Выбрать главу

– Não tenho piolho nenhum! – berrou George. – Não! – Ele ficou ereto e suas sobrancelhas se levantaram o bastante para que víssemos seus olhos. O crioulo recuou. Os outros dois riram dele.

– Alguma coisa errada, Washington, meu camaradinha? – perguntou o grandalhão. – Alguma coisa atrapalhando essa parte do procedimeen-to, cara?

Ele tornou a chegar para perto.

– Geo'ge, lhe dizendo: se abaixa! Ou você se abaixa e passa esse negócio… ou eu lhe enfio a mão! - Ele tornou a levantá-la; era grande e negra como um pântano. – Lhe enfio essa mão preta! Fedida! Imunda! Arrebento você todo!

– Não enfia mão nenhuma! – disse George, e levantou o punho acima da cabeça como se fosse esmigalhar o crânio cor de lava em pedaços, espalhar rodas dentadas, porcas e parafusos por todo o chão. Mas o crioulo apenas enfiou a ponta do tubo contra o umbigo de George e o apertou; e George se dobrou em dois com um arquejo. O crioulo esguichou uma boa quantidade no cabelo branco e ralo de George, espalhando o negrume da sua mão por toda a cabeça de George. George envolveu a barriga com os dois braços e gritou.

– Não! Não!

– Agora se vira, Geo'ge…

– Eu disse que chega, companheiro. – Dessa vez a maneira como a voz dele soou fez o crioulo virar e encará-lo. Vi que o crioulo sorria, olhando para a nudez de McMurphy, sem gorro, sem botas e sem bolsos para enfiar os dedos. O crioulo arreganhou os dentes olhando-o de cima a baixo.

– McMurphy – disse ele, sacudindo a cabeça… – Você sabe, eu 'tava começando a achar que a gente nunca ia ter uma chance.

– Seu filho da puta – disse McMurphy, parecendo mais cansado do que zangado. O crioulo nada disse. McMurphy levantou a voz. – Seu negro escroto, filho da puta!

O crioulo sacudiu a cabeça e riu para os dois companheiros.

– Que é que acham que o Sr. McMurphy está querendo com esse tipo de conversa, cara? Acham que ele quer que eu tome a iniciativa? Será que ele não sabe que a gente é treinada pra ouvir insultos horríveis assim desses loucos?

– Seu chupador de pica! Washington, você não passa de um…

Washington tinha-lhe dado as costas, virando-se novamente para George. George ainda estava dobrado em dois, arquejando por causa do golpe do tubo na barriga. O crioulo agarrou-lhe o braço e o virou de frente para a parede.

– É isso aí, Geo'ge, agora espalha no rosto.

– Nã-ã-ã-o!

– Washington – disse McMurphy. Ele respirou fundo e deu um passo metendo-se na frente do crioulo, empurrando-o para longe de George. – Washington, está certo, está certo…

Todo mundo podia ouvir o desespero contido na voz de McMurphy.

– McMurphy, 'tá me forçando a me proteger. Ele num me forçando, caras? - Os outros dois concordaram com a cabeça. Ele colocou o tubo cuidadosamente sobre o banco ao lado de George, tornou a se levantar com o punho girando num único movimento e acertando McMurphy, de surpresa, no rosto. McMurphy quase caiu. Cambaleou para trás, esbarrando na fileira de homens nus, e os caras o seguraram e o empurraram de volta em direção à cara escura sorridente. Ele foi atingido de novo, no pescoço, antes de admitir que a coisa já havia começado, afinal, e que agora não havia mais nada a fazer senão tocar para a frente. Aparou o golpe seguinte esquivando-se como uma cobra, e segurou o crioulo pelo pulso enquanto sacudia a cabeça para clareá-la.

Eles oscilaram assim por um segundo, ofegando junto com o ofegar do ralo; então McMurphy empurrou o crioulo para longe e se encurvou, erguendo os grandes ombros para cima para proteger o queixo, os punhos um de cada lado da cabeça, e foi se movendo em volta do homem a sua frente.

E aquela fila arrumada e silenciosa de homens nus se transformou num círculo que gritava, membros e corpos se unindo numa arena de carne.

Os braços negros golpearam a cabeça ruiva abaixada e o pescoço taurino, tirando sangue do supercílio e do queixo. O crioulo se desviava com saltos rápidos. Mais alto, com os braços mais compridos que os braços grossos e vermelhos de McMurphy, os socos mais rápidos e mais violentos, ele conseguiu golpear os ombros e a cabeça do outro sem se aproximar. McMurphy continuava avançando – com passos difíceis, sem tirar os pés do chão, o rosto abaixado e olhando para cima entre aqueles punhos tatuados que lhe ladeavam a cabeça – até que conseguiu pôr o crioulo contra o círculo de homens nus, e lançou um punho bem no centro do peito branco, engomado. Aquele rosto azul-acinzentado fendeu-se em cor-de-rosa, passou uma língua da cor de sorvete de morango sobre os lábios. Desviou da carga pesada de McMurphy e conseguiu lamber a boca duas vezes antes que aquele punho o acertasse de novo num golpe certeiro. A boca se escancarou dessa vez, uma mancha de uma cor doentia.

McMurphy tinha marcas vermelhas na cabeça e nos ombros, mas não parecia estar ferido. Continuou a arremeter, levando 10 golpes para cada um que acertava. Continuou assim, para trás e para a frente na sala do chuveiro, até que o crioulo estava arquejando, cambaleando e se esforçando principalmente para se manter fora do caminho daqueles braços vermelhos massacrantes. Os caras gritavam para que McMurphy o derrubasse. McMurphy não se apressou.

O crioulo se desviou de um golpe no ombro e olhou depressa para os outros dois que observavam.

– Williams… Warren… que diabo!

O outro grandalhão afastou o grupo e agarrou McMurphy pelos braços, por trás. McMurphy o sacudiu como um touro sacode um macaco, mas ele continuou ali.

Então, eu o arranquei dali e o atirei no chuveiro. Ele estava cheio de tubos; não pesava mais do que cinco ou dez quilos.

O crioulo menor girou a cabeça de um lado para o outro, voltou-se e correu para a porta. Enquanto eu o observava ir, o outro saiu do chuveiro e me imobilizou com um golpe de luta livre – os braços sob os meus, por trás, e as mãos enlaçadas atrás do meu pescoço – e eu tive de correr de costas para dentro do chuveiro e esmagá-lo contra os ladrilhos, e enquanto estava ali deitado na água, tentando ver McMurphy arrebentar mais algumas costelas de Washington, o que estava atrás de mim começou a me morder o pescoço e tive de quebrar o aperto dos seus braços. Então ele ficou quieto, a goma escorrendo do uniforme e descendo pelo ralo gorgulhante.

E quando o crioulo menor voltou correndo, com correias e algemas e mais quatro ajudantes da Enfermaria dos Perturbados, todo mundo estava se vestindo e apertando a minha mão e a mão de McMurphy e dizendo que aquilo tinha de acontecer, mais cedo ou mais tarde, e que briga fantástica havia sido, que vitória tremendamente grande. Continuaram falando daquele jeito, para nos animar e para fazer com que nos sentíssemos melhor, sobre que briga incrível, que vitória – enquanto a Chefona auxiliava os ajudantes dos Perturbados a colocarem aquelas algemas de couro macio de maneira a se ajustarem em nossos braços.

Lá em cima na Enfermaria dos Perturbados há um eterno chocalhar estridente de sala de máquinas, uma fábrica de prisão imprimindo placas para licenças de automóvel. E o tempo é medido pelo di-doc, di-doc de uma mesa de pingue-pongue. Homens caminhando por suas rotas de fuga pessoais vão até uma parede, encostam o ombro; se viram e andam de volta para uma outra parede, batem o ombro e se viram novamente, passos curtos e rápidos, caminhando pelos sulcos cruzados no chão de ladrilhos, com um olhar desvairado. Há um cheiro queimado de homens que o medo levou à fúria e à perda do controle, e nos cantos e debaixo da mesa de pingue-pongue há coisas abaixadas rangendo os dentes, que os médicos e enfermeiras não vêem e que os ajudantes não conseguem matar com desinfetante. Quando a porta da ala se abriu, senti aquele cheiro de queimado e ouvi aquele ranger de dentes.