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Ela toma mais um gole e coloca a xícara na mesa; a pancada soa como uma martelada; todos os três residentes se empinam nas cadeiras.

– Não – continua ela. – Ele não é extraordinário. É simplesmente um homem e nada mais, e está sujeito a todos os medos, e toda a covardia, e toda a timidez às quais qualquer outro homem está sujeito. Se dermos mais alguns dias, tenho a forte impressão de que demonstrará isso, tanto para nós como para o resto dos pacientes. Se o mantivermos conosco tenho certeza de que sua impudência cederá, sua rebelião pessoal se transformará em nada, e – ela sorri, sabendo de alguma coisa que ninguém mais sabe – o nosso herói ruivo se reduzirá a uma coisa que todos os pacientes reconhecerão e da qual perderão o respeito: um fanfarrão e um valentão, do tipo que é capaz de subir numa caixa de sabão e gritar para que os outros o sigam, da maneira como vimos o Sr. Cheswick fazer, e então recuar no momento em que surgir qualquer perigo verdadeiro para ele pessoalmente.

– O paciente McMurphy – o rapaz do cachimbo sente que deve tentar defender sua posição e salvar um pouco da aparência – não me parece ser um covarde.

Fico achando que ela vai ficar zangada; mas ela apenas lhe lança aquele olhar "vamos esperar para ver" e diz:

– Eu não disse que ele era exatamente um covarde, Sr. Gideon; oh, não. Ele apenas gosta muito de alguém. Como psicopata, ele gosta do Sr. Randle Patrick McMurphy demais para sujeitá-lo a qualquer perigo desnecessário. – Ela dirige ao rapaz um sorriso que lhe apaga definitivamente o cachimbo.

– Se apenas esperarmos um pouco, o nosso herói, como é que vocês universitários dizem?, vai correr da raia? É isso?

– Mas isso pode levar semanas – retruca o rapaz.

– Nós temos semanas – diz ela. Levanta-se, parecendo mais satisfeita consigo mesma do que já a vi desde que McMurphy chegou para perturbá-la, há uma semana. – Nós temos semanas, ou meses ou até anos se necessário. Tenha em mente que o Sr. McMurphy está internado. A duração do tempo que ele passará aqui neste hospital cabe inteiramente a nós decidir. Agora, se não há mais nada…

* * *

A maneira como a Chefona agiu, tão cheia de confiança, naquela reunião, me preocupou durante algum tempo, mas não fez qualquer diferença para McMurphy. Durante todo o fim de semana, e na semana seguinte, ele foi tão duro com ela e com os negros como sempre, e os pacientes estavam adorando aquilo. Ele ganhara a aposta. Fizera a enfermeira perder a cabeça, como disse, e havia recebido o prêmio, mas aquilo não o fez parar de seguir em frente e de agir como sempre agira, gritando pelo corredor de um lado para outro, ridicularizando os crioulos, frustrando todo o pessoal do hospital, indo tão longe a ponto de se aproximar da Chefona, uma vez, no corredor, e lhe perguntar se ela não se importaria de dizer qual era a medida real, polegada por polegada, dos seus grandes peitos, que ela fazia o possível para esconder, mas nunca conseguia. Ela continuou andando em frente, ignorando-o do mesmo modo como preferira ignorar a maneira como a natureza a havia marcado com aqueles atributos exagerados de feminilidade, como se ela estivesse acima dele, e do sexo e de tudo aquilo que é fraco e próprio da carne.

Quando ela afixou a distribuição de tarefas no quadro de avisos e ele leu que ela lhe destinara a limpeza das latrinas, foi até o escritório dela, bateu na janela, e lhe agradeceu pessoalmente pela honra, dizendo-lhe que pensaria nela toda vez que limpasse um urinol. Ela lhe respondeu que não era necessário; que apenas fizesse o seu trabalho e aquilo seria o suficiente, obrigada.

O máximo que ele fazia neles era passar uma escova pelos vasos uma ou duas vezes, cantando alguma canção o mais alto que podia no ritmo em que passava a escova; então derramava um pouco de detergente ali dentro e pronto, estava acabado.

– Está bastante limpo – dizia ao crioulo que viesse atrás dele para espionar a maneira apressada como executava o trabalho. – Talvez não esteja limpo o suficiente para algumas pessoas, mas eu pretendo mijar dentro deles e não comer neles.

E quando a Chefona cedeu às reclamações do crioulo frustrado e veio examinar pessoalmente o trabalho de limpeza de McMurphy, ela trouxe o espelhinho de um estojo e o colocou sob a borda dos vasos. Foi andando, sacudindo a cabeça e dizendo:

– Ora, isto é uma lástima… uma lástima – para cada vaso que examinava.

McMurphy ia caminhando bem ao lado dela, piscando o olho e dizendo à guisa de resposta:

– Não, isto é uma latrina de banheiro… latrina de banheiro.

Mas ela não se descontrolou, nem mesmo deu a impressão disso. Não o deixaria em paz com as latrinas, usando aquela mesma terrível pressão lenta e paciente que usava com todo mundo, enquanto ele ficava de pé, ali na frente dela, parecendo um menino ao ser repreendido, baixando a cabeça e pondo a ponta de uma bota sobre a outra, dizendo: "Eu tento e tento, dona, mas creio que nunca conseguirei fazer pontos como o primeiro dos merdeiros."

Uma vez ele escreveu uma coisa num pedaço de papel, numa escrita estranha que parecia um alfabeto estrangeiro, e prendeu com um pedaço de chiclete sob uma daquelas bordas do vaso; quando ela foi até aquela latrina com o espelho, teve um pequeno sobressalto diante do que leu refletido e deixou o espelho cair dentro da latrina. Mas não perdeu o controle. Aquela cara e aquele sorriso de boneca haviam sido forjados na confiança. Ergueu-se de junto da latrina e lançou-lhe um olhar que seria capaz de descascar uma pintura. Disse-lhe que o seu trabalho era de tornar o banheiro mais limpo e não mais sujo.

Na realidade, não havia muita limpeza, de nenhuma espécie, sendo feita na ala. Tão logo chegava a hora da tarde marcada para faxina, também era hora dos jogos de beisebol na TV, e todo mundo ia e enfileirava as cadeiras diante do aparelho e não saía de lá até a hora do jantar. Não fazia qualquer diferença que a eletricidade estivesse desligada na Sala das Enfermeiras e que não pudéssemos ver nada além daquela tela cinzenta, vazia, porque McMurphy nos divertia durante horas, sentava e falava, contava todo tipo de histórias, como, por exemplo, como ele tinha ganhado mil dólares em um mês dirigindo um caminhão para uma turma de trapaceiros e depois perdido cada centavo para um canadense num torneio de atirar machado; ou como ele e um companheiro haviam convencido um cara com uma boa conversa, a montar um touro brama num rodeio em Albany, e montá-lo usando uma venda nos olhos: "Não o touro, eu quero dizer, o cara é que usava a venda." Eles disseram ao cara que a venda o impediria de ficar tonto quando o touro começasse a corcovear; então, quando amarraram uma faixa nos olhos dele de forma que nada pudesse ver, puseram-no no dorso do touro, montado de costas. McMurphy contou essa história umas duas vezes e batia na coxa com o gorro e ria todas as vezes que se lembrava. "De olhos vendados e montado ao contrário… E eu sou um filho da puta se ele não se agüentou o tempo todo e ganhou o prêmio. E eu fiquei em segundo lugar; se ele tivesse sido derrubado eu teria ganho o prêmio e ficado em primeiro lugar. Juro que, da próxima vez que eu der um golpe desses, vou é vendar os olhos do maldito do touro."

Batia com o pé no chão e atirava a cabeça para trás, rindo, rindo, enfiando o polegar nas costelas de quem quer que estivesse sentado perto dele, tentando fazer o outro rir também.

Houve ocasiões naquela semana em que eu ouvia aquela risada alta e o observava a coçar a barriga, espreguiçar-se e bocejar, inclinando-se para trás para piscar o olho para a pessoa com quem estivesse brincando, tudo aquilo com tanta naturalidade como a respiração, e eu até parava de me preocupar com a Chefona e com a Liga que a apoiava. Pensava que ele era suficientemente forte para ser ele mesmo, que ele nunca recuaria da maneira como ela esperava que o fizesse. Eu pensava que, talvez, ele realmente fosse algo de extraordinário. Ele é o que é, é isso. Talvez isto o torne bastante forte, o fato de ser aquilo que ele é. A Liga não pôde apanhá-lo durante todos esses anos; que é que faz a enfermeira pensar que ela será capaz de fazê-lo numas poucas semanas? Ele não vai deixar que eles o pervertam e o manipulem.

E mais tarde, escondendo-me dos crioulos no banheiro, eu olhava para mim mesmo no espelho e me perguntava maravilhado como era possível que alguém pudesse conseguir fazer uma coisa tão enorme como ser o que ele era. Lá estava o meu rosto no espelho, moreno e duro, com as maçãs do rosto grandes e altas como se as bochechas sob elas tivessem sido arrancadas a machadadas, os olhos negros e duros, de expressão maligna, iguaizinhos aos de papai ou aos olhos de todos esses índios de aparência dura e má que a gente vê na televisão, e eu pensava, esse não sou eu, esse não é o meu rosto. Não era eu nem quando eu estava tentando ser aquele rosto. Eu não era nem eu realmente, naquela época; eu estava apenas sendo do jeito que eu aparentava ser, do jeito que as pessoas queriam. Não me parece que eu jamais tenha sido eu. Como é que McMurphy consegue ser ele mesmo?

Eu o estava olhando de maneira diferente de quando ele chegou; estava vendo mais coisas nele do que apenas mãos grandes e costeletas ruivas e um sorriso de nariz quebrado. Eu o via fazer coisas que não combinavam com o seu rosto ou com suas mãos, coisas como pintar na Terapia Ocupacional com tintas de verdade, num papel em branco sem traços ou números para lhe dizer onde pintar, ou como escrever cartas para alguém com uma bela caligrafia, toda floreada. Como podia um homem com a cara dele pintar quadros ou escrever cartas para pessoas, ou ficar aborrecido e preocupado, como o vi ficar uma vez, quando recebeu uma resposta? Este tipo de coisas era as que se esperavam de Billy Bibbit ou de Harding. Harding tinha mãos que aparentemente deveriam ter feito quadros, embora elas nunca os tenham feito. Harding prendia as mãos e as forçava a serrar tábuas para casas de cachorros. McMurphy não era assim. Ele não deixara que sua aparência dirigisse sua vida de uma maneira ou de outra, da mesma forma como não deixaria a Liga triturá-lo para o encaixar onde queriam que ele se encaixasse.