Ao lado dele, Rakoczy abriu a porta, saltou, abriu a porta de trás e se virou, pondo-se em guarda. Deu mais uma rajada em direção aos carros. Erikki parou, perplexo ao ver Rakoczy.
— Depressa! — gritou Pettikin, sem entender o motivo da hesitação de Erikki. — Erikki, venha! — Então reconheceu Azadeh. — Meu Deus... — murmurou, depois gritou: — Venha, Erikki!
— Rápido, eu não tenho mais muita munição! — gritou Rakoczy, em russo.
Erikki levantou Azadeh no colo e correu. Algumas balas passaram perto. Quando chegaram ao helicóptero, Rakoczy ajudou a colocar Azadeh na traseira do aparelho, depois empurrou Erikki com o cano da metralhadora.
— Largue sua faca e entre na frente! — Ordenou em russo.
Meio paralisado de susto, Pettikin viu Erikki hesitar, com o rosto contorcido de raiva.
— Por Deus, há munição mais do que suficiente para ela, para você e para este imbecil deste piloto. Suba!
De algum lugar no meio do tráfego, uma metralhadora começou a atirar. Erikki jogou a faca na neve e subiu no assento da frente, Rakoczy deslizou para o lado de Azadeh e Pettikin decolou e acelerou, ziguezagueando como uma perdiz assustada, e depois subiu para os céus.
— Que diabo está acontecendo? — perguntou, quando pôde falar. Erikki não respondeu. Virou a cabeça para se certificar de que Azadeh estava bem. Ela estava com os olhos fechados, encolhida num canto, ofegante, tentando recuperar o fôlego. Viu que Rakoczy tinha fechado o cinto de segurança dela, mas quando Erikki estendeu a mão para tocá-la, o russo fez sinal com a arma para ele parar.
— Ela ficará bem, eu prometo — ele continuou a falar em russo —, desde que você se comporte como o seu amigo foi ensinado a se comportar. — Manteve os olhos nele enquanto enfiava a mão na sua sacola e apanhava outro pente de balas. — Você já sabe. Agora faça o favor de virar para a frente.
Tentando controlar sua fúria, Erikki obedeceu. Colocou os fones no ouvido. Não havia meio de Rakoczy ouvir o que eles dissessem — não havia nenhum intercomunicador lá atrás — e pareceu-lhes estranho estarem tão livres e no entanto tão aprisionados.
— Como você nos encontrou, Charlie, quem mandou você? — perguntou, com a voz grave.
— Ninguém — disse Pettikin. — O que é que há com aquele filho da mãe? Fui para Tabriz para apanhar você e Azadeh, fui seqüestrado por aquele filho da puta lá atrás e ele me obrigou a ir para Teerã. Foi pura sorte, por Deus, o que foi que houve com vocês?
— Nós ficamos sem gasolina. — Erikki contou-lhe brevemente o que tinha acontecido. — Quando o motor parou, pensei que estava liquidado. Todo mundo parecia ter enlouquecido. Num momento estava tudo bem, depois estávamos outra vez cercados, como na barreira. Tranquei todas as portas, mas era só uma questão de tempo... — Ele se virou novamente. Azadeh estava com os olhos abertos e tinha tirado o chador do rosto. Sorriu para ele, cansada, esticou o braço para tocá-lo, mas Rakoczy impediu-a.
— Por favor, desculpe-me, Alteza — disse em farsi —, mas espere até pousarmos. Tudo ficará bem. — Repetiu isso em russo, acrescentando para Erikki: — Tenho um pouco d'água aqui. Você gostaria que eu desse para sua mulher?
— Sim, por favor. — E observou Azadeh bebendo, agradecida.
— Você quer um pouco?
— Não, obrigado — disse educadamente, embora estivesse sedento, não querendo receber nenhum favor. Sorriu para ela encorajadoramente. — Azadeh, foi como um maná dos céus, hein? Charlie foi como um anjo.
— Sim... sim. Foi a Vontade de Deus. Estou bem agora, Erikki, graças a Deus. Agradeça a Charlie por mim...
Ele escondeu sua preocupação. O segundo tumulto a aterrorizara. E ele, ele tinha jurado que se conseguisse escapar vivo daquela confusão, nunca mais viajaria sem um revólver e, de preferência, granadas de mão. Viu Rakoczy observando-o. Balançou a cabeça e tornou a virar para a frente.
— Matyerybyets — resmungou, automaticamente verificando os instrumentos.
— Esse sujeito é um lunático; não havia necessidade de matar ninguém, eu disse a ele para atirar por cima das cabeças. — Pettikin baixou ligeiramente a voz, inquieto por estar falando tão abertamente, embora não houvesse nenhum modo de Rakoczy escutar. — O filho da mãe quase me matou duas vezes. Como você o conhece, Erikki? Você ou Azadeh já estiveram metidos com os curdos?
— Curdos? Você está se referindo àquele matyerybye lá atrás? — Erikki olhou para ele espantado.
— É claro que sim, Ali bin Hassan Karakose. Ele vem do monte Ararat. Ele é curdo, faz parte dos Combatentes pela Liberdade.
— Ele não é nenhum curdo, é russo e trabalha para a KGB.
— Meu Deus! Você tem certeza? — Pettikin estava visivelmente chocado.
— Oh, sim. Ele afirma ser muçulmano, mas aposto que isso também é mentira. Ele me disse que o nome dele é Rakoczy, outra mentira. Todos eles são mentirosos, por que nos contariam alguma coisa, a seus inimigos?
— Mas ele jurou que era verdade e eu lhe dei a minha palavra. — Furioso, Pettikin contou-lhe a respeito da luta e do trato que tinham feito.
— Você é que é idiota, Charlie, não ele. Você nunca leu Lenin? Stalin? Marx? Ele só está fazendo o que todos os membros da KGB e todos os comunistas fazem: fazer qualquer coisa a favor da causa 'sagrada', poder total e absoluto para o partido comunista da União Soviética, e fazer com que nós nos enforquemos para poupar-lhes o trabalho. Meu Deus, eu gostaria de uma vodca.
— Um conhaque duplo seria melhor.
— Os dois juntos seria melhor ainda. — Erikki analisou o chão lá embaixo. Eles estavam voando bem, com os motores funcionando perfeitamente e com bastante combustível. Seus olhos examinaram o horizonte procurando Teerã. — Não falta muito agora. Ele já disse onde devemos pousar?
— Não.
— Então talvez a gente tenha uma chance.
— Sim. — A apreensão de Pettikin aumentou. — Você mencionou uma barreira na estrada. O que aconteceu lá?
— Fomos parados. Esquerdistas. Tivemos que fugir. Não temos mais documentos, nem Azadeh nem eu. Nada. Um filho da mãe gordo que estava na barreira ficou com eles e não houve tempo de recuperá-los. — Estremeceu. — Eu nunca senti tanto medo, Charlie. Nunca. Estava impotente no meio daquele tumulto e quase cagando de medo porque não podia protegê-la. Aquele gordo fedorento filho da mãe ficou com tudo, passaporte, identidade, licença para pilotar, tudo.
— Mac vai-lhe arranjar outros documentos, e sua embaixada lhes dará novos passaportes.
— Eu não estou preocupado comigo. E Azadeh?
— Ela também vai conseguir um passaporte finlandês. Como Xarazade conseguiu um canadense, não se preocupe.
— Ela ainda está em Teerã, não está?
— Com certeza. Tom também deve estar lá. Ele estava sendo esperado ontem, devia chegar de Zagros, trazendo correspondência de casa... — Que estranho, pensou Pettikin. Eu ainda me refiro à Inglaterra como 'casa', mesmo depois de ter perdido Claire, de ter perdido tudo. — Ele acabou de chegar de licença.
— Era isto o que eu queria, sair de licença. Estou com uma licença vencida. Talvez Mac possa mandar alguém me substituir. — Erikki deu um soco de leve em Pettikin. — O que tiver de ser, será, hein? Ei, Charlie, aquele foi um vôo e tanto. Quando eu o vi, pensei que estava sonhando ou então que já estava morto. Você viu a minha bandeira finlandesa?
— Não, foi o Ali... como foi que você o chamou? Rekowski?
— Rakoczy.
— Rakoczy a reconheceu. Se ele não a tivesse reconhecido eu não saberia. Sinto muito. — Pettikin olhou para ele. — O que ele quer com você?
— Não sei, mas seja o que for, é para atender a propósitos soviéticos. — Erikki praguejou. — Então nós devemos a vida a ele, hein?
— Sim, eu não poderia fazer aquilo tudo sozinho. — Olhou em torno. Rakoczy estava totalmente alerta. Azadeh cochilava, com o lindo rosto cheio de sombras. Balançou ligeiramente a cabeça e depois virou-se. — Azadeh parece estar bem.