Ela vestia uma camiseta branca, igual à de McMurphy, só que muito menor, usava tênis brancos e calças Levis cortadas acima dos joelhos para maior liberdade de movimentos, e não parecia que aquilo fosse material suficiente, considerando-se o que havia para ser coberto. Ela já devia ter sido vista com muito menos por muito maior número de homens, mas, naquelas circunstâncias, começou a se remexer meio sem graça, como uma colegial num palco. Ninguém falou enquanto olhava. Martini realmente murmurou que se podia ler a data das moedas nos bolsos das calças dela, de tão justas que estavam, mas ele estava mais porto e podia ver melhor do que qualquer um de nós.
Billy Bibbit foi o primeiro a dizer alguma coisa em voz alta, não uma palavra, realmente, só um assovio baixo e doloroso que descrevia como ela tinha melhor aparência do que qualquer outra pessoa. Ela riu e lhe disse muito obrigado, e ele corou e ficou tão vermelho que ela também corou junto com ele e tornou a rir. Aquilo descontraiu o ambiente e pôs as coisas em movimento. Todos os Agudos estavam vindo até o meio da enfermaria, tentando conversar com ela, todos ao mesmo tempo. O médico puxava o paletó de Harding, perguntando quem era aquela. McMurphy levantou-se da cadeira e foi andando pelo meio do alojamento, até onde ela estava, e, quando ela o viu, atirou os braços em torno de seu pescoço e disse:
– Você, seu maldito McMurphy – e então ficou envergonhada e corou de novo.
Quando ela corava não parecia ter mais de 16 ou 17 anos, juro que não.
McMurphy a apresentou a todo mundo e ela apertou a mão de todos. Quando chegou a Billy, agradeceu-lhe novamente pelo assovio. A Chefona veio andando depressa, saindo da sua sala, toda sorridente, e perguntou a McMurphy como ele pretendia enfiar os 10 de nós em um carro, e ele perguntou se não poderia talvez levar emprestado um carro do pessoal e ir dirigindo ele mesmo. A enfermeira citou uma regra proibindo isso, exatamente como todo mundo sabia que ela faria. Disse que a menos que houvesse um outro motorista para assinar um Termo de Responsabilidade, a metade da tripulação teria de ficar. McMurphy disse-lhe que aquilo lhe custaria 50 dólares para cobrir a diferença; que ele teria de reembolsar os que não fossem.
– Então pode ser – disse a enfermeira – que a viagem tenha de ser cancelada… e todo o dinheiro devolvido.
– Eu já aluguei o barco; agora o cara está com 70 pratas do meu dinheiro no bolso!
– Setenta dólares? É? Pensei que tivesse dito aos pacientes que precisava juntar 100 dólares mais 10 seus para financiar a viagem, Sr. McMurphy.
– Eu estava contando com a gasolina nos carros, ida e volta.
– Entretanto, isso não chegaria a 30 dólares, chegaria?
Ela lhe dirigiu um sorriso agradável, esperando. Ele lançou as mãos para o ar e olhou para o teto.
– Puxa vida, a senhora não perde uma oportunidade, não é, Srta. Promotora. Claro, eu estava ficando com o troco. Não acho que nenhum dos caras veja algum problema nisso. Imaginei levar algum pelo trabalho que tive…
– Mas os seus planos não funcionaram – disse ela. Ainda estava sorrindo para ele, tão cheia de simpatia. – As suas pequenas especulações financeiras não podem todas ser sucessos, Randle, e, na realidade, quando penso sobre isso agora, você já teve mais do que lhe cabia em termos de vitórias. – Ela ponderou a respeito daquilo, pensando em alguma coisa que eu sabia que tornaríamos a ouvir mais tarde. – Sim. Todos os Agudos já lhe deram uma promissória por algum "negócio" seu, em uma ocasião ou outra. Assim, não acha que pode suportar esta pequena derrota?
Então ela parou. Viu que McMurphy já não a ouvia mais. Ele estava observando o médico. E o médico olhava para a camiseta da loura como se nada mais existisse. O sorriso malandro de McMurphy se abriu em seu rosto enquanto observava o transe do médico, e ele empurrou o gorro para trás na cabeça e foi andando até ficar do lado do médico, assustando-o ao pôr-lhe a mão sobre o ombro.
– Por Deus, Dr. Spivey, o senhor alguma vez já viu um salmão chinook morder a isca? É uma das cenas mais selvagens dos sete mares. Ei, Candy, favo de mel, por que você não fala ao doutor aqui a respeito de pesca em alto-mar e coisas assim…
Trabalhando juntos, McMurphy e a garota não levaram mais de dois minutos e o médico estava lá trancando o consultório e voltando pelo corredor, enfiando papéis numa maleta.
– Há um bocado de trabalho com a papelada aqui que eu posso fazer no barco – explicou à enfermeira e seguiu adiante, tão depressa que ela não teve nem oportunidade de responder, e o resto da tripulação o seguiu, mais lentamente, sorrindo para ela de pé ali na porta daquela Sala das Enfermeiras.
Os Agudos que não iam reuniram-se na porta da enfermaria. Recomendaram-nos que não trouxéssemos a presa deles antes que estivesse limpa, e Ellis arrancou as mãos dos pregos na parede, apertou a mão de Billy Bibbit e lhe disse para ser um pescador de homens.
E Billy, observando as tachas de metal naquela Levis de mulher piscarem o olho para ele enquanto ela ia saindo da enfermaria, respondeu a Ellis "para o diabo esse negócio de pescador de homens". Ele se juntou a nós junto à porta que o crioulo menor abriu para que saíssemos e depois a trancou, atrás de nós. Estávamos fora, do lado de fora.
O sol, acima das nuvens, iluminava a fachada de tijolos do hospital com uma luz rosa-avermelhada. Uma brisa fraca trabalhava arrancando as poucas folhas que restavam nos carvalhos, empilhando-as de encontro ao arame da cerca anticiclone. Pequenos passarinhos castanhos pousavam na cerca; quando um monte de folhas batia nela, os passarinhos voavam com o vento. De início parecia que as folhas que iam de encontro à cerca transformavam-se em passarinhos e voavam.
Era um belo e enevoado dia de outono, cheio do som de crianças a chutar bolas e de motores de pequenos aviões. Todo mundo deveria estar feliz apenas por estar ao ar livre, num dia assim. Mas todos nós formamos um grupo silencioso, com as mãos nos bolsos, enquanto o médico ia buscar o seu carro particular. Um grupo silencioso observando a gente da cidade que passava nos carros, a caminho do trabalho, e que diminuía a marcha para olhar estupidamente para todos aqueles loucos de uniforme verde. McMurphy viu como estávamos pouco à vontade e tentou colocar-nos num estado de espírito melhor, brincando e implicando com a garota, mas de alguma forma isso fez com que nos sentíssemos pior. Todo mundo estava pensando em como seria fácil voltar para a enfermaria, voltar e dizer que a enfermeira tinha razão; com um vento como aquele, o mar estaria realmente perigoso demais.
O médico chegou, entramos no carro e partimos, eu, George, Harding e Billy Bibbit no carro com McMurphy e a garota, Candy; e Fredrickson, Sefelt, Scanlon, Martini, Tadem e Gregory seguiram no carro do médico. Todo mundo estava terrivelmente quieto. Paramos num posto de gasolina, distante um quilômetro do hospital; o médico nos seguiu. Ele saltou primeiro e o empregado do posto saiu rapidamente, sorrindo e limpando as mãos num trapo. Então ele parou de sorrir e passou pelo médico para ver apenas o que era que estava dentro daqueles carros. Recuou, limpando as mãos no trapo engordurado, franzindo o cenho. O médico agarrou o homem pela manga de maneira nervosa, tirou uma nota de 10 dólares e a enfiou na mão do homem, como se estivesse plantando uma muda de tomate.
– Por favor, quer encher os dois tanques com a comum? – pediu o médico. Ele se sentia tão pouco à vontade fora do hospital como todos nós. – Ah, por favor, sim?
– Esses uniformes – disse o empregado – são daquele hospital lá atrás na estrada, não são? – Ele olhava em volta para ver se não havia uma chave inglesa ou coisa semelhante à mão. Finalmente ele se sentiu mais seguro perto de uma saca de garrafas vazias.
– Vocês aí são daquele asilo?
O médico procurou os óculos desajeitadamente e também olhou para nós, como se tivesse acabado de perceber os uniformes.
– Sim. Isto é, não. Nós, eles são do asilo, mas são uma equipe de trabalho, não doentes internados, é claro que não. Uma equipe de trabalho.
O homem olhou com desconfiança para o médico e para nós e saiu para cochichar com o companheiro, que estava lá atrás no meio das máquinas. Confabularam um minuto, e o segundo sujeito, gritando, perguntou ao médico quem éramos nós. O médico repetiu que éramos uma equipe de trabalho. Os dois caras riram. Eu podia ver, pelo riso deles, que haviam decidido nos vender a gasolina – provavelmente seria fraca, suja e aguada, e custaria o dobro do preço normal – mas aquilo não fez com que me sentisse melhor. Podia ver que todo mundo se estava sentindo muito mal. O fato de o médico ter mentido fez com que nos sentíssemos pior que nunca – não por causa da mentira, nem tanto, mas por causa da verdade.
O segundo cara se aproximou do médico, sorrindo.
– Disse que queria a súú-per, senhor? É claro. E que tal verificarmos o óleo e os limpadores de pára-brisa? – Ele era maior que o amigo. Inclinou-se para o médico como se estivesse contando um segredo. – Acredita que 80% dos carros mostram, por estatísticas feitas na estrada hoje, que precisam de novos filtros de óleo e limpadores de pára-brisa?
O sorriso dele estava coberto de carvão, de anos de tirar velas de ignição com os dentes. Ele continuava inclinado para o médico, fazendo-o contorcer-se sob aquele sorriso, à espera de que ele admitisse que estava numa sinuca.
– Ah, e como é que a sua equipe de trabalho está aparelhada em termos de óculos escuros? Temos uns bons Polaróides. – O médico sabia que fora apanhado. Mas bem no instante em que abriu a boca para entregar os pontos e dizer sim, qualquer coisa, ouve um zumbido e a capota do nosso carro começou a subir. McMurphy xingava a capota sanfonada, tentando empurrá-la para trás mais depressa do que o mecanismo suportava. Todo mundo podia ver que ele estava furioso pelo jeito como socava e batia naquela capota que se levantava lentamente; quando conseguiu que ficasse no lugar, depois de xingar e martelá-la com os punhos, passou por cima da garota, saltou por sobre a porta do carro e foi andando até ficar entre o médico e o empregado do posto e olhou para a boca negra com um olho só.