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– Boa tarde, Sra. Harding – diz McMurphy. Ela lhe dá um sorriso mais largo ainda e diz.

– Eu detesto Sra. Harding, Mack; por que não me chama de Vera?

Os três se sentam no sofá onde Harding se encontrava, e ele conta à esposa coisas sobre McMurphy e como McMurphy levou a melhor sobre a Chefona. Ela sorri e diz que aquilo não a surpreende nem um pouco. Enquanto Harding está contando a história, ele se entusiasma e se esquece das mãos, e elas fazem uma trama no ar diante dele, num quadro suficientemente claro para que se possa vê-las dançando a história no ritmo da sua voz como duas lindas bailarinas de branco. As mãos dele podem ser qualquer coisa. Mas tão logo a história acaba, ele percebe que McMurphy e a esposa estão observando as mãos, e ele as aprisiona entre os joelhos. Ele ri daquilo e a esposa lhe diz:

– Dale, quando é que você vai aprender a rir em vez de dar esse guinchado de rato?

É a mesma coisa que McMurphy disse sobre o riso de Harding naquele primeiro dia, mas de alguma forma é diferente; enquanto que o fato de McMurphy dizê-lo acalmou Harding, o fato de ela dizer o mesmo o tornou mais nervoso do que nunca.

Ela pede um cigarro, e Harding torna a enfiar os dedos no bolso e o sente vazio.

– Estão sendo racionados – diz ele, dobrando os ombros magros para frente como se estivesse tentando esconder o cigarro fumado pela metade que está segurando: – um maço por dia. Isso não parece deixar qualquer margem de cavalheirismo para um homem, Vera, minha querida.

– Oh, Dale, você nunca tem o suficiente, não é? Os olhos dele assumem aquela expressão maliciosa, caprichosa e febril enquanto olha para ela e sorri.

– Estamos falando simbolicamente, ou ainda estamos lidando com os cigarros concretos de aqui e agora? Não importa; você sabe a resposta à pergunta, qualquer que seja o sentido que lhe tenha querido dar.

– Eu não quis dar nenhum sentido, exceto exatamente o que disse, Dale…

– E você não quis dar nenhum sentido, doçura; o fato de você ter dito "não quis" e "nenhum" constitui uma dupla negativa. McMurphy, o inglês de Vera rivaliza com o seu em termos de ignorância gramatical. Olhe, querida, compreenda que entre "não" e "nenhum" há…

– Está bem! Chega! Eu quis dizer nos dois sentidos. Eu quis dizer de qualquer maneira que você queira compreender. Eu quis dizer que você nunca tem o suficiente de nada, ponto parágrafo!

– O suficiente de nada, minha criança brilhante. Ela olha com raiva para Harding, por um segundo, então se vira para McMurphy, que está sentado a seu lado.

– Você, Mack, que tal você? Será que pode lidar com uma coisinha simples como oferecer um cigarro a uma garota?

O maço dele já está no colo. Ele olha para o maço como se desejasse que não estivesse ali. Então, diz:

– Claro, eu sempre tenho cigarros. A razão é que sou um malandro. Eu filo sempre que surge uma oportunidade, é por isso que o meu maço dura mais que o de Harding. Ele só fuma os dele. Assim, pode ver como é mais provável que ele fique sem cigarros do que…

– Você não precisa desculpar-se pelos meus defeitos, amigo. Isso não combina com o seu caráter e não favorece o meu.

– Não, mesmo – diz a moça. – Tudo que você tem de fazer é acender o meu cigarro.

E ela se inclina tanto para a frente, em direção ao fósforo, que até do outro lado da sala eu posso ver por dentro do decote da blusa.

Ela fala mais um pouco sobre alguns amigos de Harding que ela desejaria deixassem de aparecer em casa procurando por ele.

– Você conhece o tipo, não é, Mack? – diz ela. – Os rapazes barulhentos, de lindos cabelos compridos, bem penteados, e de punhos frouxos que sacodem com graça. – Harding pergunta-lhe se era só a ele que os rapazes pretendiam ver, e ela responde que qualquer homem que apareça para vê-la sacode mais do que seus malditos punhos frouxos.

Ela se levanta de repente e diz que está na hora de ir. Segura a mão de McMurphy e lhe diz que espera vê-lo novamente, numa outra ocasião, e sai da biblioteca. McMurphy não pode dizer uma palavra. Ao bater dos saltos altos dela a cabeça de todo mundo se levanta, e eles a observam pelo corredor, até que ela vira, saindo de vista.

– Que é que você acha? – diz Harding. McMurphy tem um sobressalto.

– Ela tem um belo par de tetas – é tudo em que ele pode pensar. – Grandes como os da Velha Dama Ratched.

– Não quis dizer fisicamente, amigo, quis dizer o que é que você…

– Que diabo, Harding! – berra McMurphy de repente. – Eu não sei o que pensar! Que é que você quer que eu seja? Um conselheiro matrimonial? Tudo que sei é isso: para começar ninguém é grande mesmo, e me parece que todo mundo passa a vida inteira arrebentando com as outras pessoas. Eu sei o que você quer que eu pense; você quer que eu sinta pena de você, que pense que ela é realmente uma cadela. Bem, você não a fez se sentir como uma rainha, tampouco. Você que se foda com o seu "que é que você acha?" Tenho meus próprios problemas para me preocupar com os seus. Pare com isso! – Ele lança um olhar furioso pela biblioteca, para os outros pacientes. – Todos vocês! Parem de me aporrinhar, merda!

Enfia o gorro na cabeça e volta para a sua revista de histórias em quadrinhos, do outro lado da sala. Todos os Agudos se entreolham boquiabertos. Por que é que ele está berrando com eles! Ninguém o esteve aporrinhando. Ninguém lhe pediu coisa alguma desde que descobriram que ele estava tentando comportar-se para impedir que seu período de internamento fosse aumentado. Agora, estão surpreendidos com o modo como ele acabou de explodir com Hardihg e não conseguem entender a maneira como ele apanha a revista de cima da cadeira, senta-se e a segura no alto bem perto do rosto – ou para impedir as pessoas de olharem para ele ou para não ter de ficar olhando para as pessoas.

Naquela noite, durante o jantar, ele pede desculpas a Harding, e diz que não sabe o que o fez ficar tão furioso na biblioteca. Harding diz que talvez tenha sido a sua esposa; que ela freqüentemente enerva as pessoas. McMurphy, ainda sentado, olhando fixo para o café, diz:

– Não sei, cara. Eu só a conheci hoje de tarde. Assim não pode ser ela que me tem dado sonhos ruins nesta maldita semana que passou.

– Ora, Si - nhô McMurphy! – exclama Harding tentando falar como o rapazinho residente que assiste às sessões. – O senhor simplesmente tem de nos contar seus sonhos. Ah, espere até que eu pegue o meu lápis e um bloco. – Harding está tentando ser engraçado para aliviar a tensão provocada pelo pedido de desculpas. Ele pega um guardanapo e uma colher e faz de conta que vai tomar notas. – Agora diga, o que, exata-mente foi que viu nesses… ah… sonhos?

McMurphy continua sério.

– Não sei, cara. Nada além de rostos, acho… apenas rostos.

Na manhã seguinte, Martini está atrás do painel de controles na Sala da Banheira, brincando como se fosse um piloto de jato. O jogo de pôquer pára, para que os homens riam de sua encenação.

– Eeeeeeaaah HOOoomeerr. Controle de terra para o ar, controle de terra para o ar: objeto à vista do quatro – zero – dezesseis – mil – parece ser um míssil inimigo. Prosseguir imediatamente! Eeeahhoo mmmm.

Gira um botão, empurra uma alavanca para frente e se recosta no assento da aeronave. Ele aciona uma manivela até "Força Total", no lado do painel, mas não sai uma gota sequer de água dos bocais espalhados em todo o quadrado de ladrilhos a sua frente. Não usam mais hidroterapia. Ninguém ligou a água. O equipamento cromado, novo em folha, e o painel de aço nunca foram usados. Exceto pelos cromados, o painel e o chuveiro são iguais aos equipamentos de hidroterapia que eles usavam no antigo hospital, há 15 anos: bocais capazes de alcançar partes do corpo de qualquer ângulo, um técnico com um avental de borracha de pé do outro lado da sala, manipulando os controles do painel, dizendo quais os bocais a lançarem o jato, para onde, com que força, a que temperatura – o chuveiro aberto ora suavemente e tranqüilizador, ora forte, penetrante como uma agulha – você pendurado ali, entre os bocais, por tiras de lona, encharcado, frouxo e enrugado, enquanto o técnico se divertia com o brinquedo.

– Eee aa ooo oo mmm … Ar para o controle de terra, ar para o controle de terra! Míssil avistado; vindo para o meu raio de visão agora…

Martini se abaixa, fecha um dos olhos e faz pontaria através do anel de bocais.

– Na mira! Pronto… Apontar… Fo…

As mãos dele saltam para trás, soltando-se do painel, e ele fica de pé, bem ereto, o cabelo esvoaçando e os olhos arregalados para o chuveiro, tão transtornado e assustado que todos os jogadores de cartas se viram nas cadeiras para ver também o que ele viu – mas nada vêem ali, exceto as fivelas de metal penduradas entre os bocais nas tiras duras de lona bem nova.

Martini vira-se e olha direto para McMurphy. Para mais ninguém.

– Você não os viu? Não viu?

– Vi quem, Mart? Não vejo nada.

– Naquelas tiras? Não viu? McMurphy olha para o chuveiro.

– Não. Não vejo nada.

– Espere um minuto. Eles precisam que você os veja – diz Martini.

– Dane-se, Martini, já disse que não posso vê-los! Compreende? Não vejo diabo de coisa nenhuma!

– Ah – diz Martini. Ele balança a cabeça concordando e dá as costas para o chuveiro. – Bem, eu também não os vi. 'Tava só brincando com você.

McMurphy corta o baralho e o embaralha com um movimento brusco.

– Bem… eu não gosto desse tipo de brincadeira, Mart. – Ele corta para embaralhar de novo, e as cartas voam para todos os lados, como se o baralho tivesse explodido entre suas mãos trêmulas.

Eu me lembro de que foi novamente numa sexta-feira, três semanas depois que fizemos a votação sobre a TV, e todo mundo que podia andar foi levado para o Prédio Um, para, conforme eles nos disseram, uma abreugrafia, para tuberculose, mas eu sei que foi para verificar se o equipamento de todo mundo estava funcionando direito.