Выбрать главу

A maquinaria nas paredes assovia, suspira, cai num ritmo mais lento.

Então, até a noite, comemos, tomamos um banho de chuveiro e voltamos para sentar na enfermaria. O velho Detonador, o mais velho dos Vegetais, está apertando o estômago e gemendo. George (os crioulos o chamam de Dum-Dum) está lavando as mãos no bebedouro. Os Agudos se sentam e jogam cartas e se esforçam para conseguir uma imagem do nosso aparelho de TV, carregando o aparelho para todos os lugares até onde o fio chega, em busca de uma boa onda de emissão.

Os alto-falantes no teto ainda estão tocando música. Ela não é transmitida por uma emissão radiofônica, é por isso que a maquinaria não interfere. A música vem de uma longa fita da Sala das Enfermeiras, uma fita que todos nós conhecemos tão bem, de cor, que nenhum de nós a ouve conscientemente, exceto um cara novo como McMurphy. Ele ainda não se acostumou com ela. Está jogando vinte-e-um, valendo cigarros, e o alto-falante está bem em cima da mesa de jogo. Puxou tanto o gorro para a frente que tem de inclinar a cabeça para trás e espiar por baixo da aba para ver as cartas. Mantém um cigarro entre os dentes e fala fazendo-o girar como um leiloeiro que eu vi uma vez, num leilão de gado, em The Dalles.

– … vam'bora, vam'bora - diz alto e depressa – estou esperando por vocês, seus trouxas, é pegar ou deixar. Vai nessa, é? Bom, bom, com um rei aberto o rapaz está querendo acertar. Quem sabe? Já vou lá e que pena, uma dama para o valete! Já vou cuidar de você, Scanlon, mas gostaria que um idiota qualquer naquele bordel das enfermeiras desligasse essa porra dessa música. Que droga! Essa coisa fica tocando noite e dia é, Harding? Nunca ouvi uma porcaria tão irritante na minha vida.

Harding lança-lhe um olhar de incompreensão.

– A que barulho, exatamente, o senhor se está referindo, Sr. McMurphy?

– Esse maldito rádio, cara, está tocando sem parar desde a hora em que eu entrei hoje de manhã. E não me venha com papagaiadas de que não está ouvindo.

Harding levanta a orelha para o teto.

– Ah, sim, a música. Sim, acho que ouviremos se nos concentrarmos mas também a gente pode ouvir o próprio coração batendo, se se concentrar bastante. – Ele sorri para McMurphy. – Sabe, é uma gravação que está tocando aí, meu amigo. Nós raramente ouvimos rádio. As notícias do mundo poderiam não ser terapêuticas. E todos nós já ouvimos essa gravação tantas vezes que agora simplesmente escapa a nossa audição, do mesmo jeito que o ruído de uma cachoeira logo se torna um som inaudível para aqueles que vivem perto dela. Acha que se vivesse perto de uma cachoeira ouviria o som dela durante muito tempo?

(Eu ainda ouço o som das cachoeiras em Columbia, eu sempre ouvirei – sempre -, ouço o golpe de Charley Barriga de Urso apunhalando um índio chinuque, o salto dos peixes na água, o riso de crianças nuas na margem, as mulheres nos teares… de há muito tempo.)

– Eles a deixam ligada o tempo todo, como uma cachoeira? – pergunta McMurphy.

– Não quando dormimos – diz Cheswick. – Mas durante o resto do tempo todo, sim.

– Pro inferno com isso. Vou dizer àquele negro ali para desligar se não quiser levar um pontapé naquele traseiro gordo!

Ele começa a se levantar e Harding toca-lhe o braço.

– Amigo, esse é exatamente o tipo de comentário que fez alguém ser rotulado como agressivo. Você está tão ansioso assim para perder a aposta?

McMurphy olha para ele.

– Então é assim, nem? Um jogo de pressões? Manter o velho aperto sem parar?

– É isso aí.

Ele torna a sentar-se devagar na cadeira.

– Merda de cavalo!

Harding olha em volta para os outros Agudos em torno da mesa de jogo.

– Cavalheiros, parece que já posso detectar no nosso ruivo desafiador o mais anti-heróico declínio de seu estoicismo de vaqueiro de TV.

Ele olha sorrindo para McMurphy, do outro lado da mesa. McMurphy balança a cabeça, dá uma piscadela, lambe o polegar. – Bem, senhores, o professor Harding parece que está ficando prosa. Ele ganha um par de rodadas e começa logo a dar uma de espertinho. Pois, muito bem; aí está ele sentado com um dois à mostra e apostamos um maço de Marlboro como ele vai desistir do jogo… Upa! melhorando, professor, aqui está um três, ele quer mais um outro, ganha outro dois, quer tentar uma quina, professor?. Tenta fazer aquela dobradinha ou joga no seguro? Outro maço diz que não vai, não. Pois bem, outra dama e o professor afunda nos exames…

Outra canção começa no microfone, alta com muitos metais e acordeão. McMurphy dá uma olhada nos microfones e a sua voz eleva-se cada vez mais para superá-la.

– O.K., O.K., o seguinte, pro diabo, ou bate ou fica… já te pego…

Isso continua até que as luzes se apagam, às nove e meia.

Eu poderia ter ficado observando McMurphy naquela mesa de jogo a noite inteira, a maneira como dava as cartas e conversava e os enredava, deixando-os perder até estarem quase a ponto de desistir, então perdia uma mão ou duas para incutir-lhes confiança e fazê-los continuar de novo. De uma feita, ele parou um instante para acender um cigarro, recostou-se na cadeira, as mãos cruzadas atrás da cabeça, e disse aos caras:

– O segredo de ser um malandro nota 10 está em ser capaz de saber o que é que o pato quer, e em fazê-lo acreditar que vai conseguir. Aprendi isso quando trabalhei por um tempo num stand de apostas num parque de diversões. Sen – te – se o otário direitinho com os olhos, quando ele se aproxima e a gente diz: "Ora, mas aqui está um cara que precisa se sentir machão." Assim, toda vez que ele parte para cima de você por estar levando a melhor sobre ele, você bate com as botas, morrendo de medo e lhe diz: "- Por favor, senhor. Não tem problema. A próxima rodada é por conta da casa, senhor." Assim ambos estão conseguindo exatamente aquilo que desejam.

Ele se balança para frente e as pernas da cadeira batem no chão com um estalo. Pega o baralho, corre o polegar nele, bate com o canto no tampo da mesa, lambe o polegar e o dedo.

– E o que eu acho que vocês otários aí precisam é de uma parada das boas para tentá-los. Aqui está, 10 maços a próxima rodada. Vamos, estou pronto pra vocês. Daqui pra frente têm de ter peito.

E joga a cabeça para trás e dá uma gargalhada, ante a maneira como os caras se apressaram em fazer as suas apostas.

Aquela gargalhada ecoou pela enfermaria durante toda a noite, e o tempo todo em que jogava fazia brincadeiras e conversava, tentando fazer com que os jogadores rissem com ele. Mas todos tinham medo de se descontrair; tinha durado muito tempo. Ele desistiu de tentar e resolveu jogar a sério. Eles ganharam uma ou duas partidas, mas ele sempre recuperava ou sempre tornava a lutar, e os cigarros começaram a se empilhar cada vez mais alto à sua direita e à esquerda, em pilhas com feitio de pirâmides.

Então, pouco antes de nove e meia, ele começou a deixá-los ganhar tudo de volta tão depressa que eles nem se lembram de ter perdido. Paga com os dois últimos cigarros, larga o baralho, torna a se recostar com um suspiro e empurra o gorro, tirando-o de cima dos olhos, e o jogo está acabado.

– Bem, senhores, ganhem um pouco, percam o resto, é o que digo. – Sacode a cabeça com tristeza. – Eu não sei… sempre fui um cara bastante bom em vinte-e-um, mas vocês aí podem realmente ser duros demais para mim. Têm uma espécie de jeito sobrenatural, faz até um cara ficar meio com medo de jogar amanhã contra uns craques tão grandes, por dinheiro de verdade.

Ele não está nem enganando a si mesmo acreditando que eles caíram nessa. Ele os deixa ganhar, e cada um de nós, assistindo ao jogo, sabe disso. Os jogadores também. Mas ainda não há um único cara remexendo a sua pilha de cigarros – cigarros que não ganharam, realmente, mas apenas recuperaram, porque eram deles para começar – que não tenha um sorriso afetado no rosto, como se fosse o mais duro dos jogadores de todo o Mississippi.

O crioulo gordo e um crioulo chamado Geever nos põem para fora da enfermaria e começam a apagar as luzes com uma chavinha numa corrente, e à medida que a ala vai ficando sombria e mais escura, os olhos da enfermeirazinha com a marca de nascença, no posto de controle, vão ficando maiores e mais brilhantes. Ela está na porta da sala de vidro, distribuindo os comprimidos da noite para os homens que vão passando por ela arrastadamente numa fila, e está tendo dificuldades em se lembrar com clareza de quem é que vai ser envenenado com que esta noite. Ela nem está olhando onde é que está pondo a água. O que distraiu sua atenção desse jeito foi aquele homenzarrão ruivo com aquele gorro horrível e aquela cicatriz de aspecto assustador, vindo em sua direção. Ela está observando McMurphy afastando-se da mesa de jogo na enfermaria que está as escuras, uma de suas mãos calosas torcendo o tufo de cabelo vermelho que sai pelo decote estreito da camisa do uniforme da colônia penal, e concluo pela maneira como ela recua quando ele se aproxima da porta da Sala das Enfermeiras que ela provavelmente foi advertida a respeito dele, com antecedência, pela Chefona. ("Ah, mais uma coisa antes que eu deixe tudo em suas mãos por esta noite, Srta. Pilbow; aquele homem novo que está sentado ali, aquele com as costeletas ruivas extravagantes e ferimentos no rosto – tenho razões para crer que é um maníaco sexual.") McMurphy vê como ela está com um ar assustado e os olhos arregalados em sua direção, assim enfia a cabeça na porta da sala onde ela está distribuindo os comprimidos e lhe dá um sorriso largo e amistoso, para ir ficando conhecido. Isto a perturba tanto que deixa cair a jarra dágua no pé. Dá um grito e pula num pé só, agita a mão, e o comprimido que me ia dar salta para fora do copinho e desce direto pela gola do seu uniforme, onde a marca de nascença corre como um rio de vinho por um vale abaixo.