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– Podemos até ter um grupo de pressão em Washington – dizia Harding. – Uma organização: ANAPI. ( *) Grupos de pressão. Grandes cartazes à beira da estrada, mostrando um esquizofrênico tatibitate dirigindo uma máquina de demolição, com letras coloridas, em tamanho grande: EMPREGUE OS INSANOS. Temos um futuro cor-de-rosa, cavalheiros.

Atravessamos uma ponte sobre o Siuslaw. Havia apenas neblina bastante no ar para que eu pudesse esticar a língua no vento e sentir o gosto do mar antes que pudéssemos vê-lo. Todo mundo sabia que já estávamos perto e não disseram uma palavra durante todo o caminho até o porto.

O comandante que deveria nos levar tinha uma cabeça careca que parecia de metal cinzento apoiada sobre uma gola roulée preta como uma torre de tiro de um submarino; o charuto apagado enfiado na boca nos passou em revista. Ele ficou ao lado de McMurphy no ancoradouro e olhou para o mar enquanto falava. Atrás dele e alguns degraus acima, seis ou oito homens metidos em casacos de couro se encontravam sentados num banco, diante da fachada da loja de iscas. O comandante falava alto, meio para os vadios de um lado, e meio para McMurphy, do outro lado, disparando voz metálica para algum lugar no meio.

– Não me importo. Disse-lhe especificamente na carta. Se você não tem um documento de liberação assinado, isentando-me com as autoridades competentes, eu não saio. – A cabeça redonda girou na torre do seu suéter, baixando o charuto em direção ao nosso grupo. – Olhe aí. Um bando desses no mar, poderia querer saltar sobre a amurada como ratazanas. Os parentes me processariam e me tomariam tudo que tenho. Não posso arriscar.

McMurphy explicou como a outra moça deveria ter apanhado todos aqueles papéis em Portland. Um dos caras encostados na loja de iscas gritou:

– Que garota? A lourinha aí não é capaz de dar conta de vocês todos? – McMurphy não lhe deu a mínima atenção e continuou discutindo com o comandante, mas podia-se ver como aquilo incomodava a garota. Os sujeitos junto da loja continuavam lançando olhares de soslaio para ela, inclinando-se e chegando mais perto uns dos outros para cochichar. Toda a nossa tripulação, inclusive o médico, notou isso e começou a se sentir envergonhada de não fazer alguma coisa. Não éramos aquele grupo atrevido que há pouco estivera lá no posto de gasolina.

McMurphy parou de discutir, quando viu que nada conseguia com o capitão, e virou-se umas duas vezes passando a mão pelo cabelo.

– Qual foi o barco que alugamos?

– É aquele ali. A Cotovia. Homem nenhum põe o pé dentro dele antes que eu tenha um documento assinado me isentando de responsabilidades. Homem nenhum.

– Eu não pretendo alugar um barco para que nós possamos nos sentar o dia inteiro e ficar vendo-o a balançar para cima e para baixo no ancoradouro – disse McMurphy. – Não tem um telefone ali na sua barraca de iscas? Vamos esclarecer esse negócio.

Subiram pesadamente os degraus que levavam à loja de iscas e entraram, deixando-nos agrupados ali sozinhos, com aquele bando de vadios lá em cima a nos observar, fazendo comentários, dando risadinhas e cutucando um ao outro nas costelas. O vento soprava sobre os barcos em suas amarras, fazendo-os bater contra os pneus de borracha molhados, presos ao longo do ancoradouro, de forma que faziam um ruído como se estivessem rindo de nós. A água gargalhava sob os barcos, e a placa pendurada sobre a porta da loja de iscas, que dizia: EQUIPAMENTOS MARÍTIMOS – PROPRIETÁRIO: CAPITÃO BLOCK, estava guinchando e rangendo ao vento que sacudia seus ganchos enferrujados. Os mexilhões agarrados nas estacas, elevando-se um metro acima da água, marcando a linha da maré, assoviavam e estalavam sob o sol. O vento se tornara frio e cortante, Billy Bibbit tirou o casaco verde e o deu à garota. Ela o vestiu sobre a camiseta fina. Um dos vadios continuava gritando:

– Ei, você, lourinha, gosta de garotos bobocas como esses? – Os lábios do homem estavam arroxeados e seu rosto era vermelho sob os olhos, onde o vento havia triturado as veias da superfície. – Ei, você, lourinha – ele continuava gritando repetidamente, numa voz alta e cansada: – ei, você, lourinha… ei, você, lourinha… ei, você, lourinha…

Nós nos agrupamos mais, por causa do vento.

– Diga-me, lourinha, por que é que você foi internada?

– Ahr, ela não foi internada, Perce, ela é parte do tratamento!

– É isso mesmo, lourinha? Você foi contratada como parte do tratamento? Ei, você, lourinha.

Ela levantou a cabeça e nos lançou um olhar que perguntava onde estava aquele grupo esquentado que ela vira, e por que não diziam alguma coisa para defendê-la? Ninguém respondeu ao olhar. Toda a nossa força desafiante havia subido aqueles degraus, com o braço passado em volta do ombro daquele capitão careca.

Ela levantou a gola da jaqueta, apertando-a em volta do pescoço, abraçou os cotovelos e saiu andando pelo ancoradouro para tão longe de nós quanto pôde. Ninguém foi atrás dela. Billy Bibbit tremeu de frio e mordeu o lábio. Os caras da loja de iscas cochicharam alguma outra coisa e se agitaram, dando risadas.

– Pergunte a ela, Perce… ande.

– Ei, lourinha, você conseguiu que assinasse um papel isentando você de responsabilidade junto às autoridades competentes? Estão me dizendo que os parentes poderiam processar, se um dos garotos caísse e se afogasse enquanto estivesse a bordo. Já pensou nisso? Talvez seja melhor você ficar aqui conosco, lourinha.

– É, lourinha, os meus parentes não processariam. Prometo. Fique aqui conosco, lourinha.

Tive a impressão de que podia sentir que meus pés ficavam molhados à medida que o ancoradouro afundava de vergonha na baía. Não estávamos em condições de estar ali fora com gente. Desejei que McMurphy voltasse, xingasse bastante aqueles sujeitos e então nos levasse de volta para o lugar onde devíamos estar.

O homem de lábios arroxeados fechou a faca, levantou-se e limpou os farelos do colo. Começou a andar em direção aos degraus.

– Ora, vamos, lourinha, pra que é que você quer se meter com esses babacas?

Ela se virou e olhou para ele lá da extremidade do ancoradouro, em seguida olhou para nós, e podia-se ver que ela estava pensando na proposta dele quando a porta da loja de iscas se abriu e McMurphy saiu apressadamente. Passando por eles, desceu os degraus.

– Tripulação, embarcar, está tudo resolvido! Combustível e tudo pronto e a bordo há iscas e cerveja.

Ele deu uma palmada no traseiro de Billy, deu uns passos de dança e começou a soltar as cordas de suas amarras.

– O velho Capitão Block ainda está no telefone, mas vamos dar o fora assim que ele sair. George, vamos ver se você consegue esquentar esse motor. Scanlon, você e Harding desamarrem aquela corda ali. Candy! Que diabo você está fazendo aí? Vamos embora, querida, estamos de partida.

Entramos no barco às carreiras, satisfeitos com qualquer coisa que nos levasse para longe daqueles caras enfileirados na loja de iscas. Billy tomou a mão da garota e a ajudou a subir para bordo. George cantarolava sobre o quadro de instrumentos na ponte de comando, mostrando os botões para que McMurphy girasse ou apertasse.

– É esses engulhadores, barquinhos de engulhos, é como os chamamos – disse ele para McMurphy. – São tão fáceis, fáceis como dirigir um carro.

O médico hesitou antes de subir a bordo e olhou em direção à loja onde todos os vagabundos se estavam movendo em círculos em direção aos degraus.

– Não acha, Randle, que seria melhor que esperássemos… até que o capitão…

McMurphy, segurando-o pelas lapelas, levantou-o do ancoradouro, pondo-o dentro do barco como se ele fosse um garotinho.

– Sim, doutor, esperar até que o capitão o quê? - Começou a rir como se estivesse bêbado, falando de maneira agitada e nervosa. – Esperar até que o capitão saia e nos diga que o número de telefone que eu lhe dei é de um bordel em Portland? É claro! Ei, George, anda logo; assuma o comando dessa coisa e nos tire daqui! Sefelt! Solte aquela corda e suba. George, vam'bora!

O motor espocou e morreu, espocou outra vez como se estivesse pigarreando, então rugiu, pegando à toda.

– Ooobaa! Aí vai ele. Dê carvão pra ele, George, e todos os braços a postos para repelir abordagem.

Uma massa branca de fumaça e água ergueu-se da traseira do barco quando a porta da loja de iscas se abriu com estrondo e a cabeça do capitão saiu como uma bala e desceu as escadas como se estivesse arrastando não somente o seu corpo, mas também os dos outros oito vagabundos. Eles vieram correndo pelo ancoradouro e pararam bem no fervilhar de espuma que subia, cobrindo-lhes os pés à medida que George ia virando o grande barco para fora e para longe do ancoradouro, e tínhamos o mar para nós.

Uma guinada repentina no barco atirara Candy de joelhos no chão. Billy a ajudou a levantar-se e tentava ao mesmo tempo desculpar-se pela maneira como havia agido no ancoradouro. McMurphy desceu da ponte de comando e perguntou se eles dois gostariam de ficar a sós de forma que pudessem falar sobre os velhos tempos. Candy olhou para Billy e tudo que ele conseguiu fazer foi sacudir a cabeça e gaguejar. McMurphy disse que nesse caso era melhor que ele e Candy descessem e verificassem se havia vazamentos, e que o resto de nós podia ficar onde estava por enquanto. Ele ficou na porta da cabina, bateu uma continência, piscou, e nomeou George comandante e Harding imediato.

– Continuem, marujos – disse e seguiu a garota para o interior da cabina.

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* ANAPI – Associação Nacional de Auxilio a Pacientes insanos (N. do T.)