— Por mais que eu quisesse fazer isto, não poderia — McIver respondera com cautela, tentando ganhar tempo.
Ele estava numa posição insustentável. Khomeini obtivera permissão para voltar, mas isso era tudo; se o governo de Bakhtiar soubesse que a S-G estava fornecendo um helicóptero ao seu arquiinimigo para que ele pudesse fazer uma entrada triunfal na capital, eles ficariam, realmente, muito irritados. E mesmo que o governo concordasse, se alguma coisa saísse errada, se o aiatolá fosse ferido, a S-G levaria a culpa e as suas vidas não valeriam um tostão.
— Todas as nossas aeronaves estão sob contrato, e eu não tenho a autoridade necessária pa...
— Eu lhe dou a autoridade necessária em nome do aiatolá — disse o homem zangado, erguendo a voz. — O aiatolá é a única autoridade no Irã.
— Então deveria ser fácil para o senhor conseguir um helicóptero do Exército ou da Força Aérea iraniana para...
— Cale-se! O senhor teve a honra de ser solicitado. O senhor fará o que for mandado. Em nome de Alá, o komiteh decidiu que o senhor vai fornecer um 212 com os seus melhores pilotos para levar o aiatolá para onde nós dissermos, quando nós dissermos, como nós dissermos.
Esta era a primeira vez que McIver se confrontava com um dos komitehs — pequenos grupos de jovens fundamentalistas — que tinham surgido, aparentemente por milagre, assim que o xá saíra do Irã, em todas as cidades, vilas e aldeias para tomar o poder, atacando postos policiais, conduzindo as multidões nas ruas, assumindo o controle onde quer que conseguissem. Na maioria das vezes, eles eram liderados por um mulá. Mas nem sempre. Nos campos de petróleo de Abadan dizia-se que os komitehs eram compostos por fedayins de esquerda — literalmente 'aqueles que estão prontos a se sacrificar'.
— O senhor vai obedecer! — O homem sacudiu o revólver na cara dele.
— Eu me sinto, sem dúvida, honrado pela sua confiança — McIver dissera, os homens cercando-o, o cheiro forte de suor e roupas sujas em volta dele.
— Vou pedir permissão ao governo...
— O governo de Bakhtiar é ilegal e não é aceito pelo povo — berrara o homem. Imediatamente, os outros começaram também a berrar e a situação ficou feia. Um dos homens empunhou o seu rifle automático.
— Ou o senhor concorda ou o komiteh tomará outras medidas. McIver passou um telex para Andrew Gavallan, em Aberdeen, que concordou imediatamente, com a condição de que os sócios iranianos da S-G também concordassem. Os sócios não puderam ser encontrados. Em desespero, McIver contatou a embaixada britânica para se aconselhar:
— Bem, meu velho, certamente você pode perguntar ao governo, formal ou informalmente, mas nunca conseguirá uma resposta. Nós nem mesmo temos certeza se eles vão realmente permitir que Khomeini desembarque, ou se a Força Aérea não vai se encarregar do assunto. Afinal, o maldito sujeito é um completo revolucionário que está abertamente incitando a uma revolta contra o governo legal, que é reconhecido por todo mundo — o governo de Sua Majestade inclusive. De qualquer jeito, se você for tolo o bastante para perguntar, o governo vai certamente se lembrar de que você os colocou numa situação delicada e você vai se danar de qualquer maneira.
No fim, McIver conseguiu um acordo aceitável com o komiteh.
— Afinal de contas — ele havia salientado com enorme alívio — pareceria muito estranho que uma aeronave britânica levasse o seu reverenciado líder para a cidade. Sem dúvida, seria melhor se fosse um avião da Força Aérea iraniana, pilotado por um iraniano. Vou ter um dos nossos preparados, dois, aliás, para o caso de algum acidente. Com nossos melhores pilotos. É só nos chamar pelo rádio, peça uma emergência e nós responderemos imediatamente...
E agora ele estava ali, esperando, rezando para que não houvesse nenhuma emergência para ele responder.
O jumbo 747 da Air France surgiu de dentro da névoa cor-de-rosa. Durante vinte minutos ele circulou, esperando permissão para pousar.
McIver estava ouvindo a torre pelo rádio do 212.
— Ainda há algum problema em relação à segurança — disse aos outros dois. — Esperem um minuto... ele teve permissão!
— Lá vamos nós — murmurou Pettikin.
Eles observaram o avião se aproximar. O 747 era de um branco brilhante, com as cores francesas se destacando. Ele foi-se avizinhando da terra numa aproximação perfeita; então, no último momento, o piloto aumentou ao máximo a potência, interrompendo o pouso.
— Que diabo ele está tentando fazer? — disse Genny, o coração em disparada.
— O piloto está dizendo que quis dar primeiro uma olhada — McIver explicou a ela. — Acho que eu também faria o mesmo, só para me certificar. — Ele olhou para Pettikin, que atenderia a qualquer chamado de emergência do komiteh. — Peço a Deus que a Força Aérea não cometa nenhuma loucura.
— Olhe — disse Genny.
O jato se aproximou e tocou o solo, com os pneus largando fumaça, seus enormes motores rugindo ao serem invertidos para freá-lo. Imediatamente, uma Mercedes correu para interceptá-lo, e à medida que a notícia se espalhava entre aqueles que estavam no terminal, depois para as barricadas, depois para as ruas, as multidões foram ficando loucas de alegria. A ladainha começou: "Allah-u Akbar... Agha uhmad" Deus é grande... O Mestre voltou...
Pareceu levar uma eternidade até a escada chegar, as portas se abrirem e o velho de barba, com o rosto severo, de turbante preto descer os degraus, ajudado por uma das comissárias francesas. Caminhou no meio da guarda de honra formada às pressas por alguns mulás e pela tripulação da Air France iraniana e foi cercado por seus principais assistentes e pelos nervosos funcionários, e rapidamente enfiado num carro que se dirigiu para o terminal. Lá ele foi saudado pelo tumulto enquanto os convidados enlouquecidos, gritando e dando vivas, lutavam uns com os outros para chegar perto dele, tocá-lo, e jornalistas do mundo inteiro também se atropelavam pela melhor posição com sua barreira de máquinas fotográficas e câmeras de TV — todo mundo gritando, os Faixas Verdes e a polícia tentando evitar que ele fosse esmagado. Genny pode vê-lo apenas por um momento, uma estátua no meio do tumulto, depois ele foi engolido.
Genny tomou um gole do martíni, recordando, com os olhos fixos no rádio, tentando obrigar a transmissão a continuar, para apagar a lembrança daquele dia e do discurso de Khomeini no cemitério Behesht-Zahra, escolhido porque muitos dos que foram massacrados na Sexta-Feira Sangrenta — mártires ele os chamava — estavam enterrados lá.
Para apagar as imagens de TV que todos eles tinham visto mais tarde, imagens do mar de corpos enlouquecidos cercando o desfile de automóveis que se arrastava — qualquer idéia de segurança abandonada — dezenas de milhares de homens, mulheres e jovens gritando, lutando, empurrando para chegar mais perto dele, escalando o caminhão Chevrolet onde ele estava, tentando alcançá-lo, tocá-lo, o aiatolá sentado no banco da frente aparentando serenidade, ocasionalmente levantando as mãos para a multidão. Pessoas trepadas no capô e no teto, chorando e gritando, chamando por ele, lutando para impedir os outros de subir — impossível para o motorista enxergar, o motorista de vez em quando freando para as pessoas caírem, outras vezes simplesmente acelerando às cegas. Para apagar a lembrança de um jovem de terno marrom que tinha subido no capô mas que não conseguira se segurar direito e que rolara devagar para debaixo das rodas.
Dúzias como o jovem. Finalmente, os Faixas Verdes conseguiram cercar o caminhão e chamaram o helicóptero, e ela lembrou a maneira negligente com que o helicóptero se arremessou no meio da multidão que se dispersou para escapar das pás, corpos por toda a parte, feridos por toda a parte, depois o aiatolá caminhando no meio do seu bando de Guardas Islâmicos e sendo ajudado a entrar no helicóptero, com o rosto duro, impassível, depois o helicóptero levantando vôo sob os gritos intermináveis de "Allah-uuuuu Akbar... Agha uhmad..."