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Ele me disse que não me apressasse, que ele tinha até as seis e meia da manhã para me ouvir se eu quisesse praticar. Disse que um homem, que havia ficado calado tanto tempo como eu, provavelmente teria muita coisa de que falar, e tornou a deitar-se no travesseiro. Pensei por um minuto em algo para lhe dizer, mas a única coisa que me veio à mente era o tipo da coisa que um homem não pode dizer para outro, porque soa mal posta em palavras. Quando ele viu que eu nada conseguia falar, cruzou as mãos atrás da cabeça e começou, ele mesmo:

– Sabe, chefe, eu estava acabando de me lembrar de uma ocasião lá no vale Willamette… Eu estava colhendo ervilhas nos arredores de Eugene, considerando-me um cara de sorte por ter conseguido o emprego. Foi no princípio da década de 30 e não era muito fácil um garoto conseguir emprego. Ganhei o meu provando ao chefe do negócio das ervilhas que podia colher tão rápido e direito como qualquer um dos adultos. De qualquer forma, eu era o único garoto. Ninguém perto de mim a não ser gente grande. E depois que tentei falar com eles uma ou duas vezes vi que não estavam dispostos a me ouvir, um gurizinho ruivo e magricela. Assim fiquei calado. Fiquei tão irritado com o fato de não quererem me escutar que agüentei calado as quatro semanas inteiras que passei naquele campo, trabalhando bem ali do lado deles, ouvindo-os a tagarelar sobre este tio ou aquele primo. Ou, se alguém não aparecia para trabalhar, faziam fofoca sobre aquela pessoa. Quatro semanas e não dei um pio. Até que pensei, por Deus, eles esqueceram que eu podia falar, os miseráveis dos caipiras. Esperei a minha vez. Então, no último dia, soltei o verbo e fui dizendo a eles que bando de peidos mesquinhos que eles eram. Contei a cada um como o seu companheiro o havia retalhado quando ele estivera ausente. Puxa vida, eles ouviram mesmo! Afinal, acabaram começando a discutir uns com os outros e criaram tamanha cagada que eu perdi a minha gratificação de quatro por cento em cada quilo, que ia receber por nunca ter faltado, porque eu já tinha má reputação pela cidade e o chefe disse que a confusão provavelmente era por minha culpa, mesmo que ele não pudesse provar. Então eu o xinguei também. Ter ficado calado durante aquele tempo provavelmente me custou uns 20 dólares ou coisa assim. Mas valeu a pena.

Ele riu um pouco para consigo mesmo, lembrando. Em seguida virou a cabeça no travesseiro e olhou para mim.

– O que eu estava querendo saber, chefe, é se está esperando a sua oportunidade até o dia em que decidir ir à forra com eles?

– Não – respondi. – Eu não poderia.

– Não poderia dizer uns desaforos a eles? É mais fácil do que você pensa.

– Você é… muito maior, mais duro do que eu – murmurei.

– Como é que é? Não entendi, chefe. Engoli alguma saliva.

– Você é maior e mais duro do que eu. Você pode fazer isso.

– Eu? Está brincando? Puxa vida, olhe só pra você: você é uma cabeça mais alto do que qualquer homem daqui. Não há nenhum homem aqui com quem você não possa fazer de gato e sapato, verdade!

– Não. Eu sou pequeno demais. Eu costumava ser grande, mas não, não sou mais. Você tem duas vezes o meu tamanho.

– Puxa, cara, você é louco, não é? A primeira coisa que eu vi quando entrei neste lugar foi você sentado naquela cadeira, grande como uma maldita montanha. Vou dizer-lhe uma coisa, já morei por todo lado, Klamath, Texas, Oklahoma, e em tudo quanto foi canto lá em Gallup, e juro, você é o maior índio que eu já vi na minha vida.

– Eu sou Columbia Gorge – disse, e esperou que eu continuasse. – Meu pai era chefe de verdade, e o nome dele era Tee Ah Millatoona, que significa O – Pinheiro – Mais – Alto – Na – Montanha, e nós não morávamos numa montanha. Ele era grande de verdade quando eu era garoto. Minha mãe ficou duas vezes maior do que ele.

– Você deve ter tido uma velha grande mesmo. Qual era a altura dela?

– Oh… grande, grande.

– Quero dizer em metro e centímetros?

– Metro e centímetros? Um cara na feira a olhou e disse que ela media perto de um metro e oitenta e pesava setenta quilos, mas isso foi só porque ele apenas a viu. Ela foi ficando cada vez maior.

– Ah, é? Quanto mais?

– Maior do que papai e eu juntos.

– Um dia simplesmente começou a crescer, hum? Bem essa pra mim é nova: nunca ouvi falar de uma índia que fizesse uma coisa dessas.

– Ela não era índia. Era uma mulher da cidade de The Dalles.

– E o nome dela qual era? Bromden? Sim, entendi, espere um minuto. – Ele pensa durante algum tempo e diz: – E quando uma mulher da cidade se casa com um índio, isso equivale a casar-se com alguém inferior a ela, não é? Sim, acho que entendo.

– Não. Não foi só ela que o fez ficar pequeno. Todo mundo dava em cima dele porque ele era grande, e não cedia, e fazia o que lhe agradava. Todo mundo ficou em cima dele, do mesmo jeito que eles estão em cima de você.

– Eles quem, chefe? – perguntou numa voz suave, séria de repente.

– A Liga. Ficou em cima dele durante anos. Ele era bastante grande para lutar contra ela durante algum tempo. Queria que vivêssemos em casas vigiadas. Queria tomar a cachoeira. Penetrou até na tribo, e começaram a trabalhar em cima dele. Na cidade eles o surravam nos becos e uma vez cortaram o cabelo dele bem curto. Oh, a Liga é grande… grande. Ele lutou contra ela durante muito tempo, até que minha mãe o fez ficar pequeno demais para continuar e ele desistiu.

McMurphy nada disse durante muito tempo. Então, levantou-se no cotovelo e, olhando para mim de novo, perguntou por que o surravam nos becos, e expliquei-lhe que queriam fazê-lo entender o que tinham reservado para ele, dali para pior, se não assinasse os papéis dando tudo ao Governo.

– Que é que eles queriam que ele desse ao Governo?

– Tudo. A tribo, a aldeia, a cachoeira…

– Agora, eu me lembro; você está falando da cachoeira onde os índios costumavam apanhar salmões com lança… há muito tempo. Sim. Mas pelo que me lembro, a tribo recebeu uma enorme quantia em pagamento.

– Isso é o que disseram a ele. Ele disse: "Que é que se pode pagar pela maneira de viver de um homem? Que é que vocês podem pagar pelo que um homem é?" Eles não compreenderam. Nem mesmo a tribo. Ficaram do lado de fora da nossa porta, todos segurando aqueles cheques e queriam que ele lhes dissesse o que fazer então. Ficaram pedindo a ele que investisse para eles, ou que lhes dissesse para onde ir, ou comprasse uma fazenda. Mas ele já estava pequeno demais. Bêbado demais, também. A liga o havia derrotado. Derrota todo mundo. Vai derrotar você também. Eles não admitem alguém, grande como papai, andando por aí, a menos que seja um deles. Você compreende?

– É, acho que sim.

– É por isso que não devia ter quebrado aquela janela. Agora, eles vêem que você é grande. Por isso eles têm de dobrar você.

– Como dobrar um potro selvagem, hem?

– Não. Não, ouça, eles não dobram você desse jeito; eles ficam em cima de você de maneiras contra as quais você não pode lutar! Eles põem coisas dentro! Instalam coisas. Eles começam assim que vêem que você vai ser grande e se põem a trabalhar, vão instalando a maquinaria imunda deles quando você é pequeno, e continuam e continuam até que você fique consertado!

– Calma, companheiro…

– E, se você lutar, eles o trancam em algum lugar e fazem você parar…

– Calma, calma chefe. Fique calado um pouco. Eles ouviram você.

Ele se deitou e ficou quieto. Minha cama estava quente, eu notei. Eu podia ouvir o guinchado das solas de borracha enquanto o crioulo entrava com a lanterna para ver qual era o barulho. Ficamos quietos até ele ir embora.