — disse Banastasio ainda com mais raiva, com seu inglês de sotaque americano.
O rosto de Guineppa crispou-se de dor. Ele levou uma das mãos ao peito.
— Se evacuarmos, teremos que fechar tudo e...
— E daí? Então fechamos. E daí? Se você não liga para sua própria vida, pense nos outros. Eu sou a favor da evacuação imediata. Depois dinamitar. Jean-Luc, não é mais seguro?
— É claro que é mais seguro — respondeu cautelosamente Jean-Luc, sem querer agitar ainda mais o doente. — Pietro, você diz que entende de avalanches. Quanto tempo esta vai agüentar?
— Meu nariz diz que vai acontecer logo. Há rachaduras por baixo. Talvez amanhã, talvez esta noite. Eu sei onde dinamitar. E é muito seguro. — Pietro olhou para Banastasio. — Posso fazê-lo, não importa o que esse stronzo ache.
— Jean-Luc, eu e o meu pessoal vamos sair. Imediatamente. O que quer que se decida. — Banastasio levantou-se e saiu.
— Jean-Luc, leve Pietro lá para cima. Agora. — Pediu Guineppa, virando-se na cama.
— Antes nós vamos levar todo mundo para a plataforma Rosa, e você vai ser o primeiro — disse rispidamente Jean-Luc —, e depois dinamitar. Se funcionar, você volta para cá, se não, há bastante espaço para você na plataforma Rosa, por algum tempo.
— O primeiro não, o último... não há necessidade de evacuar. Jean-Luc mal o escutou. Estava calculando o número de homens a retirar.
Cada um dos dois turnos tinha nove homens — o chefe, seu assistente, o químico que controlava a lama e decidia a respeito dos seus componentes e do seu peso, o perfurador, que cuidava da perfuratriz, o operador de motores, responsável por todos os guinchos, bombas e assim por diante, e quatro operários para fixar ou soltar os canos e sondas.
— Vocês não têm sete iranianos, cozinheiros e operários?
— Sim. Mas estou dizendo que não é necessário evacuar — disse Guineppa, exausto.
— É mais seguro, mon vieux. — Jean-Luc virou-se para Pietro. — Diga a todo mundo para levar pouca coisa e andar depressa.
— Sim ou não? — perguntou Pietro, olhando para Guineppa.
— Solicite um voluntário para ficar aqui. Se ninguém quiser, Mãe de Deus, feche — concordou Guineppa, cansado do esforço.
Pietro estava claramente desapontado. Ainda pautando os dentes, saiu. Guineppa tornou a virar-se na cama, tentando encontrar uma posição mais confortável, e começou a praguejar. Parecia mais fraco do que antes.
— É melhor evacuar, Mario — disse baixo Jean-Luc.
— Pietro tem juízo e é inteligente mas esse porco mísero do Banastasio não presta, só causa problemas, e foi por culpa dele que o rádio quebrou, eu sei!
— O quê?
— O rádio quebrou durante o turno dele. Agora nós precisamos de um novo, você tem um de reserva?
— Não, mas vou ver se posso lhe arranjar um. Pode ser consertado? Talvez um dos nossos mecânicos possa...
— Banastasio disse que escorregou e caiu em cima dele, mas eu o ouvi batendo no rádio com um martelo porque ele não queria funcionar... Mamma mia! — Guineppa fechou os olhos, apertou o peito e começou a praguejar de novo.
— Há quanto tempo você está sentindo dores?
— Há dois dias. Hoje está pior. Aquele stronzo do Banastasio! — Guineppa resmungou. — Mas o que se podia esperar? Está no sangue. A família dele é meio-americana, não? Dizem que o lado americano tem ligações com a Máfia.
Jean-Luc sorriu consigo mesmo, sem acreditar, não prestando muita atenção ao que ele dizia. Sabia que eles se odiavam. Guineppa, o nobre português-romano, e Banastasio, o camponês siciliano-americano. Mas isso não é tão surpreendente assim, pensou, ilhados aqui em cima, com doze horas de trabalho e doze de folga, dia após dia, mês após mês, por melhor que seja o salário.
Ah, o salário! Como eu gostaria de ter o salário deles! Até o operário mais humilde ganha em uma semana o que eu ganho em um mês — umas miseráveis 1.200 libras esterlinas por mês para mim, um capitão, e encarregado do treinamento, com quatro mil e oitocentas horas! Mesmo com as míseras 500 libras de bonificação mensais por estar no exterior, não é suficiente para sustentar minha mulher, meus filhos, pagar colégio, prestações e os maldidos impostos... quanto mais a melhor comida e o melhor vinho e a minha querida Sayada. Ah, Sayada, como eu senti saudades suas!
Se não fosse por causa de Lochart...
Que merda! Tom Lochart podia ter-me deixado ir com ele e eu poderia estar agora em Teerã nos braços dela! Meu Deus, como eu preciso dela. E de dinheiro. Dinheiro! Que os sacos de todos os cobradores de impostos se desfaçam em pó e seus perus desapareçam! Eu mal tenho com o que viver e se o Irã entrar pelo cano então, o que vai acontecer? Aposto que a S-G não vai sobreviver. Azar o deles; sempre haverá trabalho para um piloto de helicóptero bom como eu, em qualquer parte do mundo.
— Sim, mon vieux! — perguntou, ao ver que Guineppa o observava.
— Só vou embarcar na última viagem.
— É melhor ir na frente, há um médico na plataforma Rosa.
— Eu estou bem, honestamente.
Então Jean-Luc ouviu seu nome sendo chamado e vestiu o casaco.
— Posso fazer alguma coisa por você?
— Apenas levar Pietro lá para cima com a dinamite. — Sorriu cansado Guineppa.
— Farei isso, mas por último, e se tiver sorte, antes do anoitecer. Não se preocupe.
Lá fora, o frio tornou a atingi-lo. Pietro esperava por ele. Os homens já estavam reunidos perto do helicóptero, com sacolas e malas de vários tamanhos. Banastasio passou, levando um grande pastor alemão.
— O homem disse para só levar coisas leves — disse-lhe Pietro.
— É o que estou fazendo — respondeu Banastasio, com a mesma rispidez.
— Eu tenho os meus papéis, o meu cachorro e os meus homens. O resto pode ser substituído pela maldita companhia. — Depois, virando-se para Jean-Luc:
— Você tem uma carga grande, é melhor se apressar.
Jean-Luc checou os homens a bordo, e o cachorro, depois chamou Nasiri pelo rádio e disse-lhe o que iam fazer.
— OK, Scot, pode ir. Você pilota — disse Jean-Luc e saltou. Viu Scot arregalar os olhos.
— Sozinho?
— Por que não, mon bravei Você já completou as horas necessárias. Este é o seu terceiro vôo de treinamento. Você tem que começar em algum momento. Ande logo.
Observou Scot levantar vôo. Em menos de cinco segundos o helicóptero estava sobre o abismo, a dois mil e quinhentos metros de altura, e ele sabia o quanto esta primeira decolagem solitária de Bellissima seria impressionante e maravilhosa, invejando a sensação que o rapaz devia estar sentindo. O jovem Scot merece, pensou, observando-o criticamente.