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No quarto de Toby, a enfermeira Gallagher estava de serviço. Nas pontas dos pés, foi dar uma olhada em seu paciente. Gostaria de poder ler a mente dele, assim talvez pudesse ajudar o pobre homem. Ajeitou as cobertas em torno de Toby.

─ Agora durma um bom sono ─ disse ela animadamente. ─ Voltarei para ver como está.

Não ouve qualquer reação; ele nem mesmo moveu os olhos em sua direção.

"Talvez seja melhor mesmo eu não poder ler sua mente", pensou a enfermeira Gallagher. Deu uma última olhada e foi para sua saleta assistir a algum programa tardio de televisão. Ela gostava de entrevistas, adorava ver estrelas de cinema conversando sobre si mesmas. Isso as tornava tão incrivelmente humanas, iguais às pessoas comuns. Procurou manter o volume reduzido para não incomodar o doente. Mas de qualquer maneira Toby Temple não teria ouvido. Seus pensamentos estavam em outro lugar.

A casa estava adormecida, a salvo na segurança dos bosques de Bel Air. Uns poucos e atenuados ruídos de trânsito subiam do Sunset Boulevard lá embaixo. A enfermeira Gallagher assistia a um filme na televisão; gostaria que passassem um dos velhos filmes de Toby Temple. Seria excitante assistir a ele na televisão sabendo que ele em pessoa estava ali, a poucos metros de distância.

Às quatro da manhã a enfermeira cochilou diante de um filme de terror.

No quarto de Toby reinava um silêncio profundo.

No quarto de Jill, o único som audível era o tique-tique de relógio na mesa-de-cabeceira. Ela dormia despida, num sono profundo, um braço enlaçando um travesseiro, seu corpo, uma mancha escura sobre os lençóis brancos. Os ruídos da rua chegavam ali atenuados e distantes.

Jill se virou, inquieta e estremeceu. Sonhava que estava no Alasca com David, em lua-de-mel. Os dois se achavam numa vasta planície gelada e de repente caíra uma tempestade; o vento lançava o ar gelado contra suas faces, dificultando-lhes a respiração. Ela se virou para David, mas ele desaparecera. Ela estava sozinha no frígido Ártico, tossindo, lutando para recobrar o fôlego. Foi o som de alguém sufocando que despertou Jill. Ouviu um horrível chiado roufenho, um arfar agonizante e abriu os olhos: o som partira de sua própria garganta. Não podia respirar. Uma camada de ar gelado a envolvia como um cobertor obsceno, acariciando seu corpo nu, afagando-lhe os seios, beijando-lhe os lábios com um hálito frígido e de um cheiro fétido, que lembrava um túmulo. Seu coração batia desesperadamente enquanto ela tentava respirar; seus pulmões pareciam estar queimados pelo frio. Tentou levantar-se mas parecia que um peso invisível a impedia. Sabia que aquilo tinha de ser um sonho, mas ao mesmo tempo ouvia aquele horrendo arfar de sua garganta enquanto lutava para respirar. Estava morrendo. Mas seria possível alguém morrer durante um pesadelo? Jill sentia os tentáculos gelados tateando seu corpo, movendo-se entre suas pernas, penetrando-a, finalmente dentro dela e de súbito, inesperadamente, compreendeu que era Toby. De algum modo, de alguma maneira, era ele. E a súbita onda de horror deu a Jill forças para se arrastar até os pés da cama, ofegante, mente e corpo lutando para sobreviver. Caiu ao chão, levantou-se com dificuldade e correu para a porta, sentindo o frio a persegui-la, cercando-a, agarrando-a. Seus dedos encontraram a maçaneta e abriram a porta. Ela correu para fora, ofegante, enchendo de oxigênio os pulmões famintos.

O corredor estava quente, tranquilo, silencioso. Jill ficou ali tremula, os dentes batendo incontrolavelmente. Virou-se para olhar seu quarto: tudo parecia normal e em paz. Ela tivera um pesadelo. Hesitou por um momento e depois caminhou lentamente de volta ao quarto. O aposento estava quente, nada havia a temer. Claro que Toby não far-lhe-ia mal.

Na saleta, a enfermeira Gallagher acordou e foi olhar seu paciente.

Toby Temple estava em sua cama, exatamente como ela o deixara. Seus olhos, voltados para o teto, estavam fixos em algo invisível para a enfermeira Gallagher.

Depois disso, o pesadelo passou a se repetir regularmente, tal como uma negra profecia de destruição, uma presciencia de algum horror iminente. Lentamente, Jill foi tomada de terror. Aonde quer que fosse na casa, sentia a presença de Toby. Quando a enfermeira o levava para fora, Jill o ouvia. A cadeira de rodas passara a ranger, emitindo um som agudo que atacava os nervos de Jill sempre que o ouvia. "Preciso mandar consertá-la", pensou ela. Evitava aproximar-se do quarto de Toby, mas não fazia diferença: ele estava em toda a parte, esperando por ela.

As dores de cabeça tornaram-se constantes, um pulsar violento, rítmico, que não a deixava descansar. Jill queria que a dor passasse por uma hora, um minuto, um segundo. precisava de dormir. Foi para o quarto de empregada atrás da cozinha, o mais longe possível dos aposentos de Toby. O quarto estava quente e tranquilo. Jill deitou-se na cama e fechou os olhos: adormeceu quase instantaneamente.

Foi despertada pelo ar fétido e gelado enchendo o quarto, agarrando-a, tentando sepultá-la. Saltou da cama e correu para fora do quarto.

Os dias eram horríveis, mas as noites eram apavorantes. Obedeciam sempre à mesma rotina: Jill ia para seu quarto, encolhia-se na cama, lutava para permanecer acordada, temendo adormecer pois, sabia que Toby viria. Mas seu corpo exausto acabava levando a melhor e ela adormecia.

O frio a despertava. Jill ficava deitada, tremendo, sentindo o ar gelado movendo-se em sua direção, uma presença malévola envolvendo-a como uma maldição terrível. Levantava-se e fugia num silencioso terror.

Eram três horas da madrugada.

Jill adormecera numa cadeira enquanto lia um livro. Acordou lentamente, aos poucos, e abriu os olhos para a total escuridão do quarto, sentindo que havia algo terrivelmente errado. Então compreendeu o que era. Adormecera com todas as luzes acesas. Sentiu o coração disparar e pensou: "Não há razão para medo. A enfermeira deve ter apagado as luzes".

Foi então que ouviu o ruído. Vinha do corredor, crek... crek... A cadeira de rodas, aproximando-se da porta de seu quarto. Jill sentiu um arrepio na nuca. "É apenas um galho de árvore batendo no telhado, ou os estalidos da casa", disse consigo mesma. Mas sabia que não era. Conhecia bem demais aquele ruído: crek... crek... como a música da morte a buscá-la. "Não pode ser Toby", pensou. "Ele está na cama, impotente. Estou ficando louca." Mas ouvia o som aproximar-se cada vez mais. Estava agora do outro lado da porta. Parara, como que esperando. E de repente ouviu o ruído de algo que caía com estrépito, seguido de silêncio.

Jill passou o resto da noite encolhida na cadeira, no escuro, apavorada demais para se mover.

Na manhã seguinte, do lado de fora de seu quarto, encontrou uma jarra quebrada, junto à mesa do corredor sobre a qual costumava ficar.

Jill conversou com o Dr. Kaplan.

─ Você acredita que a mente possa... possa controlar o corpo? ─ perguntava ela.

O médico olhou-a intrigado.

─ De que forma?

─ Se Toby quisesse... quisesse muito levantar-se da cama, ele poderia fazê-lo?

─ Você diz, sem ajuda? Em seu estado atual? ─ lançou-lhe um olhar incrédulo. ─ Ele está totalmente desprovido de mobilidade. Totalmente.

Mas Jill ainda não estava convencida.

─ Se... se ele estivesse realmente decidido a se levantar... se houvesse algo que achasse que tinha de fazer...

O Dr. Kaplan abanou a cabeça.

─ Nossa mente envia ordens ao corpo, mas se os impulsos motores se acham bloqueados, se não há músculos para cumprir essas ordens, então nada pode acontecer.

Jill tinha de descobrir.

─ Você acredita que a mente possa descolar objetos?

─ Refere-se a psicocinese? Há muitas experiências sendo feitas, mas ainda não encontrei nenhuma prova que me convencesse.

Havia a jarra quebrada junto à porta do quarto.

Jill teve vontade de falar ao médico sobre aquilo, sobre o ar

gelado que a seguia, sobre a cadeira de rodas de Toby do outro lado da porta, mas ele iria pensar que estava louca. Estaria? Havia algo de errado com ela? Estaria perdendo a razão?

Quando o Dr. Kaplan se retirou, Jill aproximou-se do espelho e ficou chocada com o que viu. Suas faces estavam encovadas e os olhos enormes, num rosto pálido e ossudo. "Se continuar assim", pensou "morrerei antes de Toby." Examinou o cabelo oleoso e sem vida, as unhas rachadas e quebradas. "Não posso permitir jamais que David me veja assim. Tenho de começar a me cuidar. De agora em diante", disse a si mesma, "você vai passar a ir ao salão de beleza uma vez por semana, vai comer três refeições por dia e dormir oito horas."

Na manhã seguinte, Jill marcou uma hora no salão de beleza. Estava exausta e sob o morno e confortável zumbido do secador acabou cochilando, e o pesadelo começou. Estava dormindo em sua cama. Ouvia Toby entrar no quarto na cadeira de rodas. Crek... crek... Lentamente, ele se levantava da cadeira, ficava de pé e se aproximava dela, o rosto contorcido, as mãos esqueléticas estendidas para o seu pescoço. Jill despertou gritando, apavorada, criando uma enorme confusão no salão de beleza. Acabou por sair às pressas, sem mesmo pentear o cabelo.

Depois dessa experiência, ficou com medo de sair de casa.

E com medo de ficar em casa.