Ele pára de dar corda no relógio porque já a deu toda e mais uma volta vai fazê-lo voar em pedaços por toda parte. Fica sentado ali, sorrindo para o relógio, tamborilando as costas da mão com os dedinhos rosados, esperando. Geralmente, mais ou menos a essa altura da reunião, ela assume o comando, mas ela nada diz.
– Depois de hoje – continua o médico – ninguém pode dizer que este homem com quem estamos lidando é um homem comum. Não, certamente que não. Que ele é um elemento perturbador, isto é óbvio. Assim… ah… conforme vejo, o nosso objetivo nessa discussão é decidir que atitude tomar com relação a ele. Creio que a enfermeira convocou esta reunião, corrija-me se estiver enganado, Srta. Ratched, para falar a respeito da situação e unificar a opinião do pessoal sobre o que deverá ser feito com McMurphy?
Ele lhe lança um olhar suplicante, mas ela ainda nada diz. Ergueu o rosto para o teto, procurando sujeiras, muito provavelmente, e não parece ter ouvido uma só palavra do que ele esteve dizendo.
O médico vira-se para a fileira de residentes do outro lado da sala: todos eles têm a mesma perna cruzada e a xícara de café sobre o mesmo joelho.
– Vocês, rapazes – diz ele. – Compreendo que ainda não tiveram o tempo adequado para chegar a um diagnóstico bem feito do paciente, mas vocês tiveram uma oportunidade de observá-lo em ação. Que é que vocês acham?
A pergunta faz com que levantem a cabeça de estalo. Com muita esperteza ele também os colocou na raia. Todos eles olham dele para a Chefona. De alguma forma ela recuperou todo o seu poder anterior em uns poucos minutos. Apenas ficando sentada ali, sorrindo para o teto e sem nada dizer, ela recuperou o controle e fez com que todos percebessem que ela é a força ali dentro que tem de ser respeitada. Se esses rapazes não jogarem bem direitinho, serão capazes de ir acabar o treinamento lá em Portland, no hospital de alcoólatras. Eles começam a sentir-se inquietos, como o médico.
– Ele é realmente uma influência perturbadora. – O primeiro rapaz joga no seguro.
Todos eles tomam um gole de café e pensam sobre aquilo. Então o seguinte diz:
– E poderia constituir um perigo verdadeiro.
– É verdade, é verdade – diz o médico.
O rapaz pensa que ele talvez tenha encontrado a chave e continua.
– Um perigo considerável, de fato – diz ele e chega para a frente na cadeira. – Tenham em mente que este homem praticou ações violentas com o único objetivo de sair da colônia penal e vir para o ambiente comparativamente luxuoso deste hospital.
– Planejou ações violentas – diz o primeiro rapaz. E o terceiro rapaz resmunga:
– É claro, a própria natureza do plano dele poderia indicar que ele é simplesmente um presidiário perspicaz e que não está, de maneira alguma, mentalmente doente.
Ele olha em volta para ver como é que ela recebe seu comentário e constata que ainda não se moveu, nem deu qualquer sinal. Mas o resto do pessoal permanece sentado ali, olhando fixo para ele com desagrado, como se ele tivesse dito algo terrivelmente vulgar. Ele percebe como saiu dos limites e tenta fingir que foi uma brincadeira. Ri e acrescenta:
– Sabem, como "Aquele Que Marcha Fora do Compasso Ouve Um Outro Tambor" – mas é tarde demais. O primeiro residente cai em cima dele depois de ter largado a xícara de café e metido a mão no bolso para tirar um cachimbo grande como um punho.
– Francamente, Alvin – diz ele ao terceiro rapaz. – Estou desapontado com você. Ainda que não se tivesse lido o histórico dele, tudo o que se precisaria fazer seria prestar atenção ao comportamento dele na enfermaria para perceber-se como esta sugestão é absurda. Esse homem não é apenas muito, muito doente, creio que é sem dúvida um Agressivo Potencial. Acho que disso é o que a Srta. Ratched estava desconfiando quando convocou esta reunião. Não reconhece o arquétipo do psicopata? Nunca ouvi falar de um caso tão evidente. Esse homem é um Napoleão, um Gengis Khan, um Átila.
Um outro se reúne a eles. Ele lembra os comentários da enfermeira a respeito dos Perturbados.
– Robert está certo, Alvin. Não viu a maneira como o homem agiu lá fora, hoje? Quando uma das suas tramas fracassou ele se levantou rápido da cadeira, a um passo da violência. Diga-nos, Dr. Spivey, que é que o dossiê dele diz a respeito de violência?
– Acusa um acentuado desrespeito por disciplina e autoridade – diz o médico.
– Certo. A história dele relata, Alvin, que repetidamente, em diversas ocasiões, ele demonstrou sua hostilidade contra os representantes da autoridade… na escola, no Exército, na cadeia! E creio que sua atitude depois daquele furor da votação, hoje, é uma das indicações mais conclusivas que podemos ter quanto ao que esperar no futuro. – Ele pára e franze o cenho para o cachimbo, torna a enfiá-lo na boca e acende um fósforo, suga a chama para a boca com um som alto e espocado. Quando o cachimbo está aceso, lança um olhar de esguelha, através da nuvem amarela de fumaça, para a Chefona; deve interpretar o silêncio dela como uma aprovação, porque continua com mais entusiasmo e certeza do que antes.
– Pare por um minuto e imagine, Alvin – diz ele, as palavras algodoadas de fumaça. – Imagine o que acontecerá com um de nós quando estivermos sozinhos na Terapia Individual com o Sr. McMurphy. Imagine que está chegando a um ponto da pesquisa particularmente doloroso e ele decide simplesmente que já agüentou tudo o que seria suportável da sua, como é que ele o diria?, da sua "porcaria de xeretice idiota de garoto"! Você diz a ele que não deve ficar hostil e ele diz "pro inferno com isso", e diz a ele que se acalme, com uma voz autoritária, é claro, e lá vem ele, com todos os seus cento e tantos quilos de irlandês ruivo psicopata, direto, por cima da mesa de entrevista, sobre você. Você está, e no que diz respeito a isso, será que algum de nós está, preparado para lidar com o Sr. McMurphy quando surgir um momento desses? Ele repõe o cachimbo tamanho 10 no canto da boca, abre as mãos sobre os joelhos e espera. Todo mundo está pensando nos braços vermelhos e fortes de McMurphy, nas mãos marcadas de cicatrizes e em como seu pescoço emerge da camiseta como uma cunha enferrujada. O residente chamado Alvin ficou pálido diante da idéia, como se aquela fumaça amarela de cachimbo que seu companheiro estava soprando sobre ele lhe tivesse manchado o rosto.
– Então acreditam que seria aconselhável – pergunta o médico – transferi-lo lá para cima, para a Enfermaria dos Perturbados?
– Creio que seria pelo menos mais seguro – responde o do cachimbo, fechando os olhos.
– Creio que terei de retirar a minha sugestão e concordar com Robert – diz-lhes Alvin. – Quanto mais não seja, para a minha própria proteção.
Todos eles riem. Estão todos descontraídos agora, certos de que chegaram ao plano que ela estava querendo. Todos tomam um gole de café para comemorar, exceto o do cachimbo. Ele está às voltas com o acendê-lo, pois se apaga a todo momento. Queima uma porção de fósforos e suga e solta fumaça e estala os lábios. Finalmente o acende da maneira que lhe parece certa, e diz, com um pouco de orgulho:
– Sim, Enfermaria dos Perturbados para o velho ruivo McMurphy, eu creio. Sabem o que acho, depois de tê-lo observado esses dias?
– Reação esquizóide? – pergunta Alvin. Cachimbo sacode a cabeça.
– Homossexual Latente com Formação Reativa? – diz o terceiro.
Cachimbo torna a sacudir a cabeça e fecha os olhos.
– Não – diz ele, e sorri para todos. – Edipiano Negativo.
Todos se congratulam com ele.
– Sim, creio que há muita coisa indicando isso – diz ele. – Mas qualquer que seja o diagnóstico definitivo, temos de manter em mente uma coisa: não estamos lidando com um homem comum.
– O senhor… está muito enganado, Sr. Gideon. É a Chefona.
A cabeça de todo mundo se vira para ela num salto – a minha também, mas eu me controlo e disfarço o gesto como se estivesse tentando limpar uma mancha que tivesse acabado de descobrir na parede acima da minha cabeça. Agora, com certeza todo mundo está completamente confuso. Eles haviam imaginado que estavam propondo exatamente o que ela queria, exatamente o que ela mesma estava planejando propor na reunião. Eu também pensei. Já a vi mandar homens da metade do tamanho de McMurphy lá para cima para a Enfermaria dos Perturbados pela única razão de que poderiam cuspir em alguém; agora, ela está a braços com este homem que é um touro, que deu marradas nela e em todo o resto do pessoal, um cara que ela quase afirmou que deveria mudar de enfermaria, naquela tarde, e ela diz que não.
– Não. Eu não concordo. Absolutamente não. – Sorri para todos eles. – Não concordo que ele deva ser mandado para a Enfermaria dos Perturbados, isto seria simplesmente uma maneira fácil de transferir nosso problema para uma outra ala. E não concordo que ele seja uma espécie qualquer de ser extraordinário… uma espécie de "super" psicopata.
Ela espera, mas ninguém está disposto a discordar. Pela primeira vez toma um gole do café; a xícara se afasta de sua boca manchada com aquela cor vermelho-laranja. Olho fixo para a borda da xícara, a despeito de mim. Aquela cor na borda da xícara tem de ser de calor, o toque dos seus lábios fez a beira da xícara ficar em brasa.
– Admitirei que a minha primeira impressão, quando comecei a considerar o Sr. McMurphy como a força perturbadora que é, foi de que ele deveria definitivamente ser transferido para a Enfermaria dos Perturbados. Mas agora creio que é tarde demais. Sua transferência desfaria o dano que ele já causou a nossa enfermaria? Não creio que se ele fosse mandado para os Perturbados agora, seria exatamente o que os pacientes esperariam. Ele seria um mártir para eles. Nunca teriam a oportunidade de ver que este homem não é um, como o senhor o define, Sr. Gideon?, "uma pessoa extraordinária".