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McMurphy pendurou uma perna nua sobre o braço do sofá e puxou o gorro para baixo, para impedir que a luz lhe incomodasse os olhos avermelhados, e ficou espichando para fora a língua que parecia ter sido envernizada por aquele xarope. Aparentava estar enjoado e terrivelmente cansado, e pressionava as mãos fechadas contra as têmporas, bocejando, mas, por pior que se parecesse sentir, ainda mantinha o sorriso, e uma ou duas vezes chegou até a dar gargalhadas diante de algumas das coisas que a enfermeira ia descobrindo.

Quando a enfermeira entrou para telefonar para o edifício central para comunicar a demissão do Sr. Turkle, Turkle e Sandy aproveitaram para destrancar a grade, dar até logo para todo mundo e sair correndo pelo jardim, tropeçando e escorregando na grama molhada, cintilando sob o sol.

– Ele não trancou de novo – disse Harding para McMurphy. – Ande, vá. Vá atrás deles!

McMurphy gemeu e abriu um olho vermelho como um ovo choco. – Está brincando comigo? Não conseguiria nem passar a minha cabeça por aquela janela, quanto mais o meu corpo inteiro.

– Meu amigo, não creio que você compreenda.

– Harding, maldito seja você com esse seu palavrório; tudo que realmente compreendo é que ainda estou meio bêbado. E enjoado. Pra falar a verdade, acho que você também ainda está bêbado. E você, chefe, ainda está bêbado?

Eu disse que o meu nariz e o rosto estavam dormentes, se é que aquilo queria dizer alguma coisa.

McMurphy balançou a cabeça uma vez e tornou a fechar os olhos; enlaçou as mãos sobre o peito e afundou na cadeira, o queixo assentando sobre o pescoço. Estalou os lábios e sorriu como se estivesse cochilando.

– Cara - disse ele – todo mundo ainda está bêbado. Harding ainda estava preocupado. Continuou dizendo que a melhor coisa que McMurphy poderia fazer era vestir-se depressa, enquanto o Anjo de Misericórdia estava lá dentro falando de novo com o médico para comunicar as atrocidades que havia descoberto, mas McMurphy afirmou que não havia razão para nervosismos; ele não estava em situação pior que antes, estava?

– Já agüentei o máximo deles. – disse ele. Harding lançou as mãos para o ar e saiu dali, predizendo o juízo final.

Um dos crioulos viu que a grade estava destrancada e a trancou, entrou na Sala das Enfermeiras para pegar o grande livro achatado, voltou passando o dedo pela lista abaixo e murmurando o nome que lia em voz alta quando avistava o homem que correspondia a ele. A lista é em ordem alfabética às avessas, para confundir as pessoas, assim ele só chegou aos bês no fim. Deu uma olhada pela enfermaria sem tirar o dedo do último nome do livro.

– Bibbit. Onde está Billy Bibbit? – Os olhos dele estavam arregalados. Estava pensando que Billy havia fugido debaixo do seu nariz e que ia entrar pelo cano. - Quem viu Billy Bibbit fugir, seus malditos malucos?

Aquilo fez com que as pessoas se lembrassem de onde Billy estava; houve novamente cochichos e risos.

O crioulo voltou para a sala, e percebemos que estava contando à enfermeira. Ela bateu com o fone no gancho e saiu pela porta, furiosa, com o crioulo nos seus calcanhares; uma mecha de cabelo se havia soltado da touca branca e caía-lhe pelo seu rosto. Estava suando entre as sobrancelhas e sob o nariz. Exigiu que lhe disséssemos para onde o fugitivo havia ido. Recebeu como resposta um coro de gargalhadas, e seus olhos percorreram os homens.

– Então? Ele não fugiu, não é? Harding, ele ainda está aqui… na ala, não está? Digam-me. Sefelt, diga-me!

Seus olhos dardejavam a cada palavra, golpeando os rostos dos homens, mas eles estavam imunes ao seu veneno. Os olhos deles enfrentavam os dela; seus sorrisos zombavam do velho sorriso confiante que ela havia perdido.

– Washington! Warren! Venham comigo fazer uma ronda.

Levantamo-nos e os seguimos quando os três saíram, destrancando o laboratório, a Sala da Banheira, o consultório do médico… Scanlon cobriu a boca com a mão nodosa e murmurou:

– Ei, não vai ser uma boa para o velho Billy. – Todos nós concordamos. – E Billy não vai ser o único que vai sofrer com a coisa, agora que pensei bem; lembram que está lá dentro?

A enfermeira chegou à porta da Sala de Isolamento no fim do corredor! Nós nos empurramos para olhar, amontoando-nos e nos apertando para espiar por cima da Chefona e dos crioulos, enquanto ela destrancava e abria a porta. Estava escuro na sala sem janela. Houve um gritinho e uma agitação no escuro e a enfermeira estendeu a mão e acendeu a luz sobre Billy e a garota que piscavam ali naquele chão acolchoado, como duas corujas num ninho. A enfermeira ignorou o rugido de gargalhadas às suas costas.

– William Bibbit! – Ela tentou tanto fazer a voz soar fria e severa. – William… Bibbit!

– Bom dia, Srta. Ratched – disse Billy, sem fazer um único gesto para se levantar e abotoar o pijama. Ele segurou a mão da garota e sorriu. – Esta é a Candy.

A língua da enfermeira estalou na sua garganta ossuda.

– Oh, Billy, Billy Billy… estou tão envergonhada por você.

Billy não estava suficientemente acordado para corresponder muito à vergonha dela, e a garota mexia-se à sua volta, olhando debaixo do colchão, procurando as meias, movendo-se devagar e parecendo à vontade e disposta depois de ter dormido. De vez em quando ela parava o seu tatear sonhador, olhava para cima e sorria para o vulto gelado da enfermaria de pé ali, com os braços cruzados. Verificava então se o suéter estava abotoado e continuava a puxar a meia, presa entre o colchão e o piso de ladrilhos. Os dois se moviam como gatos gordos, saciados de leite morno, preguiçosamente sob o sol; imaginei que ambos também estivessem bem bêbados.

– Oh, Billy – disse a enfermeira, como se estivesse tão desapontada que fosse capaz de cair em prantos. – Uma mulher como essa. Uma reles! Vagabunda! Pintada…

– Cortesã? – sugeriu Harding. – Jezebel? – A enfermeira voltou-se e tentou detê-lo com os olhos, mas ele continuou. – Jezebel, não? Não? – Ele coçou a cabeça e continuou: – Que tal Salomé? Ela é notoriamente má. Talvez "zinha" seja a palavra que quer. Bem, só estou tentando ajudar.

Ela tornou a voltar-se para Billy. Ele se estava concentrando para ficar de pé. Ficou de joelhos, o traseiro no ar como uma vaca se levantando, então tomou impulso com uma das mãos, pôs um pé, depois o outro e se endireitou. Parecia satisfeito com o sucesso obtido, como se não tivesse nem se apercebido de nossas pessoas amontoadas ali na porta, mexendo com ele e o estimulando.

A gritaria e o riso redemoinhavam em torno da enfermeira. Seus olhos passaram de Billy e a garota para o nosso grupo. O rosto esmaltado de plástico se estava desmantelando. Ela fechou ós olhos e se esforçou para deter o seu tremor, concentrando-se. Sabia que aquele era o momento, estava acuada contra a parede. Quando seus olhos se abriram novamente, estavam muito pequenos e calmos.

– O que me preocupa, Billy – pude ouvir a mudança no tom de sua voz – é como a sua pobre mãe vai receber isso.

Ela obteve a reação que procurava. Billy se contraiu e levou a mão ao rosto como se tivesse sido queimado com ácido.

– A Sra. Bibbit sempre teve tanto orgulho da sua discrição. Eu sei que isto vai perturbá-la profundamente. Sabe como ela fica quando está perturbada. Billy, você sabe como a pobre coitada pode ficar doente. Ela é muito sensível. Especialmente no que diz respeito ao seu filho. Ela sempre falou de você com tanto orgulho. Ela sem…

– Nuh! nuh! – A boca de Billy se esforçava. Ele sacudiu a cabeça, suplicando-lhe. – p-p-precisa!

– Billy, Billy, meu pobre Billy – disse ela. – Sua mãe e eu somos velhas amigas.

– Não! – gritou ele. A sua voz arranhou as paredes brancas, nuas da Sala de Isolamento. Levantou o queixo de forma que ficou gritando para a luz de lua no teto. – N – n – não!

Tínhamos parado de rir. Observamos Billy se encolher no chão, a cabeça para trás, os joelhos para frente. Esfregou a mão na perna da calça verde. Tremia de pânico, como uma criança a quem se prometeu uma surra tão logo se consiga uma vara. A enfermeira tocou o ombro dele para consolá-lo. O toque o sacudiu como uma pancada.

– Billy, não quero que ela acredite numa coisa dessas de você… mas que é que eu devo pensar?

– Nah – nah – não c-conte, S-S-S-Senhorita Ratched. Nah-nah-nah…

– Billy, tenho de contar. Detesto ter de acreditar que é capaz de um comportamento destes, mas, francamente, o que mais posso pensar? Encontro você sozinho, num colchão com esse tipo de mulher.

– Não!! Eu n-n-não. Eu estava – a mão dele subiu para o rosto de novo e ficou grudada ali. – Ela fez.

– Billy, essa moça não poderia ter trazido você para cá à força. – Ela sacudiu a cabeça. – Compreenda, eu gostaria de acreditar numa outra coisa… pelo bem da sua pobre mãe.

A mão desceu à força do rosto dele deixando marcas vermelhas.

– Ela f-fez. – Ele olhou em volta. – E McMurphy! Ele fez. E Harding! E o-o-o- resto todo! Eles im-im-implicaram comigo, me chamaram de coisas.

Agora o rosto dele estava preso ao dela. Não olhava nem para um lado, nem para outro, só em frente para o rosto dela, como se ali houvesse uma luz espiralada em vez de feições, uma espiral hipnotizante de branco cremoso, azul e laranja. Ele engoliu em seco e esperou que ela dissesse alguma coisa, mas ela não dizia; a sua habilidade, seu fantástico poder mecânico, voltou-lhe numa torrente, analisando a situação e ordenando-lhe que tudo que ela tinha de fazer era ficar calada.