Os outros dois crioulos vieram dois anos depois, começando a trabalhar com um intervalo de apenas um mês entre eles, e ambos tão parecidos que acho que ela mandou fazer uma cópia do que veio primeiro. São altos, rápidos e ossudos e os rostos estão cinzelados em expressões que nunca mudam, terminam em pontas. Se você roçar no cabelo deles, só isso arranca sua pele de uma vez.
Todos eles pretos como telefones. Quanto mais pretos eles são, ela aprendeu isso com a longa fileira negra que veio antes deles, mais tempo provavelmente se dedicarão a limpar, a esfregar e a manter a enfermaria em ordem. Por exemplo, os uniformes dos três crioulos estão sempre imaculados. Brancos e engomados como os dela.
Todos eles usam calças engomadas, brancas como a neve, e camisas brancas com pressões de metal de um lado, e sapatos brancos, lustrosos como o gelo, com solas vermelhas de borracha, silenciosas como camundongos de um lado para o outro no corredor. Eles nunca fazem barulho quando andam. Materializam-se em lugares diferentes da ala toda vez que um paciente pensa em se examinar sozinho ou contar algum segredo a um outro. Um paciente está sozinho num canto e de repente há um guinchado e gelo se forma nas maçãs do seu rosto, então ela se vira naquela direção, e lá está uma máscara fria de pedra flutuando acima dele, contra a parede. Ele vê apenas o rosto negro. Não há corpo. As paredes são tão brancas quanto os uniformes, limpas e lustrosas como a porta de uma geladeira, e o rosto e as mãos negras parecem flutuar diante daquele fundo como um fantasma.
Anos de treinamento e os três crioulos se afinam cada vez mais com a freqüência da Chefona. Um a um, eles são capazes de desligar os fios diretos e operar através de ondas de energia. Ela nunca dá ordens em voz alta ou deixa instruções escritas, que poderiam ser encontradas por uma esposa ou por uma professora em visita. Não precisa mais fazê-lo. Eles estão em contato numa onda de ódio de alta voltagem, e os crioulos estão lá executando sua ordem antes mesmo que pense nela.
Assim, depois que a enfermeira consegue o seu pessoal, a eficiência tranca a porta da ala como o relógio de um vigia. Tudo que os caras pensam, dizem e fazem, é tudo planejado com meses de antecedência, com base nas pequenas anotações que a enfermeira toma durante o dia. Elas são datilografadas e transmitidas para a máquina que ouço zumbir atrás da porta de aço nos fundos da Sala das Enfermeiras. Uma série de cartões de Ordens Diárias é devolvida, perfuradas com um desenho de buraquinhos quadrados. No início de cada dia, o cartão OD devidamente datado é inserido numa fenda na porta de aço e as paredes zumbem. Luzes se acendem no dormitório às seis e meia: Os Agudos se levantam e saem da cama tão depressa quanto os negrinhos possam cutucá-los para fora, pô-los a trabalhar, encerando o chão, esvaziando cinzeiros, tirando com polimento as marcas de arranhões daquela parede ali, onde um velho entrou em curto-circuito no dia anterior e caiu numa terrível convulsão de fumaça e cheiro de borracha queimada. Os Circulantes giram pernas mortas como toras para o chão e esperam, como estátuas sentadas, que alguém empurre as cadeiras até eles. Os Vegetais mijam na cama, ativando um choque elétrico e um vibrador, que os faz rolar para os ladrilhos, onde os crioulos podem despejar água neles com a mangueira e enfiá-los em pijamas limpos…
Seis e quarenta e cinco, os barbeadores zumbem e os Agudos fazem fila por ordem alfabética diante dos espelhos, A, B, C, D… Os Crônicos, que ainda caminham como eu, entram quando os Agudos acabam; depois, os Circulantes são trazidos nas cadeiras de rodas. Os três velhos que ainda restam, com uma crosta de mofo amarelo na dobra frouxa debaixo do queixo, são barbeados em espreguiçadeiras, na enfermaria, com uma tira de couro em torno da testa para impedi-los de cabecear de um lado para o outro sob o barbeador.
Em algumas manhãs – as de segunda-feira especialmente – eu me escondo e tento resistir ao horário. Em outras ocasiões, acho que é mais inteligente me meter na fila, no lugar entre A e C no alfabeto e ir seguindo adiante como todo mundo, sem levantar os pés – magnetos muito fortes sob o assoalho manobram o pessoal pela enfermaria como se fossem fantoches…
Às sete horas a sala de refeições se abre e a ordem da formatura se inverte: os Circulantes primeiro, então os Caminhantes, depois os Agudos apanham as bandejas, flocos de milho, bacon com ovos e torradas – e hoje de manhã um pêssego em calda num pedaço de alface verde cortada. Alguns dos Agudos trazem as bandejas para os Circulantes. A maioria dos Circulantes é apenas de Crônicos com as pernas ruins, eles se alimentam sozinhos, mas há os três que não têm qualquer movimento do pescoço para baixo, e não muito do pescoço para cima. Esses se chamam Vegetais. Os crioulos os trazem para o refeitório depois que todo mundo já está sentado, empurram as cadeiras de rodas encostando-as numa parede, e lhes trazem bandejas idênticas de comida com um aspecto de lama, com pequenos cartões brancos, indicativos da dieta, presos nas bandejas. Mecanicamente suave – é o que se lê nos cartões da dieta para esses três desdentados: ovos, presunto, torrada, bacon, tudo mastigado 32 vezes cada uma pela máquina de aço inoxidável da cozinha. Eu a vejo franzir os lábios cortados, como o tubo de um aspirador, e cuspir um coágulo de presunto mastigado, num prato, com um som de curral.
Os crioulos enchem as rosadas bocas sugadoras dos Vegetais um pouquinho depressa demais para dar tempo de engolir, e a "mecanicamente suave" escorre descendo pelos queixinhos arredondados até os pijamas verdes. Os crioulos xingam os Vegetais e aumentam-lhes a abertura das bocas com um movimento giratório da colher, como se estivessem descaroçando uma maçã podre: "Esse peido velho do Blastic está caindo aos pedaços na minha frente. Já não posso mais dizer se estou dando a ele papa de bacon ou pedaços da porca da língua dele"…
Às sete e meia voltamos para a enfermaria. A Chefona olha para fora através do seu vidro especial, sempre limpo a tal ponto que não se pode dizer que está ali, e balança a cabeça em sinal de aprovação do que está vendo, estende o braço e arranca uma folha do calendário, um dia mais para perto do objetivo. Aperta um botão para que as coisas comecem. Ouço o ressoar de uma grande folha de zinco sendo sacudida em algum lugar. Todo mundo se coloca em ordem. Agudos: sentem-se do seu lado da enfermaria e esperem que as cartas e os jogos de Monopólio sejam trazidos. Crônicos: sentem-se do seu lado e esperem pelos quebra-cabeças da caixa da Cruz Vermelha. Ellis: vá para o seu lugar na parede, mãos para o alto para receber os pregos e o mijo escorrendo pela perna. Pete: balance a cabeça como um fantoche. Scanlon: trabalhe com as mãos nodosas na mesa a sua frente, construindo uma bomba de faz-de-conta para explodir um mundo de paz. Harding: comece a falar, agitando suas mãos de pombo no ar, depois as prenda debaixo dos braços, porque homens adultos não devem agitar suas bonitas mãos desse jeito. Sefelt: comece a choramingar porque seus dentes doem e o seu cabelo está caindo. Todo mundo: inspire… expire… em perfeita ordem; corações batendo todos no compasso determinado pelos cartões OD. Som de cilindros emparelhados.
Como um mundo de histórias em quadrinhos, onde os personagens são achatados e delineados em preto, movendo-se aos trancos através de uma espécie de história idiota qualquer, que poderia ser realmente engraçada se não fosse pelo fato de os personagens caricaturescos serem de verdade…
Às sete e quarenta e cinco, os crioulos vêm descendo pela fileira de Crônicos, esvaziando as sondas dos que ficam suficientemente quietos para usá-las. As sondas são camisas-de-vênus de segunda mão, as pontas cortadas e presas com fita de borracha a tubos que descem pelas pernas até um saco plástico que traz escrito "PARA JOGAR NO LIXO. NAO DEVE SER UTILIZADO OUTRA VEZ", os quais tenho a tarefa de lavar ao fim de cada dia. Os crioulos fixam a camisa-de-vênus prendendo-a com fita adesiva nos pêlos; os velhos Crônicos de sonda são pelados, como bebês, por causa da remoção da fita…
Às oito horas as paredes zunem e zunem em plena atividade. O alto-falante no teto diz "medicamentos", usando a voz da Chefona. Olhamos para o compartimento de vidro onde ela costuma ficar sentada, mas ela não está em lugar algum perto do microfone; de fato, ela está a 10 passos de distância do microfone, ensinando a uma das enfermeirinhas como se prepara uma bandeja de remédios bem arrumada, com os comprimidos dispostos ordenadamente. Os Agudos formam fila diante da porta de vidro, A, B, C, D, e depois os Crônicos e os Circulantes (os Vegetais recebem os deles depois, misturados numa colher de suco de maçã). Os caras vão avançando, e recebem uma cápsula num copinho de papel – jogam a cápsula no fundo da garganta, o copinho é enchido de água pela enfermeirinha e eles engolem a cápsula. Em raras ocasiões um idiota qualquer era capaz de perguntar o que era que lhe estavam pedindo para engolir.
– Espere só um pouquinho, boneca; que é que são essas duas cápsulas aqui com a minha vitamina?
Eu o conheço. É um Agudo grande e curioso, já começando a ganhar a reputação de criador de casos.