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— Claro que sinto.

E mesmo enquanto falava, Mary compreendeu como estava longe do lar. Junction City representara paz e segurança, uma vida tranqüila. Ali, havia medo e terror, ameaças terríveis rabiscadas nas paredes de sua sala em tinta vermelha. Vermelho, a cor da violência.

— Em que está pensando? — perguntou Florence.

— Como? Ah, nada... Eu estava apenas sonhando. O que vocês estão fazendo na Europa?

— Participei de uma convenção médica em Roma — explicou Douglas.

— Continue... conte o resto — estimulou-o Florence.

— A verdade é que eu não tinha muita vontade de vir, mas estávamos preocupados com você e queríamos saber como passava. Por isso, estamos aqui.

— Fico agradecida por isso.

— Nunca imaginei que conheceria uma pessoa tão importante — comentou Florence, suspirando.

Mary soltou uma risada.

— Ser embaixadora não me transforma numa pessoa tão importante assim, Florence.

— Não é disso que estou falando.

— Do que é então?

— Quer dizer que não sabe?

— Não sei o quê?

— Mary, saiu uma matéria grande a seu respeito na revista Time na semana passada, com uma fotografia sua e das crianças. Está sendo notícia em todas as revistas e jornais dos Estados Unidos. Quando Stanton Rogers concede entrevistas sobre as relações exteriores, sempre usa você como um grande exemplo. O presidente fala de você. Está na boca de todos.

— Acho que estou meio desatualizada...

Mary lembrou o que Stanton dissera: O presidente ordenou a projeção.

— Por quanto tempo vocês podem ficar? — perguntou ela.

— Eu adoraria ficar para sempre, mas planejamos passar três dias aqui e depois voltar para casa.

— Como você está indo, Mary? — perguntou Douglas. — Não no trabalho, mas... em relação a Edward?

— Estou me sentindo melhor — respondeu Mary, lentamente. — Converso com ele todas as noites. Isso parece loucura?

— Não.

— Ainda sofro muito, mas tento... tento sempre.

— Você... ahn... já conheceu alguém? — indagou Florence, delicadamente.

Mary sorriu.

— Para ser franca, talvez eu tenha conhecido. Vão conhecê-lo esta noite, ao jantar.

Os Schiffer simpatizaram logo com o doutor Louis Desforges. Pensavam que os franceses eram altivos, esnobes e indiferentes, mas Louis demonstrou-se amável, simpático e extrovertido. Ele e Douglas conversaram muito sobre medicina. Foi uma das noites mais felizes de Mary desde que chegara a Bucareste. Por um momento, ela sentiu-se segura e relaxada.

Às onze horas os Schiffer subiram para o quarto de hóspedes que fora preparado para alojá-los. Mary estava lá embaixo, despedindo-se de Louis.

— Gostei muito de seus amigos — disse ele. — Espero tornar a vê-los.

— Eles também gostaram de você. Voltarão para o Kansas dentro de dois dias.

Louis estudou-a em silêncio por um instante.

— Mary... você não está pensando em ir embora também, não é?

— Claro que não. Vou ficar. Ele sorriu.

— Ótimo. — Um instante de hesitação e ele acrescentou: — Vou passar o fim de semana nas montanhas. Gostaria muito que você me acompanhasse.

— Está certo.

Foi mesmo simples assim.

Naquela noite, deitada no escuro, Mary conversou com Edward. Querido, sempre o amarei, mas não devo mais precisar de você. Está na hora de começar uma vida nova. Você sempre será uma parte dessa vida, mas tem de haver também outra pessoa. Louis não é você, mas é Louis. Ele é forte, gentil e corajoso. É o mais próximo que posso chegar de ter você. Por favor, Edward, compreenda. Por favor...

Ela sentou na cama e acendeu o abajur na mesinha-de-cabeceira. Ficou olhando para a aliança de casamento por longo tempo e depois, lentamente, tirou-a do dedo.

Era um círculo que simbolizava um fim, e um começo.

Mary levou os Schiffer para uma excursão relâmpago por Bucareste, cuidando para que seus dias fossem totalmente ocupados. Os três dias passaram depressa, e quando os Schiffer foram embora, ela sentiu uma pontada de intensa solidão, uma impressão de completo isolamento de suas raízes, a sensação de estar à deriva mais uma vez, numa terra estranha e perigosa.

Mary estava tomando o habitual café da manhã com Mike Slade, discutindo a agenda do dia. Quando acabaram, Mike disse:

— Tenho ouvido alguns rumores. Mary também ouvira.

— Sobre Ionescu e sua nova amante? Parece que ele...

— Sobre você.

Ela sentiu que ficava rígida.

— É mesmo? Que espécie de rumores?

— Parece que você anda se encontrando muito com o doutor Louis Desforges.

Mary experimentou um ímpeto de raiva.

— Com quem eu me encontro não é da conta de ninguém.

— Desculpe, mas tenho de discordar, senhora embaixadora. É da conta de todo mundo na embaixada. Temos regras rigorosas contra o envolvimento com estrangeiros, e o doutor é um estrangeiro. E acontece que ele é também um agente inimigo.

Mary estava quase atordoada demais para falar.

— Isso é um absurdo! — balbuciou ela. — O que você sabe sobre o doutor Desforges?

— Pense na maneira como o conheceu — sugeriu Mike Slade. — A dama em perigo e o cavaleiro de armadura reluzente. É o truque mais velho do mundo. Eu próprio já o usei.

— Não estou interessada no que você fez ou deixou de fazer. Ele vale uma dúzia de homens como você. Lutou contra os terroristas na Argélia e eles mataram sua esposa e filhas.

Mike comentou, suavemente:

— Isso é muito interessante. Estive examinando o dossiê do doutor Desforges. Ele nunca teve esposa ou filhas.

25

Eles pararam para almoçar em Timisoara, a caminho dos Montes Cárpatos. A estalagem se chamava Sexta-Feira dos Caçadores e era decorada no estilo de uma adega medieval.

— A especialidade da casa é a caça — informou Louis a Mary. — Sugiro a carne de veado.

— Está bem.

Mary nunca comera carne de veado. Era deliciosa. Louis pediu uma garrafa de Zghihara, o vinho branco local. Havia um ar de confiança em Louis, uma força tranqüila, que proporcionava a Mary uma sensação de segurança.

Ele fora buscá-la longe da embaixada, explicando:

— É melhor não deixar que ninguém saiba para onde está indo ou todos os diplomatas da cidade vão começar a comentar.

Tarde demais, pensara Mary, amargurada.

Louis tomara emprestado o carro de um amigo da embaixada francesa. Tinha as placas ovais, em preto e branco, do corpo diplomático.

Mary sabia que as placas eram um aviso para a polícia. Os estrangeiros recebiam placas que começavam com o número doze. As placas amarelas eram para as autoridades.

Recomeçaram a viagem depois do almoço. Passaram por lavradores em carroças primitivas de fabricação doméstica, feitas de galhos entrelaçados, e por caravanas de ciganos.

Louis era um motorista competente. Mary estudava-o enquanto ele guiava, pensando nas palavras de Mike Slade: "Estive examinando o dossiê do doutor Desforges. Ele nunca teve esposa ou filhas."

Ela não acreditava em Mike Slade. Todo seu instinto lhe dizia que ele estava mentindo. Não fora Louis quem se esgueirara em sua sala e escrevera aquelas palavras nas paredes. Fora alguém que a estava ameaçando. Confiava em Louis. Ninguém poderia simular a emoção que vi em seu rosto quando estava brincando com as crianças. Ninguém é tão bom ator.

O ar estava se tornando mais rarefeito e mais frio, os arbustos e carvalhos davam lugar aos freixos, abetos e pinheiros.

— A caça por aqui é maravilhosa — comentou Louis. — Pode-se encontrar javali, cabrito montês, lobo e o camurça preto.