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McMurphy disse que parecia enredo de novela de televisão e que era tão ridículo que não podia deixar de funcionar, e cumprimentou Harding pela sua lucidez. Harding disse que o plano tinha seus méritos; manteria os outros fora da confusão com a enfermeira, Turkle continuaria no seu emprego e McMurphy fugiria da ala. Disse que McMurphy podia pedir às garotas que o levassem de carro para o Canadá ou Tijuana, ou até Nevada, se quisesse, e ficaria em perfeita segurança; a polícia nunca se esforçava muito para apanhar os fugitivos do hospital, porque 90% deles sempre apareciam de volta poucos dias depois, sem dinheiro, bêbados e procurando aquela cama e mesa gratuitos. Conversamos sobre aquilo durante algum tempo e acabamos com o xarope. Finalmente falamos até esgotar o assunto e depois ficamos em silêncio. Harding tornou a sentar-se.

McMurphy tirou o braço dos ombros da garota e olhou de mim para Harding, pensando, novamente com aquela expressão estranha, cansada, em seu rosto. E nós, perguntou, por que não nos levantávamos apanhávamos as roupas e íamos com ele?

– Não estou pronto ainda, Mack, – disse-lhe Harding.

– Então por que acha que eu estou?

Harding olhou para ele em silêncio por algum tempo, sorriu, depois disse:

– Não, você não compreende. Estarei pronto dentro de algumas semanas. Mas quero fazê-lo sozinho, por mim mesmo, sair por aquela porta da frente, com todas as formalidades e complicações tradicionais. Quero que a minha mulher esteja aqui com um carro numa hora determinada para me buscar. Quero que eles saibam que fui capas de fazê-lo dessa maneira.

McMurphy assentiu.

– E você, chefe?

– Acho que estou bem. Só que não sei ainda para onde quero ir. E alguém precisa ficar aqui algumas semanas depois que você tiver ido, para garantir que as coisas não voltem para trás.

– E Billy, Sefelt, Fredrickson e os outros?

– Não posso falar por eles – disse Harding. – Ainda têm seus problemas, como todos nós. Ainda são homens doentes, de muitas maneiras. Mas pelo menos agora eles são homens doentes. Não são mais coelhos, Mack. Talvez, algum dia possam ser homens sãos. Não sei dizer.

McMurphy refletiu sobre aquilo, olhando para as costas das mãos. Tornou a olhar para Harding.

– O que é isso, Harding? O que acontece?

– Você quer dizer, tudo isto? McMurphy concordou. Harding sacudiu a cabeça.

– Não creio que eu possa dar-lhe uma resposta. Oh, eu lhe poderia dar razões freudianas em termos empolados e isso seria o máximo que poderia fazer. Mas o que você quer são as razões para as razões, e essas não sou capaz de lhe dar. Não as dos outros, pelo menos. As minhas? Culpa. Vergonha. Medo. Auto-subestimação. Muito cedo, descobri que eu era… vamos ser gentis e dizer diferente? É uma palavra melhor, mais genérica que a outra. Eu cedi à prática de certos atos que a nossa sociedade considera vergonhosos. E fiquei doente. Não foram os atos, não creio que tenham sido, foi o sentir aquele dedo indicador enorme, letal, da sociedade apontando para mim… e aquele enorme coro de milhões de vozes repetindo, "Vergonha. Vergonha. Vergonha." É essa a maneira de a sociedade lidar com alguém diferente.

– Eu sou diferente – disse McMurphy. – Por que nada disso aconteceu comigo? Tive gente me chateando, andando atrás de mim, desde que me entendo, mas… mas isso não me fez enlouquecer.

– Não, você tem razão. Não foi isso que o fez enlouquecer. Eu não estava dizendo que a minha razão é a única. Pensei durante certa época, há alguns anos, quando eu era garoto, que a punição da sociedade era a única força que levava alguém para o caminho da loucura, mas você fez com que eu reexaminasse a minha teoria. Há uma outra coisa que leva gente, gente forte como você, amigo, para esse caminho.

– Sim? Não que eu esteja admitindo que estou nesse caminho, mas o que é essa outra coisa?

– Somos nós. – Ele moveu a mão em volta de si num suave círculo branco e repetiu: – Nós.

McMurphy disse sem convicção:

– Besteira – sorriu e se levantou, pondo a garota de pé. Olhou para o relógio. – São quase cinco horas. Preciso tirar um cochilozinho antes da grande fuga. O turno do dia ainda leva mais duas horas para entrar; vamos deixar o Billy e a Candy por lá mais um pouco. Vou dar o fora por volta das seis. Sandy, querida, talvez uma hora no dormitório nos deixe mais sóbrios. Que é que acha? Temos um bocado de estrada pela frente, seja para o Canadá ou México ou qualquer outro lugar.

Turkle, Harding e eu também nos levantamos. Todo mundo ainda estava bastante tonto, muito bêbados ainda, mas um sentimento brando de tristeza havia penetrado na embriaguez. Turkle disse que tiraria McMurphy e a garota da cama dentro de uma hora.

– Me acorda também – disse Harding. – Quero ficar ali na janela com uma bala de prata na mão e perguntar: "Quem era aquele homem de máscara?" enquanto vocês vão…

– Vá pro inferno, pare com isso. Vocês dois aí, já para a cama, e não quero nunca mais ver nem pele nem cabelo de nenhum de vocês. Entenderam?

Harding sorriu e concordou com a cabeça, mas nada disse. McMurphy estendeu a mão, Harding apertou. McMurphy virou a cabeça para trás como um vaqueiro saindo de um bar e piscou o olho.

– Você pode ser o grande ganso machão dos doidos de novo, companheiro, com o grande Mack fora do seu caminho.

Ele se virou para mim e franziu o cenho.

– Não sei o que você pode ser, chefe. Você ainda tem que olhar por aí. Talvez conseguisse arranjar um emprego como bandido num bangue-bangue de TV.

– De qualquer maneira, vá com calma.

Apertei a mão dele, e fomos para o dormitório. McMurphy disse a Turkle para rasgar alguns lençóis e escolher alguns de seus nós favoritos para ser amarrado. Turkle disse que ia providenciar. Deitei na minha cama, sob a luz acinzentada do dormitório, e ouvi McMurphy e a garota se deitarem na dele. Estava sentindo-me meio mole e bem quentinho. Ouvi o Sr. Turkle abrir a porta da rouparia lá fora no corredor, suspirar bem alto e arrotar enquanto fechava a porta atrás de si. Meus olhos se acostumaram com a escuridão, e pude ver McMurphy e a garota aconchegados nos braços um do outro, se descontraindo, mais como duas crianças cansadas do que como um homem feito e uma mulher feita, juntos na cama para fazer amor.

E foi assim que os ajudantes os encontraram quando entraram para acender as luzes do dormitório, às seis e meia.

Pensei muito a respeito do que aconteceu depois, e acabei por chegar à conclusão de que estava destinado a acontecer e teria acontecido de uma forma ou de outra, dessa ou de uma outra vez, mesmo que o Sr. Turkle tivesse acordado McMurphy e as duas garotas e os tivesse posto para fora da ala como fora planejado. A Chefona teria descoberto de alguma forma o que havia acontecido, talvez só pela expressão no rosto de Billy, e teria feito a mesma coisa que fez, quer McMurphy ainda estivesse ali ou não. E Billy teria feito o que fez e McMurphy teria sabido e teria voltado.

Teria voltado, porque não poderia mais ficar sentado sem fazer nada, fora do hospital, jogando pôquer em Carson City ou em Reno ou em algum outro lugar, e deixar a Chefona dar a última cartada e ter a última jogada, como não poderia tê-la deixado fazer aquilo mesmo debaixo do seu nariz. Foi como se ele tivesse se inscrito para o jogo inteiro e não houvesse nenhum jeito de quebrar o contrato.

Mal começamos a sair da cama e a circular pela ala, a história do que havia acontecido se espalhou como fogo num rastilho de cochichos.

– Eles tinham tido uma o quê? - perguntavam os que não haviam participado da coisa.

– Uma prostituta? No dormitório? Jesus!

– Não apenas uma prostituta, disseram os outros, mas uma bebedeira geral de cair. McMurphy planejava botá-la para fora às escondidas antes que o turno do dia viesse, mas não acordou.

– Ora, que espécie de lorota está querendo nos fazer engolir?

– Não é lorota nenhuma. Cada palavra é a absoluta verdade. Eu participei.

Os que haviam participado da noite começaram a contar com uma espécie de calmo orgulho e de espanto, da maneira como as pessoas contam que viram um grande hotel se incendiar ou uma represa estourar – muito solenes e cheios de respeito, porque os mortos ainda não foram nem contados – mas à medida que iam contando, os caras iam ficando menos solenes. Toda vez que a Chefona e os seus negros incansáveis descobriam uma coisa nova, tal como a garrafa vazia de xarope ou a frota de cadeiras de rodas estacionada no fim do corredor, como cavalos vazios num carrossel de parque de diversões, trazia de volta de repente, com clareza, uma outra parte da noite para ser contada aos que não haviam participado e para ser saboreada pelos que haviam. Todo mundo tinha sido levado para a enfermaria pelos crioulos, Crônicos e Agudos também, movendo-se em círculos numa confusão excitada. Os dois velhos Vegetais estavam afundados em suas espreguiçadeiras, piscando os olhos e mastigando as gengivas. Todo mundo ainda estava de pijama e de chinelos, exceto McMurphy e a garota; ela estava completamente vestida, a não ser pelos sapatos e pelas meias de nylon, que agora estavam penduradas no seu pescoço, e ele estava com os calções pretos com baleias brancas. Estavam sentados juntos num sofá, de mãos dadas. A garota cochilou de novo, e McMurphy estava encostado nela com um sorriso sonolento e satisfeito.

Nossa preocupação solene estava cedendo lugar, a despeito de nós, à alegria e bom humor. Quando a enfermeira encontrou a pilha de comprimidos que Harding havia derramado em cima de Sefelt e da garota, começamos a engasgar para segurar o riso, e na hora em que acharam o Sr. Turkle na rouparia, e o tiraram de lá piscando e gemendo de ressaca, estávamos às gargalhadas. A Chefona enfrentou o nosso bom humor sem exibir nem um traço do seu sorrisinho fixo; cada gargalhada lhe estava sendo enfiada pela garganta abaixo, até que pareceu que ela ia explodir a qualquer minuto, como uma bexiga.