Ficamos sentados num banco, numa longa fileira, num corredor que leva a uma porta que tem uma placa onde se lê RAIOS X. Perto dessa sala há uma porta onde está escrito OTORRINO. Ali eles examinam a nossa garganta no inverno. Do outro lado do corredor há um outro banco, e ele leva àquela porta de metal. Com a fileira de rebites. E nada escrito nela. Dois homens estão cochilando no banco, entre dois crioulos, enquanto outra vítima lá dentro está recebendo tratamento, e posso ouvi-la a gritar. A porta se abre para dentro com o som de uma rajada de vento, e posso ver os tubos cintilantes na sala. Eles vêm empurrando a vítima para fora, e eu me agarro ao banco onde me encontro sentado para não ser sugado por aquela porta. Um crioulo e um branco arrastam um dos homens do banco e o botam de pé, ele oscila e cambaleia sob o efeito das drogas que tomou. Geralmente nos dão comprimidos vermelhos antes do Choque. Eles o empurram porta adentro, e os técnicos o seguram pelos braços. Por um segundo vejo que ele percebe para onde o levaram, e enrijece os calcanhares contra o cimento do chão, tentando impedir que o empurrem para a mesa. Então a porta é fechada, paft, com o metal batendo no acolchoado e não o vejo mais.
– Homem, que é que eles estão fazendo lá dentro? – pergunta McMurphy a Harding.
– Lá? Ora, é isso mesmo, não é? Você ainda não teve o prazer. Pena. É uma experiência que nenhum ser humano devia deixar de conhecer. – Harding cruza os dedos na nuca e se recosta para olhar para a porta. – Aquilo é a Sala de Choque, de que eu lhe falei há algum tempo, amigo, a TE, Terapia de Eletrochoque. Aquelas almas afortunadas lá dentro estão recebendo uma viagem à Lua de graça. Não, pensando bem, não é completamente gratuita. Você paga pelo serviço com células cerebrais em vez de dinheiro, e todo mundo tem simplesmente bilhões de células cerebrais disponíveis. Você não sentirá falta de algumas delas. – Ele franze o cenho para o homem sozinho, sentado no banco. – Clientela não muito grande, hoje, ao que parece, nada como as multidões do ano passado. Mas, enfim, c'est la vie, as modas vêm e vão. E eu creio que estamos testemunhando o crepúsculo da TE. A nossa querida Chefona é uma das poucas com coragem para defender uma grande e antiga tradição faulkneriana no tratamento dos refugos da sanidade: Cremação de Cérebro.
A porta se abre. Uma cama Gurney sai zumbindo, sem ninguém para empurrá-la, faz a curva em duas rodas e desaparece, soltando fumaça, pelo corredor acima. McMurphy observa levarem o último para dentro e fecharem a porta.
– O que eles fazem é – McMurphy ouve um momento – levar um cara qualquer lá para dentro e ligar eletricidade através do cérebro dele?
– Esta é uma forma concisa de descrevê-lo.
– Mas para que, diabo?
– Ora, para o bem do paciente, é claro. Tudo que é feito aqui é para o bem do paciente. Você às vezes pode ter a impressão, por ter vivido apenas na nossa ala, de que o hospital é um vasto mecanismo eficiente que funcionaria muito bem se o paciente não fosse obrigado a viver nele, mas isso não é verdade. A TE não é usada sempre como medida punitiva, como a nossa enfermeira usa, e tampouco é puro sadismo por parte do pessoal. Uma quantidade considerável de supostos irrecuperáveis foi trazida de volta ao contato com choques, exatamente como uma quantidade de outros foi ajudada com lobotomia. O tratamento de choque, tem algumas vantagens; é barato, rápido, inteiramente indolor. Ele simplesmente induz um acesso.
– Que vida! – geme Sefelt. – Dão comprimidos a alguns de nós para acabar um acesso, dão choque no resto para começar outro.
Harding inclina-se para a frente para explicar a McMurphy.
– Foi assim que começou: dois psiquiatras estavam visitando um matadouro, Deus sabe por que razão perversa, e observavam o gado ser morto por uma pancada, entre os olhos, dada com uma marreta. Notaram que nem todos morriam. Alguns caíam no chão num estado que se assemelhava muito a uma convulsão epilética. "Ah, azim"', diz o primeiro médico. "Izo é exatamente o que nós precisamos para os nozos pacientes: o azesso induzido." O colega concordou, é claro. Sabia-se que homens saindo de uma convulsão epilética normalmente se inclinavam a ficar mais calmos e mais tranqüilos durante algum tempo, e que os casos violentos, completamente fora de contato com a realidade, eram capazes de ter conversas racionais depois de uma convulsão. Não, ninguém sabia por quê; e ainda não sabem. Mas era óbvio que, se um acesso pudesse ser induzido em não epiléticos, poderiam advir grandes benefícios. E ali, diante deles, estava um homem induzindo acessos regularmente, e com uma serenidade notável.
Scanlon diz que pensava que o cara usava um martelo em vez de uma bomba, mas Harding nem toma conhecimento do que ele diz e continua com a explicação.
– Uma marreta é o que o açougueiro usava. E foi com relação a isso que o colega tinha certas reservas. Afinal, um homem não era uma vaca. E depois, a marreta poderia errar o alvo e quebrar um nariz. Até arrancar uma porção de dentes. Então como é que eles ficariam com o alto custo do tratamento dentário? Se iam bater na cabeça de um homem, precisavam usar alguma coisa mais segura e mais precisa do que uma marreta; finalmente se decidiram pela eletricidade.
– Jesus, não pensaram que poderiam causar algum dano? O público não fez um escarcéu por causa disso?
– Não creio que você tenha compreendido bem o público, meu amigo; neste país, quando alguma coisa não funciona, a maneira mais rápida de consertá-la é sempre a melhor.
McMurphy sacode a cabeça.
– Que horror! Eletricidade na cabeça. Cara, isso é como eletrocutar um sujeito por homicídio.
– As razões de ambas as atividades estão muito mais estreitamente relacionadas do que você imagina; ambas visam à cura.
– E você diz que não dói?
– Eu garanto por experiência. É completamente indolor. Um choque e você fica inconsciente imediatamente. Não há gás, nem injeção, nem marreta. Absolutamente indolor. O negócio é que ninguém quer levar mais um outro. Você… muda. Você esquece coisas. É como se – ele aperta as mãos contra as têmporas, fechando os olhos – o choque desse partida a um carrossel de imagens loucas, emoções e lembranças. Como esses jogos que você já viu nos parques de diversões: o vendedor recebe a sua aposta e aperta um botão. Chang! Com luz, som e números girando, girando num torvelinho, e talvez você ganhe com o que você vier a receber, e talvez perca e tenha de jogar outra vez. Pague ao homem para mais uma rodada, filho, pague ao homem.
– Calma, Harding.
A porta se abre e a cama Gurney torna a surgir com o cara sob o lençol, e os técnicos saem para tomar café. McMurphy passa a mão pelo cabelo.
– Acho que não sou capaz de compreender todo esse negócio que está acontecendo bem na minha cabeça.
– Que é? Esse tratamento de choque?
– Sim. Não, não apenas isso. Tudo isso… – ele move a mão num círculo. – Todas essas coisas que estão acontecendo.
A mão de Harding toca o joelho de McMurphy.
– Ponha a sua mente perturbada à vontade, amigo. Segundo todas as probabilidades, você não precisa se preocupar com a TE. Está quase fora de moda e só é usada em casos extremos, que nenhuma outra coisa parece atingir, como a lobotomia.
– E essa lobotomia? É cortar fora um pedaço do cérebro?
– Você está certo mais uma vez. Está tornando-se muito sofisticado no uso do jargão. Sim, cortar fora o cérebro. Castração do lobo frontal. Creio que uma vez que ela não pode cortar abaixo do cinto, corta acima dos olhos.
– Quer dizer a Ratched?
– Sim, senhor.
– Não pensei que a enfermeira tivesse opinião atuante nesse tipo de coisa.
– Pois ela tem sim.
McMurphy dá a entender que ficaria satisfeito de parar com o assunto sobre choque e lobotomia e volta a falar da Chefona. Pergunta a Harding o que é que ele imagina que esteja errado com ela. Harding, Scanlon e alguns dos outros têm todo tipo de idéias. Conversam durante algum tempo sobre se ela é a raiz de todos os problemas aqui ou não, e Harding diz que ela é a causadora da maioria deles. A maior parte dos outros também pensa assim, mas McMurphy não tem mais tanta certeza. Ele diz que pensou assim há algum tempo, mas que agora não sabe. Diz que não acha que tirá-la do caminho faria realmente muita diferença; diz que há alguma coisa maior por trás de toda aquela confusão e continua para tentar dizer o que é. Finalmente, desiste, quando não consegue encontrar uma explicação.
McMurphy não sabe, mas ele descobriu o que eu percebi há muito tempo já, que não é apenas a Chefona sozinha, mas é a Liga inteira, a Liga de proporções nacionais, que é a força realmente grande, e que a enfermeira é apenas um de seus oficiais de alta patente.
Os outros não concordam com McMurphy. Dizem que sabem qual é o problema e começam a discutir sobre o assunto. Discutem até que McMurphy os interrompe:
– Que diabo, prestem só atenção ao que vocês estão dizendo. Só ouço reclamações e reclamações. A respeito da enfermeira, ou do pessoal ou do hospital. Scanlon quer bombardear o negócio inteiro. Sefelt põe a culpa nas drogas. Fredrickson culpa seus problemas de família. Bem, vocês só estão é transferindo o problema.
Ele diz que a Chefona é apenas uma velha amarga e sem coração, e que todo aquele negócio de tentar fazê-lo defrontar-se com ela é um monte de merda – que não faria bem a ninguém, especialmente a ele. O fato de se livrarem dela não significa que se livrariam do verdadeiro e profundo distúrbio emocional que está causando as reclamações.