Mais telefonemas estavam sendo dados na Sala das Enfermeiras, e uma quantidade de autoridades aparecendo para ver as provas. Quando, finalmente, o próprio médico chegou, cada uma daquelas pessoas olhou para ele como se a coisa inteira tivesse sido planejada por ele ou pelo menos admitida tacitamente e autorizada. Estava pálido e trêmulo sob aqueles olhares. Percebia-se que ele já sabia da maior parte do que acontecera ali, na sua ala, mas a Chefona relatou-lhe de novo, em detalhes lentos e em voz alta, de forma que também pudéssemos ouvir. Ouvir da maneira correta, dessa vez, sérios, sem cochichos ou risadas enquanto ela falava. O médico balançava a cabeça e remexia os óculos, piscando os olhos tão lacrimejantes que pensei que estava respingando nela. Ela terminou contando-lhe sobre Billy e a trágica experiência pela qual tínhamos feito o pobre menino passar.
– Eu o deixei no seu consultório. A julgar pelo seu presente estado, sugiro que o veja imediatamente. Ele passou por uma terrível tortura. Estremeço só de pensar no mal que deve ter causado ao pobre menino.
Ela esperou até que o médico estremecesse também.
– Acho que deve ir ver se pode conversar com ele. Está precisando de apoio. Seu estado é lamentável.
O médico concordou mais uma vez e saiu em direção ao consultório.
– Mack – disse Scanlon. – Ouça… não pensa que nenhum de nós acreditou nessa baboseira toda, pensa? A coisa está mal, mas nós sabemos onde está a culpa… não estamos culpando você.
– Não – disse eu – nenhum de nós culpa você. – E desejei que me tivessem arrancado a língua quando vi a maneira como me olhou.
Ele fechou os olhos e se descontraiu. Parecia estar esperando. Harding se levantou e dirigiu-se até onde ele estava, e tinha acabado de abrir a boca para dizer alguma coisa quando a voz do médico, gritando lá no fundo do corredor, esfregou um horror comum no rosto de todo mundo.
– Enfermeira! – berrou. – Meus Deus, enfermeira! Ela correu, e os três crioulos a seguiram pelo corredor para onde estava o médico ainda gritando. Mas nenhum paciente se levantou. Nós sabíamos que não havia nada para fazermos agora, senão ficar sentados ali e esperar que ela voltasse para a enfermaria para nos contar o que todos nós sabíamos ser uma coisa destinada a acontecer.
Ela caminhou direto para McMurphy.
– Ele cortou a garganta – disse ela. Esperou, aguardando que ele dissesse alguma coisa. Ele não levantou o olhar. – Abriu a escrivaninha do doutor, encontrou alguns instrumentos e cortou a garganta.
Esperou de novo. Mas ainda assim ele não levantou o olhar.
– Primeiro Charles Cheswick e agora William Bibbit! Espero que finalmente esteja satisfeito. Jogar com vidas humanas… apostar com vidas humanas… como se pensasse que é um Deus!
Ela se virou, entrou na Sala das Enfermeiras e fechou a porta, deixando um som estridente, mortal, soando nas lâmpadas acima de nossas cabeças.
Meu impulso inicial foi tentar detê-lo, convencê-lo a levar o que já havia conseguido e deixá-la ganhar a última rodada, mas um outro pensamento muito maior apagou o primeiro completamente. De repente me dei conta, com certeza absoluta, de que nem eu nem ninguém daquele grupo de segunda categoria conseguiria detê-lo. Que a argumentação de Harding ou eu agarrando-o por trás, ou os ensinamentos do velho Coronel Matterson ou a pressão de Scanlon, ou todos nós juntos não seríamos capazes de nos levantarmos e de detê-lo.
Não podíamos detê-lo porque fôramos nós que o havíamos compelido a fazê-lo. Não era a enfermeira que o forçava, era a nossa necessidade que fazia com que ele se erguesse lentamente da cadeira, as manoplas se afundando nos braços de couro da cadeira, empurrando para cima. fazendo-o levantar-se e ficar de pé como um desses zumbis de filme, obedecendo a ordens que lhe eram transmitidas por 40 senhores. Nós o havíamos feito continuar durante semanas, mantendo-o de pé muito depois de seus pés e suas pernas terem cedido, semanas fazendo-o piscar e sorrir e rir e continuar com o seu número, muito depois de o seu humor ter sido transformado num pergaminho seco entre os. dois eletrodos.
Nós o fizemos levantar-se e puxar os calções para cima como se fossem calções de couro de vaqueiro, e empurrar o boné para trás com um dedo como se fosse uma Stetson de 10 galões, em gestos lentos e mecânicos – e quando ele foi andando podia-se ouvir seus calcanhares nus arrancarem fagulhas dos ladrilhos.
Só no final – depois que ele tinha despedaçado aquela porta de vidro, o rosto dela recuando, com o terror arruinando para sempre qualquer outro olhar que ela pudesse jamais tentar usar, gritando quando ele a agarrou e lhe rasgou toda a frente do uniforme, gritando de novo quando os dois bicos redondos saltaram do seu peito, saindo para fora cada vez maiores, maiores do que qualquer pessoa jamais teria imaginado, cálidos e rosados sob a luz – só no final, depois que os funcionários perceberam que os crioulos nada iam fazer, a não ser ficar ali e olhar, e que eles teriam de derrotá-lo sem ajuda deles, médicos, supervisores e enfermeiras arrancando aqueles dedos vermelhos pesados da garganta dela arrastando-o para trás, arrancando-o de cima dela com um ofegar pesado, só então ele demonstrou algum sinal de que poderia ser algo que não um homem são, decidido, pertinaz executando uma dura tarefa que, finalmente, simplesmente tinha de ser executada, quer gostasse ou não.
Ele deu um grito. No final, caindo para trás, seu rosto aparecendo para nós por um segundo, de cabeça para baixo, antes que fosse esmagado no chão por uma pilha de uniformes brancos, ele se permitiu gritar.
Um som de medo e ódio e derrota e desafio de animal acuado, que se você alguma vez já caçou um urso ou um puma ou um lince, é como o último som que emite o animal encurralado, ferido e caindo, quando os cães o apanham, quando finalmente ele não se importa mais com nada a não ser consigo mesmo e com a sua morte.
Fiquei por lá mais umas duas semanas para ver o que ia acontecer. Tudo estava mudando. Sefelt e Fredrickson deixaram juntos o hospital contrariando conselhos de médicos, e dois dias depois, outros três Agudos saíram, e mais seis foram transferidos para uma outra ala. Houve muita investigação a respeito da festa na enfermaria e da morte de Billy, e o médico foi informado de que a sua demissão seria aceita, e ele lhes informou que teriam de ir até o fim e pô-lo em cana se o quisessem fora dali.
A Chefona ficou hospitalizada por uma semana, assim, por algum tempo tivemos a japonesinha dos Perturbados na direção da ala; isso deu aos Agudos a oportunidade de modificar muita coisa no regulamento da ala. Quando a Chefona voltou, Harding tinha conseguido até que a Sala da Banheira fosse aberta de novo e estava ali, comandando o vinte-e-um ele mesmo, tentando fazer aquela sua voz suave e fina soar como o urro de leiloeiro de McMurphy. Estava dando as cartas quando ouviu a chave dela girar na fechadura.
Todos nós saímos da sala e fomos para o corredor encontrá-la, para perguntar por McMurphy. Ela saltou dois passos para trás quando nos aproximamos, e pensei por um segundo que fosse correr. O rosto dela estava roxo e deformado de um lado, um olho completamente fechado, e ela tinha um grande curativo na garganta. E um uniforme branco, novo. Alguns dos caras riram olhando-a de frente; apesar de ser menor, mais justo e mais engomado que os antigos uniformes, não podia mais esconder o fato de que ela era uma mulher.
Sorrindo, Harding se aproximou e perguntou o que havia acontecido com Mack.
Ela tirou um bloquinho e um lápis do bolso do uniforme e escreveu: "Ele vai voltar", e passou o papel para nós. O papel tremeu em suas mãos.
– Tem certeza? – Harding quis saber, depois que leu. Tínhamos ouvido todo tipo de coisa, que ele tinha derrubado dois ajudantes na Enfermaria dos Perturbados e fugido, que havia sido mandado de volta para a colônia penal – até mesmo a enfermeira, agora no comando até que arranjassem outro médico, lhe estava dando uma terapia especial.