Dentro do quebra-mar a água se acalmou, novamente, numa superfície ondulada, e no nosso ancoradouro, junto da loja de iscas, podíamos ver o capitão na companhia de dois policiais. Todos os desocupados se achavam agrupados atrás deles. George dirigiu-se na direção deles a toda velocidade, até que o capitão começou a acenar e gritar e os policiais correram degraus acima junto com os vadios. Pouco antes que a proa do barco arrebentasse com o ancoradouro inteiro, George virou o leme, inverteu a marcha e, com um rugido violento, raspou o barco contra os pneus de borracha como se o estivesse colocando suavemente numa cama. Já estávamos do lado de fora, amarrando o barco, quando a nossa marola bateu; fez jogar todos os barcos em volta, subiu pelo ancoradouro e estourou, cobrindo tudo de espuma, como se tivéssemos trazido o mar para casa junto conosco.
O capitão, os policiais e os vadios desceram os degraus com estardalhaço em nossa direção. O médico tomou o comando da briga contra eles, dizendo logo, para começar, que eles não tinham nenhuma jurisdição sobre nós, já que éramos uma expedição legal, patrocinada pelo Governo, e, se fosse preciso alguém para examinar o caso, teria de ser uma agência federal. Além disso, poderia haver uma investigação, relativamente ao número de coletes salva-vidas que o barco carregava, se o capitão realmente planejasse criar problemas. Não deveria haver um colete salva-vidas para cada homem a bordo, de acordo com a lei? Quando o capitão não disse nada a respeito, os policiais anotaram alguns nomes e foram embora, resmungando confusos. Tão logo eles saíram do ancoradouro, McMurphy e o capitão começaram a discutir e a trocar empurrões. McMurphy, que estava um bocado bêbado e ainda tentava restabelecer-se do balanço do mar, escorregou na madeira molhada e caiu no mar duas vezes antes de recuperar seu equilíbrio, o suficiente para acertar um golpe na cabeça careca do capitão e resolver assim a confusão. Todo mundo se sentiu melhor quando, tudo resolvido, o capitão e McMurphy entraram na loja de iscas para mais umas cervejas, enquanto nós trabalhávamos tirando nossos peixes do porão. Os vadios ficaram lá de cima, observando-nos e fumando cachimbos que eles mesmos haviam entalhado. Estávamos à espera de que tornassem a dizer alguma piada sobre a garota, na verdade queríamos mesmo que dissessem, mas, quando um deles finalmente arriscou um comentário, não foi sobre a garota, mas sim que o nosso linguado era o maior que já tinham visto ser pescado na costa do Oregon. Todos os outros concordaram com o companheiro e se aproximaram para observá-lo. Perguntaram a George onde ele havia aprendido a atracar um barco daquele jeito, e descobrimos que George não apenas navegara em barcos de pesca, mas que fora também comandante de uma lancha torpedeira no Pacífico, tendo recebido a Cruz Naval.
– Devia ter ido para o serviço público – disse um dos malandros.
– Sujo demais – respondeu-lhe George.
Podiam sentir a mudança que a maioria de nós apenas desconfiava que tivesse ocorrido; este não era o mesmo bando de mariquinhas saídos de um hospício que eles viram engolir os seus insultos naquela manhã. Eles não pediram desculpas à garota, não exatamente pelas coisas que tinham dito, mas, quando pediram para ver o peixe que ela havia fisgado, foram gentis o máximo. Quando McMurphy e o capitão voltaram da loja de iscas, todos nós tomamos uma cerveja juntos, antes de voltarmos.
Era tarde quando chegamos ao hospital.
A garota dormia encostada ao peito de Billy. Quando ela acordou, o braço dele estava dormente de segurá-la durante aquele tempo todo, numa posição não muito confortável, e ela lhe fez umas massagens. Ele lhe prometeu que, se tivesse qualquer um dos seus fins de semana livres, a convidaria para sair, tendo ela comentado em resposta que podia vir visitá-lo dentro de duas semanas, se ele lhe dissesse a que horas. Billy olhou para McMurphy pedindo uma resposta. McMurphy, passando os braços em volta dos ombros deles, disse:
– Combinado para as duas em ponto.
– Sábado de tarde? – perguntou ela.
Ele piscou para Billy e apertou a cabeça da garota em seu braço. – Não. Duas horas de sábado à noite. Entre escondido e bata na mesma janela da manhã de hoje. Eu passo uma cantada no ajudante da noite e ele deixa você entrar.
Ela riu e concordou.
– Você, seu maldito McMurphy – disse ela. Alguns dos Agudos da enfermaria ainda estavam acordados, de pé no banheiro, para ver se nos tínhamos afogado ou não. Eles nos observaram quando entramos pelo corredor, sujos de sangue, queimados de sol, cheirando a cerveja e a peixe, carregando os nossos salmões como se fôssemos heróis conquistadores. O médico perguntou se gostariam de ir lá fora e ver o seu linguado na mala do carro, e todos nos viramos para voltar, exceto McMurphy, que alegou estar muito cansado e que ia dormir. Quando ele se foi, um dos Agudos, dos que não tinham feito a viagem, perguntou como era possível que McMurphy estivesse com uma aparência tão abatida e cansado, enquanto o resto de nós estava corado e ainda cheio de animação. Harding explicou a coisa como sendo apenas a perda do seu bronzeado.
– Vocês se lembram de que McMurphy veio para cá com a corda toda, saído de uma vida ativa ao ar livre numa colônia penal, o rosto corado, um modelo de saúde física. Nós simplesmente presenciamos o desbotar do seu magnífico bronzeado psicopático. Isso é tudo. Hoje, de fato, ele passou algumas horas cansativas… para ser mais preciso, na obscuridade da cabina do barco… enquanto estávamos lá fora, expostos aos elementos, nos encharcando de vitamina D. É claro que isto pode tê-lo esgotado ate certo ponto, aqueles rigores lá embaixo, pensem bem. Quanto a mim, creio que poderia ter dispensado um pouco de vitamina D e aproveitado um pouco mais desse tipo de exaustão dele. Especialmente com a pequena Candy como chefe de serviço. Estou errado?
Eu nada disse, mas perguntava a mim mesmo se talvez ele não estaria enganado. Eu tinha percebido o cansaço de McMurphy antes, na viagem de volta, depois que ele insistiu em dirigir até um lugar onde havia morado numa outra época. Tínhamos acabado de partilhar a nossa última cerveja e atirado a lata vazia pela janela num sinal fechado, e estávamos apenas descansando para curtir o momento, boiando naquela espécie de moleza gostosa que toma conta da gente depois de passar um dia dando duro com alguma coisa que a gente gosta de fazer – meio tostados de sol e meio bêbados e acordados só porque queríamos saborear aquele gosto, o maior tempo possível. Percebi vagamente que eu estava ficando de um jeito que conseguia ver algo de bom na vida a minha volta. McMurphy me estava ensinando. Eu me estava sentindo melhor do que me lembrava de ter-me sentido desde que eu era menino, quando tudo era bom e a terra ainda cantava a poesia das crianças para mim.
Dirigimo-nos para o interior em vez de direto à costa, para passar pela tal cidade onde McMurphy havia morado mais tempo do que em outro lugar qualquer. Descemos a encosta da colina Cascade, pensando que estávamos perdidos, até… que chegamos a uma cidade que cobria uma extensão duas vezes o tamanho do terreno do hospital. Um vento frio cobrira o sol de nuvens quando atingimos a rua onde ele parou. Ele estacionou em cima de uns matos e apontou para o outro lado.