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– Ali. É aquela ali. Parece que está recostada nas ervas… a morada humilde da minha juventude dissipada.

Ao longo da rua obscura, às seis horas da tarde, vi árvores sem folhas se erguendo, batendo na calçada como raios de madeira, o concreto se partindo em fendas onde elas batiam, todas dentro de uma cerca de arame. Uma fileira de estacas de ferro saía do chão ao longo da entrada de um pátio coberto de mato, e atrás havia uma casa de madeira com uma varanda, com um telhado resistente, inclinado contra o vento, para que a casa não fosse levada de roldão por dois quarteirões como uma caixa de papelão vazia. O vento soprava algumas gotas de chuva, e vi que a casa estava com os olhos bem fechados e os cadeados da porta balançavam numa corrente.

E na varanda, pendurada, havia uma dessas coisas que os japoneses fazem com vidro e prendem com cordões – coisas que tocam e bimbalham ao menor sopro – onde só restavam pendentes quatro pedaços de vidro. Esses quatro sacudiam, batiam e arrancavam pequenas lascas do chão de madeira.

McMurphy tornou a pôr o carro em movimento.

– Uma vez, estive aqui… no maldito ano, já faz tanto tempo, em que todos nós estávamos voltando daquela confusão da Coréia. Para uma visita. Meu pai e minha mãe ainda estavam vivos. Era uma boa casa.

Ele soltou o freio e começou a dirigir, então parou de repente.

– Meu Deus! – disse ele. – Olhem ali, estão vendo um vestido? – Apontou para trás. – No galho daquela árvore? Um trapo, amarelo e preto?

Eu consegui ver uma coisa como uma bandeira, ondulando alto nos galhos, sobre um barracão.

– A primeira garota que me levou para a cama usava aquele mesmo vestido. Eu tinha uns 10 anos, e ela provavelmente tinha menos, e naquela ocasião uma trepada parecia um negócio tão importante que perguntei a ela se não pensava, não sentia, que devíamos anunciá-lo de alguma maneira. Assim, como, digamos, dizer aos nossos pais "Mamãe, Judy e eu ficamos noivos hoje". E eu falava sério quando dizia aquilo, eu era idiota a esse ponto; pensava que se você fizesse aquilo, cara, estava legalmente casado, bem ali no ato, quer fosse alguém que você quisesse quer não, e que não havia como quebrar a regra. Mas aquela putinha – de no máximo oito ou nove anos – se abaixou, pegou o vestido do chão e disse que ele era meu: "Você pode pendurar isso em algum lugar, eu vou para casa assim mesmo, só de calcinhas e vou anunciar a coisa desse jeito… eles vão compreender". Jesus, com nove anos! – disse ele estendendo a mão e beliscando o nariz de Candy – e sabia muito mais do que muita profissional.

Ela mordeu a mão dele, rindo, e ele examinou a marca.

– Depois que ela foi pra casa de calcinhas, esperei até de noite, para jogar fora aquele maldito vestido… mas estão vendo esse vento? Apanhou o vestido como se fosse uma pipa e o carregou no ar, em volta da casa, até eu perdê-lo de vista, e na manhã seguinte, por Deus, estava pendurado naquela árvore para que a cidade inteira, isso foi o que eu pensei na ocasião, viesse e o visse.

Ele chupou a mão, tão acabrunhado que Candy riu e deu-lhe um beijo.

– Assim, minha bandeira foi desfraldada, e daquele dia até hoje achei que eu poderia muito bem viver à altura do meu nome… amante dedicado… e esta é a verdade, por Deus: aquela garotinha de nove anos, do meu tempo de infância, é que é a culpada.

Passamos por uma casa. Ele bocejou e piscou.

– Me ensinou a amar, bendito seja o seu doce rabo. Então – enquanto ele falava – um par de lanternas traseiras iluminou o rosto de McMurphy, e o pára-brisa refletiu uma expressão que ele só permitiu que aparecesse porque imaginava que estava escuro demais, no carro, para que alguém visse, terrivelmente cansada e tensa e frenética, como se não houvesse tempo suficiente para algo que ele tinha de fazer…

Enquanto a sua voz descontraída e bem-humorada distribuía em quinhões a vida dele para que nós a vivêssemos – um passado travesso, cheio de divertimentos infantis e companheiros de porres, mulheres apaixonadas e brigas de bar por pequenas besteiras – para que todos nós a penetrássemos num sonho.

* * *

PARTE IV

A Chefona já tinha sua manobra seguinte preparada no dia imediato à pescaria. A idéia lhe havia ocorrido quando conversava com McMurphy no dia anterior, a respeito de quanto ele estava ganhando na viagem, e outros pequenos empreendimentos desse tipo. Ela desenvolvera a idéia durante aquela noite, examinando-a sob todos os ângulos, até que teve certeza absoluta de que não podia falhar. Durante todo o dia seguinte fez pequenas insinuações para dar início a um boato, que deveria tomar vulto antes que ela realmente dissesse alguma coisa a respeito.

Sabia que as pessoas, sendo como são, mais cedo ou mais tarde começam a desconfiar e se afastam de alguém que parece que está dando um pouco mais de si do que seria normal, bancando Papai Noel, missionário. Assim como desconfiando de homens que doam fundos a causas justas, começam a se perguntar: Que é que eles ganham com isso? Um sorriso na boca quando o jovem advogado traz, digamos, um saco de nozes para as crianças da escola da sua região – pouco antes das eleições para o Senado Estadual – e dizem uns para os outros: Ele não engana ninguém.

Ela sabia que não demoraria muito para que os outros começassem a se perguntar o que era, agora que surgiu o assunto, que fazia McMurphy gastar tanto tempo organizando pescarias na costa e programando festas com bingo e estimulando times de beisebol. O que é que o impulsionava para manter as coisas a todo vapor, quando todo mundo na enfermaria sempre se havia contentado em ir levando, jogando vinocle e lendo as revistas do ano passado? Como aquele cara, aquele irlandês arruaceiro, vindo de uma colônia penal onde cumpria pena por jogo ilícito e agressão, amarrava um lenço na cabeça, brincava como um adolescente, e passava duas horas inteiras fazendo com que todos os Agudos lhe gritassem vivas, enquanto fazia o papel da moça, tentando ensinar Billy Bibbit a dançar? Ou como é que um malandro, experiente como ele – um profissional, um artista de feira, um jogador perito na avaliação das possibilidades – se arriscava a dobrar a sua permanência num hospício tornando sua inimiga mais ferrenha a mulher que tinha a última palavra quanto a quem deveria ou não ser liberado?

A enfermeira fez com que as perguntas começassem, fazendo circular um levantamento da situação financeira dos pacientes nos últimos meses; deve ter-lhe tomado horas de trabalho a coleta daqueles dados nos arquivos. Mostrava uma diminuição constante nos fundos de todos os Agudos, exceto um. Os recursos dele haviam crescido desde o dia em que chegara.

Os Agudos começaram a fazer brincadeiras com McMurphy sobre como parecia que ele os estava depenando, e ele nunca o negou. De maneira alguma. Na realidade, ele se jactou de que se ficasse naquele hospital um ano ou coisa assim, bem que poderia ser liberado com a sua independência financeira garantida para se aposentar na Flórida para o resto da vida. Todos eles riam daquilo quando ele estava por perto, mas quando estava fora da ala, na TV ou na TO ou na TP, ou quando estava na Sala das Enfermeiras levando um sabão por alguma coisa, enfrentando o sorriso plástico e fixo dela com o seu grande sorriso radiante, não era bem rindo que eles estavam.

Começaram a se perguntar uns aos outros por que ultimamente ele estivera tão ativo, conseguindo para os pacientes coisas como modificar o regulamento, de forma que os homens não tivessem de andar em grupos terapêuticos de oito sempre que iam a algum lugar ("Billy tem falado de cortar os pulsos de novo", disse ele numa sessão em que argumentava contra o regulamento do grupo de oito. Assim, há sete de vocês aí que vão acompanhá-lo nessa terapêutica?"); e a maneira como manobrava o médico, que estava muito mais próximo dos pacientes desde a excursão de pescaria, para ordenar assinaturas do Playboy, Nugget e Man e se livrar de todos os McCall's antigos, que o cara inchada do Relações-Públicas vinha trazendo de casa e deixando numa pilha na enfermaria, os artigos que ele achava que nos interessariam especialmente marcados com tinta verde. McMurphy chegou até a pôr no correio uma petição para alguém em Washington, pedindo que examinassem os eletrochoques e lobotomias que ainda eram praticados nos hospitais do Governo. Eu simplesmente gostaria de saber, os Agudos estavam começando a se perguntar, o que é que o Mack vai ganhar com isso?