– O que aconteceu, sabem, pra dizer a pura verdade, foi que me meti num par de brigas na colônia penal e a corte me declarou um psicopata. E acham que eu vou discutir com a corte? Pois sim, podem apostar até o seu último dólar como não vou. Se isso me tira daqueles malditos campos de ervilha, serei o que quer que os coraçõezinhos deles desejarem, seja psicopata, cachorro louco ou lobisomem, porque o que quero é nunca mais ver uma enxada até o dia da minha morte. Agora, eles me dizem que um psicopata é um cara que briga, demais e trepa demais, mas eles não estão totalmente certos, não acham? Quero dizer, quem foi que já ouviu falar de um homem que tivesse trepado demais? Alô, companheiro, como é que eles chamam você? Meu nome é McMurphy e aposto dois dólares aqui e agora que você não é capaz de me dizer quantos pontos você tem nessa mão de pinocle, que está segurando, não olhe. Dois dólares; que é que acha? Porra, que droga, Sam! Será que não pode esperar meio minuto antes de me cutucar com esse seu maldito termômetro?
O recém-chegado fica parado, observando tudo por um momento, para ter uma visão completa da enfermaria.
De um lado da sala, os pacientes mais jovens, conhecidos como Agudos – porque os médicos acham que eles ainda têm possibilidade de ser curados – praticam queda-de-braço e truques com cartas em que somam e subtraem e tiram fora tantas para encontrar-se uma determinada carta. Billy Bibbit tenta aprender a enrolar um cigarro feito a mão, e Martini anda de um lado para outro, procurando coisas debaixo das mesas e das cadeiras. Os Agudos se movimentam um bocado. Contam piadas uns para os outros e riem em silêncio, cobrindo o rosto com as mãos (ninguém ousa nunca se soltar e rir, o pessoal inteiro do hospital apareceria com blocos de anotações e um monte de perguntas) e escrevem cartas com minúsculos lápis amarelos mastigados.
Eles se espionam uns aos outros. Às vezes, um homem diz alguma coisa a respeito de si mesmo que não tinha intenção de deixar escapar, e um de seus companheiros, na mesa onde ele falou, boceja, levanta-se e vai sorrateiramente até o grande livro de registro diário que fica junto da Sala das Enfermeiras e anota ali a informação que ouviu – de interesse terapêutico para todos. Pelo menos, a Chefona afirma que é para isso que o diário serve, mas eu sei que ela espera apenas obter informações suficientes para mandar um cara qualquer ser recondicionado no Prédio Principal, vistoriado lá por dentro da cabeça para resolver o problema.
O cara que escreveu a informação no diário, esse ganha uma estrela ao lado do seu nome na lista, e vai dormir tarde no dia seguinte.
Do lado oposto da sala, defronte aos Agudos, ficam os refugos da Liga, os Crônicos. Estes não estão no hospital para serem tratados, mas apenas para que sejam impedidos de andar por aí pelas ruas fazendo má propaganda do hospital. Os Crônicos estão internados para sempre, o pessoal do hospital reconhece. Os Crônicos estão divididos em Caminhantes, como eu, que ainda andam por aí, se forem mantidos alimentados, Circulantes e Vegetais. Na verdade, os Crônicos – ou a maioria de nós – não passam de máquinas com defeitos internos que não podem ser reparados, defeitos provocados por tantos anos que o cara passou dando cabeçadas, de tal forma que, quando o hospital o encontrou, ele estava sangrando apaticamente num terreno baldio qualquer.
Mas existem alguns Crônicos em quem o pessoal cometeu um par de erros há anos; alguns de nós que éramos Agudos, quando entramos, e fomos modificados. Ellis é um Crônico que quando entrou era um Agudo e foi definitivamente danificado quando eles carregaram demais em cima dele, naquela pútrida sala assassina de cérebros que os crioulos chamam de "Loja de Choque". Agora, ele está pregado na parede no mesmo estado em que eles o tiraram da mesa pela última vez, na mesma posição, os braços abertos, as palmas das mãos encolhidas, com o mesmo terror no rosto. Fica pregado na parede assim, como um troféu empalhado. Eles arrancam os pregos quando está na hora de comer ou na hora de levá-lo para a cama, ou ainda quando querem que ele saia dali, para que eu possa limpar a poça que se forme no local. Anteriormente, ele permaneceu tanto tempo num mesmo ponto, que a urina apodreceu o assoalho e as próprias vigas, e ele vivia caindo pelo buraco ali aberto para o andar inferior, dando todos os tipos de dores de cabeça lá embaixo, quando faziam a contagem de verificação.
Ruckly é um outro Crônico que entrou há poucos anos como um Agudo, mas com ele carregaram demais de uma maneira diferente: cometeram um erro numa das instalações de cabeça existentes lá. Ele estava sendo uma inconveniência geral por toda parte, chutando os crioulos, mordendo as pernas das estudantes de enfermagem, de forma que o levaram embora para ser consertado. Eles o amarraram àquela mesa e a última coisa que todo mundo viu dele foi pouco antes de eles fecharem a porta; ele piscou, no minuto antes de a porta se fechar, e disse aos crioulos, quando se iam afastando: "Vocês pagarão por isso, seus malditos moleques de piche."
E eles o trouxeram de volta para a enfermaria, duas semanas depois, careca e a frente do seu rosto uma ferida só, vermelha, melada, e tinha dois pininhos do tamanho de botões, costurados um em cima de cada olho. Pelos olhos, a gente pode ver como eles o fundiram por completo lá dentro; os olhos dele são esfumaçados, cinzentos e vazios por dentro como fusíveis queimados. Agora, ele não faz outra coisa o dia inteiro senão segurar uma velha fotografia diante daquele rosto destruído, revirando-a sem parar em seus dedos frios; a fotografia com todo aquele manusear ficou gasta e cinzenta, dos dois lados, como os seus olhos, de forma que não se pode mais dizer o que é que era.
Agora, o pessoal, bem, eles consideram Ruckly um de seus fracassos, mas não tenho certeza de como ele poderia estar melhor, se a instalação tivesse sido perfeita. As instalações que eles fazem, atualmente, em geral são bem sucedidas. Os técnicos adquiriram mais habilidade e experiência. Nada mais de buracos de botões na testa, nenhum corte mesmo – eles vão através das cavidades dos olhos. Às vezes, um cara vai até lá para fazer tratamento, deixa a enfermaria furioso e louco e xingando o mundo inteiro, e volta poucas semanas depois, com os olhos roxos, cobertos de hematomas, como se tivesse tomado parte numa briga de socos, e é a coisa mais doce, mais boazinha, mais bem comportada que jamais se viu. Ele talvez até vá para casa dentro de um mês ou dois, com um chapéu bem puxado sobre o rosto de um sonâmbulo, vagueando por um sonho simples e feliz. Um sucesso, eles dizem, mas digo que ele é apenas mais um robô para a Liga e estaria melhor se fosse um fracasso como Ruckly, sentado ali, revirando e babando em cima da fotografia. Ele nunca faz nada de muito diferente. O crioulo Pigmeu vez por outra consegue arrancar-lhe uma reação violenta quando, inclinando-se bem perto dele, pergunta: "Ei, Ruckly, que é que você imagina que a sua mulherzinha esteja fazendo na cidade hoje à noite?" A cabeça de Ruckly se levanta. A memória sussurra em algum lugar naquele aparelho danificado. Ele fica vermelho e as veias saltam num lado da testa. Isto o incha de tal maneira que ele mal pode emitir um som estrangulado na garganta. Uma baba começa a escorrer-lhe pelo canto da boca, de tal maneira ele força o maxilar para dizer alguma coisa. Quando finalmente chega ao ponto em que pode dizer alguma coisa, é um ruído baixo e estrangulado que se ouve, capaz de arrepiar a pele da gente: "Fffffffoda a mulher! Ffffffoda a mulher!", e desmaia direto por causa do esforço.