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– Limpar é fácil, alguém ensina você.

– Por Deus, você vai ser o nosso comandante; nós vamos ser a sua tripulação.

George inclinou-se para trás e sacudiu a cabeça.

– Esses barcos estão muito sujos agora… tudo está muito sujo.

– Pro inferno com isso. Temos um barco que foi especialmente esterilizado de popa a proa, esfregado e limpo como os dentes de um cão de caça. Você não vai se sujar, George, porque você vai ser o comandante. Você não vai ter nem que pôr isca num anzol; só ser o nosso comandante e dar as ordens para nós, os estúpidos marinheiros-de-água-doce… que tal isso lhe parece?

Eu podia ver que George estava tentado pelo jeito como contorcia as mãos sob a blusa, mas ainda assim disse que não podia arriscar-se a ficar sujo. McMurphy fez o melhor que pôde para convencê-lo, mas George ainda sacudia a cabeça quando a chave da Chefona girou na fechadura do refeitório e ela veio pela porta com sua cesta de vime de surpresas, passou em revista a fila com o seu automático sorriso e… bom dia para cada homem por quem passava. McMurphy percebeu a maneira como George se inclinou para trás, afastando-se dela e carregou o sobrolho. Depois que ela passou, McMurphy inclinou a cabeça e piscou o olho brilhante para George.

– George, e aquela papagaiada que a enfermeira tem andado dizendo sobre o mar bravo, e sobre como esta viagem poderia ser terrivelmente perigosa… que é que você diz?

– Aquele oceano pode ficar ruim mesmo, claro, bravo mesmo.

McMurphy olhou para a enfermeira que ia entrando na Sala das Enfermeiras e então tornou a olhar para George. George começou a torcer as mãos sob a camisa mais do que nunca, olhando em volta para os rostos silenciosos que o observavam.

– Por Deus! – disse de repente. – Você acha que eu deixei que ela me metesse medo daquele oceano? Você pensa isso?

– Ah, acho que não, George. Entretanto, eu estava pensando que, se você não vier conosco, e se houver alguma terrível tempestade, é muito provável que todos nós fiquemos perdidos no mar, sabe disso? Eu disse que não sabia de nada a respeito de barcos, e vou dizer-lhe uma outra coisa: e essas duas mulheres que vêm conosco? Eu disse ao médico que eram minhas duas tias, duas viúvas de pescador? Bem a única navegação que elas já fizeram foi em cimento sólido. Não vão ser mais capazes de ajudar numa dificuldade do que eu. Nós precisamos de você, George. – Ele deu uma tragada no cigarro e perguntou: – Você tem 10 dólares, já que estamos falando nisso? George sacudiu a cabeça.

– Não, eu não imaginava mesmo que tivesse. Bem, que diabo, eu desisti da idéia de tirar vantagem dessa história há dias. Tome. – Ele tirou um lápis do bolso da jaqueta verde e o limpou nas fraldas da camisa, estendeu o lápis para George. – Você nos chefia que nós deixamos você vir junto por cinco.

George tornou a olhar em volta para nós, franzindo o cenho para a proposta. Finalmente exibiu as gengivas num sorriso desbotado e pegou o lápis.

– Por Deus! – disse ele e saiu com o lápis para assinar no último lugar na lista.

Depois do café, andando pelo corredor, McMurphy parou e escreveu COMANDANTE antes do nome de George.

As duas prostitutas estavam atrasadas. Todo mundo já pensava que hão viriam mesmo, quando McMurphy deu um grito da janela e todos nós fomos correndo olhar. Ele disse que eram elas, mas nós só vimos um carro, em vez dos dois com que contávamos, e apenas uma mulher. McMurphy a chamou através da tela quando ela parou no estacionamento e ela veio correndo direto pela grama em nossa direção.

Era mais jovem e mais bonita do que qualquer um de nós havia imaginado. Todo mundo já havia descoberto que as garotas eram prostitutas em vez de tias, e estava esperando todo tipo de coisa. Alguns dos mais religiosos não estavam muito contentes com aquilo. Mas ao vê-la vir correndo com leveza, pela grama, com os olhos verdes erguidos para a janela, e o cabelo, preso numa longa trança na nuca, voando para cima e para baixo a cada passo seu, como fios de cobre ao sol, tudo que qualquer um de nós pôde pensar foi que ela era uma garota, uma mulher que não estava vestida de branco da cabeça aos pés, como se tivesse sido mergulhada em geada, e a maneira como ganhava o seu dinheiro não fazia qualquer diferença.

Ela correu direto para a tela atrás da qual se encontrava McMurphy e enfiou os dedos pelo arame e se encostou nela. Estava arquej ando por causa da corrida, e a cada inspiração parecia que ela se inflaria e entraria pela tela. Chorava um pouco.

– McMurphy, oh, seu maldito McMurphy…

– Deixa isso pra lá. Onde está a Sandra?

– Ela ficou presa, cara, não conseguiu vir. Mas, você, que droga, você está bem?

– Ela ficou presa?

– Para dizer a verdade – a garota limpou o nariz e riu – a Sandy se casou. Você se lembra do Artie Gilfillian de Beaverton? Costumava sempre aparecer nas festas com alguma coisa estranha, uma cobrinha coral, ou um ratinho branco, ou um bichinho esquisito qualquer, no bolso. Um verdadeiro maníaco…

– Ai, meu Jesus! – gemeu McMurphy. – Como é que eu vou conseguir enfiar 10 caras num Ford fedorento, Candy, queridinha? Como é que a Sandra e o seu cobra coral de Beaverton imaginam que eu possa dar um jeito nisso?

A garota parecia que estava tratando de imaginar uma resposta quando o alto-falante no teto chiou e a Chefona disse a McMurphy que, se ele queria conversar com a sua amiga, seria melhor que ela se registrasse convenientemente na porta principal, em vez de perturbar o hospital inteiro. A garota afastou-se da tela em direção à entrada principal. McMurphy saiu de junto da tela e se afundou numa cadeira no canto, a cabeça inclinada.

– Que diabo - gemeu ele.

O crioulo menor recebeu a moça deixando-a entrar na ala e esqueceu-se de trancar a porta em seguida (mais tarde passou o diabo por causa disso, aposto). A garota veio andando, no seu balanço gracioso, pelo corredor, passou pela Sala das Enfermeiras onde todas as enfermeiras estavam tentando congelar o seu balanço com um olhar gelado coletivo, e entrou na enfermaria, apenas alguns passos adiante do médico. Ele ia em direção à Sala das Enfermeiras com alguns papéis, olhou para ela, para os papéis, novamente para ela e começou a revirar os bolsos com as duas mãos à procura dos óculos.

Ela parou quando chegou no meio da enfermaria e viu que estava rodeada por 40 homens vestidos de verde que a olhavam fixamente. Fez-se tamanho silêncio que se podia ouvir barrigas roncando e, por toda a extensão da fileira dos Crônicos, os pingos das sondas.

Teve de ficar de pé ali um minuto enquanto olhava em volta, procurando McMurphy, dando tempo assim para que a olhasse bem. Havia uma fumaça azul pairando perto do teto acima da sua cabeça; acho que o aparato inteiro se fundiu por toda a ala, tentando ajustar-se à sua entrada, repentina como foi – fez leituras eletrônicas sobre ela e concluiu que não fora construído para lidar com algo como aquilo ali e, simplesmente, fundiu, como máquinas cometendo suicídio.

Ela vestia uma camiseta branca, igual à de McMurphy, só que muito menor, usava tênis brancos e calças Levis cortadas acima dos joelhos para maior liberdade de movimentos, e não parecia que aquilo fosse material suficiente, considerando-se o que havia para ser coberto. Ela já devia ter sido vista com muito menos por muito maior número de homens, mas, naquelas circunstâncias, começou a se remexer meio sem graça, como uma colegial num palco. Ninguém falou enquanto olhava. Martini realmente murmurou que se podia ler a data das moedas nos bolsos das calças dela, de tão justas que estavam, mas ele estava mais porto e podia ver melhor do que qualquer um de nós.