A enfermeira torna a olhar para o relógio e tira um pedaço de papel da pasta que tem nas mãos, olha para o papel e torna a colocá-lo na pasta. Põe de lado a pasta e apanha o livro de registro diário. Ellis tosse lá do seu lugar na parede; ela espera até que ele pare.
– Bom. No encerramento da sessão de sexta-feira… estávamos discutindo o problema do Sr. Harding – com relação à sua jovem esposa. Ele declarou que a esposa era extremamente bem servida de busto e que isso o deixava pouco à vontade, porque ela atraía os olhares dos homens na rua. – Ela começa a abrir o livro em determinados lugares; pedacinhos de papel para marcar as páginas saem do alto da lombada do livro. – De acordo com as notas registradas no livro por vários pacientes, o Sr. Harding foi ouvido ao comentar que ela "dá todas as razões para que os bastardos olhem". Também foi ouvido ao dizer que ele poderia ter dado a ela motivos para buscar outras atenções sexuais. Ele foi ouvido ao comentar "a minha esposa querida e doce, mas analfabeta, acha que qualquer palavra ou gesto, que não despertar num estalo uma admirável força física e fantástica brutalidade, é uma palavra ou um gesto de um janota fraco". – Continua a ler o livro em silêncio durante alguns instantes, depois o fecha. – Ele também declarou que o grande busto da esposa às vezes lhe dava um sentimento de inferioridade. É tudo. Alguém está disposto a explorar esse assunto mais um pouco?
Harding fecha os olhos, e ninguém mais diz nada. McMurphy olha em volta examinando os outros, esperando para ver se alguém vai responder à enfermeira, então ergue a mão e estala os dedos, como um colegial numa sala de aulas; a enfermeira volta a cabeça para ele.
– Sr., ah, McMurphy?
– Explorar o quê?
– Quê? Explorar…
– A senhora perguntou, acho, "alguém está disposto a explorar"…
– Explorar o… assunto, Sr. McMurphy, o assunto do problema do Sr. Harding com a esposa.
– Ah. Pensei que se referisse a explorar o caso dela… uma outra coisa.
– Ora, mas o que poderia…
Mas ela pára. Quase ficou desconcertada por um segundo. Alguns dos Agudos escondem sorrisos, e McMurphy se espreguiça longamente, boceja, pisca o olho para Harding. Então a enfermeira, na maior calma, põe o livro de volta na cesta, tira uma outra pasta, abre-a e começa a ler.
– McMurphy, Randle Patrick. Internado pelo Estado, vindo da Colônia Correcional de Pendleton. Para diagnóstico e possível tratamento. Trinta e cinco anos de idade. Solteiro. Cruz de Distinção em Serviço na Coréia, por liderar uma fuga num campo de prisioneiros comunista. Em seguida, expulsão desonrosa por insubordinação. Segunda por uma série de rixas de rua, brigas de bar, e uma série de prisões por bebedeira, tentativa de agressão de fato, por perturbação da ordem, por contumácia em jogos ilícitos, e uma prisão… por estupro.
– Estupro? – O médico deu um salto.
– Estatutório *, com uma moça de…
– Chega! Eles não conseguiram sustentar a acusação no tribunal – diz McMurphy para o médico. – A garota se recusou a testemunhar.
– Com uma criança de 15 anos.
– Ela disse que tinha dezessete, doutor, e estava querendo mesmo.
– Um exame médico de corpo de delito na criança constatou penetração, penetração repetida, o auto declara…
– Estava querendo tanto, de verdade, que eu dei para costurar as calças para mantê-las fechadas.
– A criança se recusou a testemunhar, a despeito do que o médico descobriu. Parece que houve intimidação. O acusado deixou a cidade logo depois do julgamento.
– Puxa, cara, eu tinha de ir embora. Doutor, deixa que eu lhe conte – ele se inclinou para a frente com um cotovelo no joelho, baixando a voz para o médico do outro lado da sala. – Aquela pestinha danada teria acabado realmente me reduzindo a farrapos, quando completasse os 16 anos estabelecidos pela lei. Ela chegou a um ponto em que andava sapateando em cima de mim e me deixando exausto no chão.
A enfermeira fecha a pasta e a entrega ao médico além da porta.
– A nossa nova Admissão, Dr. Spivey – exatamente como se tivesse um homem dobradinho ali dentro daquele papel amarelo e pudesse passá-lo adiante para ser examinado. – Pensei em pô-lo ao corrente do dossiê dele mais tarde, hoje, mas uma vez que ele parece insistir em se afirmar na Sessão de Grupo, poderíamos muito bem cuidar do caso dele agora mesmo.
O médico tira os óculos de dentro do bolso do paletó, puxando o cordão, ajeita-os no nariz diante dos olhos. Estão meio inclinados para a direita, mas ele vira a cabeça para a esquerda e os equilibra. Está sorrindo de leve, enquanto vai folheando a pasta, tão deliciado com a maneira impudente de falar desse cara novo quanto o resto de nós, mas, exatamente como o resto de nós, tem cuidado para não se deixar descontrolar e rir. O médico fecha a pasta quando chega ao fim, e coloca os óculos de volta no bolso. Olha para onde McMurphy ainda está inclinado em sua direção, do outro lado da sala.
– O senhor não tem… parece… nenhuma outra história psiquiátrica, Sr. McMurry?
– McMurphy, doutor.
– Ah? Mas eu pensei… a enfermeira estava dizendo…
Ele torna a abrir a pasta, puxa os óculos, examina novamente o dossiê por mais um minuto antes de fechá-lo, e recoloca os óculos no bolso. – Sim. McMurphy. Está certo. Desculpe-me.
– Não tem importância, doutor. Foi a senhora ali quem começou, ela se enganou. Já conheci gente que era dada a isso. Eu tinha um tio que se chamava Hallahan, e numa ocasião ele andou com uma dona que ficava dando uma de que não conseguia lembrar-se do nome dele direito, e o ficava chamando de Hooligan só para chatear. Isso durou meses, antes que ele a fizesse parar. Também a fez parar de uma vez.
– Ah? Como foi que ele a fez parar? – perguntou o médico.
McMurphy sorriu e esfregou o nariz com o polegar.
– Ah, ah, agora isso eu não posso contar. Mantenho o método do tio Hallahan em segredo absoluto, o senhor sabe, para o caso de eu mesmo precisar utilizá-lo um dia. Disse isso direto para a enfermeira. Ela sorri de volta e ele olha para o médico.
– Agora, o que era que o senhor estava perguntando a respeito do meu dossiê, doutor?
– Sim. Eu estava querendo saber se o senhor teve alguma experiência psiquiátrica anterior. Análise, algum tempo passado numa outra instituição qualquer?
– Bem, contando prisões estaduais e municipais…
– Instituições psiquiátricas.
– Ah. Não, se o caso é esse. Esta é a minha primeira viagem. Mas eu sou louco, doutor. Juro que sou. Bem aqui… deixa que lhe mostre, aqui. Acho que aquele outro médico na colônia penal…
Ele se levanta, enfia o baralho no bolso da jaqueta e atravessa a sala para se inclinar por sobre o ombro do médico e folhear a pasta no seu colo. – Acho que ele escreveu alguma coisa aqui atrás em algum lugar…
– Sim? Eu deixei passar. Só um momento. – O médico torna a puxar os óculos, coloca-os e olha para onde McMurphy está apontando.
– Bem aqui, doutor. A enfermeira deixou essa parte de fora quando estava resumindo meu dossiê. Onde diz "O Sr. McMurphy demonstrou repetidamente…" Só quero ter certeza de que sou totalmente compreendido, doutor. "Repetidamente transportes emocionais exagerados que sugerem o possível diagnóstico de psicopata". Ele me disse que psicopata quer dizer que eu brigo e fo…, perdão, senhoras, quero dizer que eu sou, conforme ele diz, excessivamente zeloso em minhas relações sexuais. Doutor, isto é realmente sério?
Ele perguntou isso com uma tal expressão infantil de preocupação e interesse, espelhada por todo o seu rosto grande e rude, que o médico não conseguiu impedir-se de inclinar a cabeça e esconder um outro risinho silencioso no colarinho, e os óculos caíram-lhe do nariz certinho bem no meio do bolso. Agora, todos os Agudos estão sorrindo também, e até alguns dos Crônicos.
– Eu quero dizer esse excesso de zelo, doutor, o senhor alguma vez já teve algum problema com isso?
O médico esfrega os olhos.
– Não, Sr. McMurphy, devo admitir que não. Entretanto, estou interessado no fato de que o médico da colônia penal tenha acrescentado esta declaração: "Não afastar a possibilidade de que este homem pode estar simulando uma psicose para fugir ao trabalho penoso da colônia penal." – Ele ergueu o olhar para McMurphy. – E o que é que o senhor diz isso?
– Doutor – ele se levanta, alto e ereto, franze a testa e abre os braços, estendidos com franqueza e honestidade para o mundo inteiro. – Eu pareço ser um homem são?
O médico está, outra vez, fazendo tanta força para não rir que não consegue responder. McMurphy gira, afastando-se do médico, e faz a mesma pergunta à Chefona:
– Pareço?