Agora, o pessoal, bem, eles consideram Ruckly um de seus fracassos, mas não tenho certeza de como ele poderia estar melhor, se a instalação tivesse sido perfeita. As instalações que eles fazem, atualmente, em geral são bem sucedidas. Os técnicos adquiriram mais habilidade e experiência. Nada mais de buracos de botões na testa, nenhum corte mesmo – eles vão através das cavidades dos olhos. Às vezes, um cara vai até lá para fazer tratamento, deixa a enfermaria furioso e louco e xingando o mundo inteiro, e volta poucas semanas depois, com os olhos roxos, cobertos de hematomas, como se tivesse tomado parte numa briga de socos, e é a coisa mais doce, mais boazinha, mais bem comportada que jamais se viu. Ele talvez até vá para casa dentro de um mês ou dois, com um chapéu bem puxado sobre o rosto de um sonâmbulo, vagueando por um sonho simples e feliz. Um sucesso, eles dizem, mas digo que ele é apenas mais um robô para a Liga e estaria melhor se fosse um fracasso como Ruckly, sentado ali, revirando e babando em cima da fotografia. Ele nunca faz nada de muito diferente. O crioulo Pigmeu vez por outra consegue arrancar-lhe uma reação violenta quando, inclinando-se bem perto dele, pergunta: "Ei, Ruckly, que é que você imagina que a sua mulherzinha esteja fazendo na cidade hoje à noite?" A cabeça de Ruckly se levanta. A memória sussurra em algum lugar naquele aparelho danificado. Ele fica vermelho e as veias saltam num lado da testa. Isto o incha de tal maneira que ele mal pode emitir um som estrangulado na garganta. Uma baba começa a escorrer-lhe pelo canto da boca, de tal maneira ele força o maxilar para dizer alguma coisa. Quando finalmente chega ao ponto em que pode dizer alguma coisa, é um ruído baixo e estrangulado que se ouve, capaz de arrepiar a pele da gente: "Fffffffoda a mulher! Ffffffoda a mulher!", e desmaia direto por causa do esforço.
Ellis e Ruckly são os Crônicos mais jovens. O Coronel Matterson é o mais velho, um velho soldado petrificado de cavalaria da Primeira Guerra Mundial, que é dado a levantar, com a bengala, as saias das enfermeiras que passam, ou a ensinar uma espécie de história saída do texto na sua mão esquerda para qualquer um que queira ouvir. É o mais velho da enfermaria, mas não o que está aqui há mais tempo – a esposa dele o internou há apenas alguns anos, quando chegou ao ponto em que não tinha mais condições de cuidar dele.
Sou eu o que está aqui na enfermaria há mais tempo, desde a Segunda Guerra Mundial. Estou aqui há mais tempo que qualquer outra pessoa. Mais tempo que qualquer dos outros pacientes. A Chefona está aqui há mais tempo que eu.
Os Crônicos e os Agudos geralmente não se misturam. Cada grupo fica do seu lado na enfermaria, da maneira como os crioulos querem. Os crioulos dizem que é mais arrumado assim e dão a entender a todo mundo que é assim que querem que continue. Eles nos levam para lá depois do café e observam a separação dos grupos e movem a cabeça com satisfação. "É isso mesmo, senhores, é assim mesmo. Agora mantenham desse jeito."
Na realidade não há muita necessidade de eles dizerem coisa alguma, porque, a não ser por mim, os Crônicos não se movimentam para onde quer que seja, e os Agudos dizem que prefefem mesmo ficar lá no lado deles, alegando que o lado dos Crônicos fede mais que fralda suja. Mas eu sei que não é tanto o fedor que os mantém longe do lado dos Crônicos, mas o fato de que não gostam de ser lembrados de que ali está o que pode vir a acontecer com eles qualquer dia. A Chefona percebe esse medo e sabe como explorá-lo; ela deixará claro para um Agudo, sempre que ele se emburre: "Vocês, meninos, sejam bons meninos e cooperem com a política do pessoal que tem em mente a sua cura, ou vocês acabarão ali, naquele lado."
(Todo mundo na enfermaria terá orgulho da maneira como os pacientes cooperam. Nós recebemos uma plaqueta de metal presa num pedaço de bordo que vem gravado assim: PARABÉNS POR SE DAREM BEM COM O MENOR NÚMERO DE FUNCIONÁRIOS DE QUALQUER DAS ENFERMARIAS DO HOSPITAL. É um prêmio pela cooperação. Fica pendurada bem em cima do livro de registro, exatamente no meio, entre os Crônicos e os Agudos.)
Essa nova Admissão, o ruivo, McMurphy, sabe muito bem que não é um Crônico. Depois de ter examinado a enfermaria por um minuto, ele vê que está destinado ao lado dos Agudos e vai direto para lá, sorrindo e apertando as mãos de todo mundo que encontra. De início, vejo que ele está fazendo todo mundo do lado de lá sentir-se pouco à vontade, com todas as suas brincadeiras e palhaçadas e com a maneira atrevida com que grita com o crioulo, que ainda está atrás dele com um termômetro, e especialmente com aquela sua grande risada aberta. Os indicadores tremem no painel de controles com o seu ressoar. Os Agudos ficam com um ar assustado e inquieto quando ele ri, assim como ficam as crianças numa sala de aula quando algum garoto está fazendo bagunça demais, com a professora fora da sala. Elas estão todas com medo de que a professora possa voltar de repente, e meter na cabeça que todos eles têm de ficar de castigo depois. Estão todos se remexendo, agitando-se, em reação aos indicadores no painel de controle; vejo que McMurphy percebe que está fazendo com que se sintam inquietos, mas ele não deixa que isso o detenha.
– Porra, mas que coleção de caras mais tristes. Vocês aí não me parecem assim tão loucos. – Ele tenta fazer com que eles se descontraiam, assim como a gente vê um leiloeiro que diz piadas para descontrair o público antes de começar o pregão. – Qual de vocês alega ser o mais louco? Qual é o maior lunático? Quem dirige estes jogos de cartas? É o meu primeiro dia, e o que gosto de fazer é causar uma boa impressão logo de início no homem certo, se ele me puder provar que é o homem certo. Quem é o ganso machão de doidos?
Está dizendo isso diretamente para Billy Bibbit. Ele se inclina e olha fixo com tanta dureza para Billy que este se sente compelido a gaguejar que ele ainda não é o gan-gan-gan-so macho dos doidos, embora seja o próximo na li-li-linha de sucessão para o posto.
McMurphy estende a manopla para baixo na frente de Billy, e Billy não pode fazer outra coisa senão apertá-la.
– Bem, companheiro – diz ele a Billy -, estou realmente satisfeito que você seja o próximo na li-linha para o posto, mas uma vez que estou pensando em assumir o comando deste espetáculo inteiro eu mesmo, de ponta a ponta, talvez seja melhor eu falar com o homem de cima. – Ele olha em volta, até onde alguns Agudos pararam de jogar cartas, cobre uma das mãos com a outra e estala os dedos todos de uma vez. – Estou querendo ser, sabe, companheiro, uma espécie de magnata da jogatina nesta enfermaria, incrementar um vinte-e-um violento. Assim, é melhor você me levar ao seu chefe e nós vamos resolver quem vai ser o machão aqui dentro.
Ninguém sabe ao certo se este homem, forte como um touro, com a cicatriz e o sorriso selvagem, está fazendo uma simples encenação ou se é suficientemente louco para estar de acordo com a maneira como fala, ou ambas as coisas, mas eles estão começando a divertir-se com as tiradas dele. Observam, enquanto ele fecha aquela grande mão vermelha no braço magro de Billy, esperando para ver a resposta de Billy. Billy percebe que agora cabe a ele quebrar o silêncio, assim olha em volta e escolhe um dos jogadores de pinocle:
– Harding – diz Billy. – Acho que seria você. Você é o presidente do Conselho de Pa-Pa-Pacientes. Es-Es-este homem quer falar com você.
Agora os Agudos estão sorrindo, já não mais tão inquietos, satisfeitos porque algo fora da rotina está acontecendo. Todos riem de Harding, perguntam-lhe se é o machão dos maníacos. Ele põe as suas cartas na mesa.
Harding é um homem simplório e nervoso, com um rosto que às vezes faz a gente pensar que já o viu no cinema, um rosto bonito demais para ser apenas um qualquer na rua. Ele tem ombros largos e magros e os curva sobre o peito quando está tentando esconder-se dentro de si mesmo. Tem mãos tão compridas, brancas e elegantes que acho que elas se esculpiram uma à outra de um bloco de sabão, e às vezes elas se soltam e flutuam no ar na frente dele, livres como dois passarinhos brancos, até que ele perceba e as prenda entre os joelhos; desagrada-lhe o fato de ter mãos bonitas.
Ele é o presidente do Conselho de Pacientes, porque tem um papel que diz que se formou numa universidade. O papel está numa moldura e fica na sua mesinha de cabeceira, ao lado de um retrato de uma mulher de maiô que também parece que a gente já viu no cinema – tem uns seios muito grandes e está segurando a parte de cima do maiô sobre eles com os dedos, e olhando de esguelha para a câmara. A gente pode ver Harding sentado numa toalha atrás dela, parecendo muito magricela nos seus calções, como se ele estivesse esperando por algum sujeito grandalhão para chutar areia em cima dele. Harding se gaba muito de ter uma mulher daquelas como esposa, diz que ela é a mulher mais sexy do mundo e que ela não se cansa de tê-lo todas as noites.
Quando Billy o aponta, Harding se recosta na cadeira e assume um ar de importância, fala para cima, para o teto, sem olhar nem para Billy nem para McMurphy.
– Por acaso este… cavalheiro tem entrevista marcada, Sr. Bibbit?
– O senhor tem entrevista marcada, Sr. McM-m-murphy? O Sr. Harding é um homem ocupado, ninguém o vê sem ter hora ma-marcada.
– Esse homem ocupado, o Sr. Harding, ele é o machão dos malucos? – Ele olha para Billy com um olho e Billy concorda abanando a cabeça para cima e para baixo bem depressa; Billy está deliciado com toda a atenção que está recebendo.
– Então diga ao machão dos doidos Harding que R. P. McMurphy está esperando para vê-lo, porque este hospital não é bastante grande para nós dois. Estou acostumado a ser o chefe. Fui um machão de conversador de trouxas pra tudo que foi tramóia entre os madeireiros, no noroeste, e machão dos jogadores durante a guerra na Coréia e fui até o maior mondadeiro de ervilhas naquela plantação em Pendleton – assim, creio que se estou condenado a ser um lunático, então estou destinado a ser um que seja mesmo bom. Diga a esse Harding que ou ele me enfrenta de homem para homem ou ele é um garganta esculhambada e é melhor que esteja fora da cidade antes do pôr do sol.