─ Logo, Toby, logo.
Jill era incansável. Dispensou os empregados porque não queria ninguém por perto e daí em diante passou a cozinhar; fazia todas as compras por telefone e jamais saía de casa. No início andava muito ocupada atendendo aos telefonemas, mas logo eles começaram a diminuir e finalmente cessaram. Os noticiários deixaram de informar sobre o estado de Toby Temple. O mundo sabia que ele estava morrendo. Era apenas uma questão de tempo.
Mas Jill não deixaria que Toby morresse. Se isso acontecesse, ela morreria com ele.
Os dias se fundiam numa rotina penosa e interminável. Jill se levantava às seis da manhã. Primeiro, limpava Toby, cuja incontinência era total. Embora usasse sonda e fraldas, sujava-se durante a noite, sendo preciso às vezes trocar a roupa da cama e seu pijama. O cheiro no quarto era quase insuportável. Jill enchia uma bacia de água morna, pegava uma esponja e um pano macio e limpava fezes e urina do corpo de Toby. Depois secava-o, punha-lhe talco, barbeava-o e penteava-lhe o cabelo.
─ Pronto. Você está lindo. Seus fãs deveriam vê-lo agora. Mas logo o verão. Vão brigar por uma chance de vê-lo. O presidente estará presente, todo mundo estará lá para ver Toby Temple.
Em seguida, ela preparava o café da manhã. Fazia mingau de aveia, creme de trigo e ovos mexidos, comida que podia dar-lhe com uma colher. Alimentava-o como se fosse um bebê, falando o tempo todo, prometendo-lhe que iria ficar bom.
─ Você é Toby Temple ─ repetia ela. ─ Todo mundo gosta de você, todo mundo quer vê-lo de volta. Seus fãs estão lá fora, esperando por você, Toby; você tem de ficar bom, por eles.
E tinha início mais um longo e penoso dia.
Ela levava seu corpo inútil e aleijado até a piscina na cadeira de rodas, para os exercícios. Depois disso, fazia-lhe massagens e ensinava-o a falar. Nessa altura era hora de preparar o almoço, após o qual começava tudo de novo. Todo o tempo, Jill repetia para o marido quão maravilhoso ele era, o quanto o amava. Ele era Toby Temple e o mundo aguardava seu regresso. À noite, ela pegava um dos álbuns de recortes e mostrava-o a Toby.
─ Aqui estamos nós com a rainha. Lembra-se dos aplausos naquela noite? É assim que vai ser outra vez. Você será maior do que nunca, Toby, maior que nunca.
Punha-o para dormir e arrastava-se para a cama portátil que colocara ao lado dele, exausta. No meio da noite, acordava com o mau cheiro das fezes de Toby na cama. Levantava-se penosamente, trocava a fralda de Toby e limpava-o. Já então era hora de começar a preparar o café da manhã e dar início a um outro dia.
E mais outro, numa infinita sucessão de dias.
A cada dia Jill forçava Toby um pouco mais, um pouco além. Seus nervos estavam tão abalados que, quando achava que ele não estava se esforçando, dava-lhe um tapa no rosto.
─ Vamos derrotá-los ─ dizia com raiva. ─ Você vai ficar bom.
O corpo de Jill estava exausto da massacrante rotina à qual estava se submetendo, mas quando se deitava à noite o sono lhe escapava. Havia muitas visões rodopiando em sua cabeça, como cenas de filmes antigos. Ela e Toby cercados por repórteres no Festival de Cannes... O presidente em sua casa em Palm Springs, elogiando Jill por sua beleza... Fãs empurrando-se em torno deles numa pré-estréia... O casal de ouro. Toby levantando-se para receber a medalha e caindo... caindo... E finalmente ela adormecia.
Às vezes Jill despertava com uma súbita e violenta dor de cabeça que não passava. Ficava deitada na solidão do quarto escuro, lutando contra a dor, até que o sol nascia e chegava a hora dolorosa de se levantar.
E tudo começava de novo. Era como se ela e Toby fossem os únicos e solitários sobreviventes de algum holocausto há muito esquecido. O mundo de Jill se reduzira às dimensões da casa, dos aposentos desse homem. Ela se movia incansavelmente desde o amanhecer até depois da meia-noite.
E guiava Toby, seu Toby prisioneiro do inferno, em um mundo que se limitava a ela, a quem ele devia obedecer cegamente.
As semanas, terríveis e dolorosas, se sucederam e transformaram-se em meses. Agora, Toby chorava quando via Jiull aproximar-se dele, pois sabia que ia ser castigado. A cada dia ela se tornava mais implacável; forçava seus membros frouxos e inúteis a se moverem, até que o sofrimento se tornasse insuportáveis. Toby implorava, com horríveis sons gorgolejantes, que ela parasse, mas Jill dizia:
─ Ainda não. Não enquanto você não voltar a ser um homem, até mostrarmos a eles.
Continuava a torcer-lhe os músculos exaustos. Ele era um bebê crescido, desprotegido, um vegetal, um nada. Mas quando o olhava, Jill o via tal como iria ser e afirmava:
─ Você vai andar!
Fazia-o levantar-se e segurava-o, ao mesmo tempo forçando uma perna após a outra, movendo-o numa grotesca paródia do caminhar, como uma marionete bêbada e desengonçada.
Suas dores de cabeça haviam se tornado mais frequentes, geradas por luzes brilhantes, um som forte ou um movimento súbito. "Tenho de ir ao médico", pensou ela. "Mais tarde, quando Toby estiver bom." Agora não havia tempo nem espaço para ela própria.
Só para Toby.
Era como se Jill estivesse possuída. Suas roupas estavam largas, mas não imaginava quanto peso teria perdido ou como estaria sua aparência. Seu rosto tornara-se magro e abatido, os olhos fundos. O outrora maravilhoso cabelo negro estava sem brilho e oleoso. Ela não o notava, nem lhe teria dado importância.
Um dia, Jill achou um telegrama embaixo da porta, pedindo-lhe que telefonasse para o Dr. Kaplan. Não havia tempo, era preciso manter a rotina.
Os dias e noites transformaram-se numa indistinta visão kafkiana: levar Toby, fazer exercícios, trocar Toby, barbeá-lo, alimentá-lo.
E depois começar tudo de novo.
Ela arranjou um andador para Toby; amarrou-lhe os dedos na barra e movia-lhe as pernas, segurando-o, tentando mostrar-lhe os movimentos, fazendo-o andar de um lado para outro pelo quarto até que ela adormecia de pé, sem saber mais onde estava ou quem era, ou o que fazia.
Então, um dia, Jill compreendeu que tudo terminara.
Havia passado metade da noite acordada com Toby e finalmente fora para seu próprio quarto, onde adormecera pouco antes do amanhecer. Ao despertar, Jill viu que o sol estava alto, dormira até depois do meio-dia. Toby não fora alimentado, lavado nem trocado; lá estaria na cama, desamparado, à espera dela, provavelmente em pânico. Jill tentou levantar-se e percebeu que não podia se mover. Estava tomada por um cansaço tão infinito e profundo que seu corpo exausto já não lhe obedecia mais. Ficou deitada, sem ajuda, compreendendo que havia fracassado, que tudo fora em vão, todos os dias e noites de inferno, traíra, tal como acontecera a Toby. Jill não tinha mais força e isso lhe deu vontade de chorar. Estava tudo acabado.
Ouviu um som na porta do quarto e levantou os olhos: Toby estava lá, de pé, sozinho, os braços trêmulos segurando o andador, a boca emitindo incompreensíveis ruídos, num esforço para dizer algo.
─ Jiiiiigh... Jiiiiigh...
Ele estava tentando dizer "Jill". Ela se pôs a soluçar incontrolavelmente, sem poder parar.
A partir desse dia, a melhora de Toby foi espetacular. Pela primeira vez, ele compreendeu que iria ficar bom; já não reclamava quando Jill o impelia além dos limites de sua resistência, gostava disso. Queria ficar bom para ela. Ela se transformara numa deusa; se antes a amava, agora a adorava.
E algo acontecera a Jill. Antes, lutara por sua própria vida; Toby era apenas o instrumento que era obrigada a usar. Mas de algum modo isso mudara; era como ele se houvesse tornado parte dela. Os dois eram um só corpo, uma só mente, uma só alma, obcecados pelo mesmo propósito. Haviam atravessado uma terrível purgação, a vida dele estivera nas mãos dela, que lhe dera alimento e forças, que a salvara, e daí nascera uma espécie de amor. Toby pertencia a Jill, tanto quanto ela pertencia a ele.