A primeira coisa que fez após pegar seu dinheiro e achar um apartamento foi encontrar o cinema mais próximo, onde viu Ninho da serpente, sobre uma casa cheia de caipiras esquisitos, com Fred MacMurray e Marjorie Main, e um ator chamado Porter Hall interpretando gêmeos idênticos assassinos chamados Bert e Mert. “Qual é qual?”, pergunta MacMurray, e Marjorie Main pega um cabo de machado, acerta um deles no meio das costas e ele desmonta da cintura para cima em uma caricatura distorcida de realidade, mas permanece de pé. “Este é Mert”, diz Main, jogando o cabo do machado na pilha de lenha. “Ele tem as costas ruins”. Havia rádio e homicídio em abundância, e Jetboy achou que era o filme mais divertido que já havia visto.
Desde então ele fora ao cinema todos os dias, algumas vezes a três salas e assistindo de seis a oito filmes por dia. Ele estava se ajustando à vida civil, como muitos soldados e marinheiros haviam feito, vendo filmes.
Ele viu Farrapo humano, com Ray Milland e Frank Faylen novamente, dessa vez como um enfermeiro em uma ala psiquiátrica; Laços humanos; O regresso daquele homem, com William Powell em seu auge alcoólico, Bring on the Girls, It’s in the Bag, com Fred Allen; Chispa de fogo; Também somos seres humanos (Jetboy havia sido personagem de uma das colunas de Pyle em 1943); um filme de terror chamado Ilha dos mortos, com Boris Karloff; um novo tipo de filme italiano chamado Roma, cidade aberta, em um cinema de arte, e O destino bate à sua porta.
E havia outros filmes, faroestes e policiais da Monogram, PRC e Republic, filmes que vira em salas de cinema 24 horas, mas que esquecia dez minutos após sair das sessões. Pela falta de estrelas e estranha aparência dos atores principais, tinham sido as piores partes das sessões duplas feitas durante a guerra, todas começando exatamente aos 59 minutos de projeção.
Jetboy suspirou. Tantos filmes, tanto de tudo que ele perdeu durante a guerra. Perdeu até mesmo os dias da vitória na Europa e sobre o Japão preso naquela ilha, antes que ele e o avião fossem encontrados pela tripulação do USS Reluctant. Do modo como os caras no Reluctant falavam, você pensaria que eles também haviam perdido a maior parte da guerra e dos filmes.
Ele ansiava por muitos filmes naquele outono, e por vê-los quando fossem lançados, do modo como todos faziam, do modo como costumava fazer no orfanato.
Jetboy se sentou à máquina de escrever. Se eu não trabalhar, nunca terminarei este livro. Irei ao cinema de noite.
Ele começou a datilografar todas as coisas excitantes que havia feito em 12 de julho de 1944.
No pátio, mulheres chamavam crianças para jantar enquanto os pais voltavam do trabalho. Duas crianças continuavam a pular corda lá fora, as vozes finas no ar da tarde:
“Hitler, Hitler parece assim,
Mussolini se curva assim,
Sonja Heni patina assim,
E Betty Grable erra assim!”
O armarinheiro da Casa Branca estava tendo um dia de cão.
Começou com um telefonema pouco antes das seis horas da manhã. Os ansiosos no Departamento de Estado tinham alguns boatos da Turquia. Os soviéticos estavam deslocando todos os homens para os limites daquele país.
– Bem – disse o Homem Objetivo do Missouri –, liguem quando cruzarem a maldita fronteira, não antes.
Agora aquilo.
O Primeiro Cidadão de Independence observou a porta se fechar. A última coisa que viu foi o calcanhar de Einstein desaparecendo. Precisava de uma meia-sola.
Ele se sentou novamente na cadeira, tirou os óculos grossos do nariz, esfregou os olhos vigorosamente. Depois o presidente juntou as pontas dos dedos formando uma torre, os cotovelos apoiados na escrivaninha. Olhou para a miniatura de arado na frente da mesa (ele havia substituído o modelo do M-1 Garand que ficou ali do dia em que ele tomou posse até o dia da vitória sobre o Japão). Havia três livros no canto direito da escrivaninha – uma Bíblia, um dicionário gasto e uma história ilustrada dos Estados Unidos. A mesa tinha três botões para chamar várias secretárias, mas ele nunca os usou.
Agora que a paz chegou estou lutando para impedir que dez guerras eclodam em vinte lugares, há ameaças de greves em todos os setores e essa é uma maldita vergonha, as pessoas estão pedindo mais carros e geladeiras, e estão tão cansadas quanto eu de guerra e de alerta de guerra.
E tenho de mexer em casa de marimbondo novamente, colocar todo mundo caçando uma maldita bomba biológica que pode explodir e infectar todos os EUA e matar metade das pessoas ou mais.
Estaríamos melhor ainda lutando com porretes e pedras.
Quanto mais rápido eu voltar para o número 219 da North Delaware, em Independence, melhor eu e todo este maldito país ficaremos.
A não ser que aquele filho da puta do Dewey queira concorrer para presidente de novo. Como Lincoln disse, prefiro engolir uma cadeira de balanço de chifres de cervo do que deixar aquele desgraçado ser presidente.
É a única coisa que me manterá aqui quando tiver terminado o mandato do Sr. Roosevelt.
Quanto mais cedo eu começar essa caçada, mais rapidamente poderemos deixar para trás a Guerra Mundial Número Dois.
Ele pegou o telefone.
– Ligue para o Estado-maior – disse.
– Major Truman falando.
– Major, é o outro Truman, seu chefe. Coloque o general Ostrander ao telefone, por favor.
Enquanto esperava, olhou através do ventilador da janela (detestava ar-condicionado) para as árvores. O céu tinha aquele tipo de azul que rapidamente fica alaranjado no verão.
Ele olhou para o relógio na parede: 10h23, horário de verão no Leste. Que dia. Que ano. Que século.
– Aqui é o general Ostrander, senhor.
– General, acabaram de jogar outro fardo de feno em cima de nós...
Duas semanas depois chegou o bilhete:
“Deposite 20 milhões de dólares na conta nº 43Z21, Credit Suisse, Berna, até 2300 Zulu de 14 de setembro ou perca uma grande cidade. Você tem conhecimento desta arma; seu pessoal tem procurado por ela; usarei metade dela na primeira cidade. O preço sobe para 30 milhões de dólares para me impedir de usar uma segunda vez. Você tem minha palavra de que ela não será usada caso o primeiro pagamento seja feito, e serão enviadas instruções de onde a arma poderá ser recuperada.”
O Homem Objetivo de Missouri pegou o telefone.
– Coloque tudo para funcionar – disse. – Convoque o gabinete, reúna o estado-maior. E, Ostrander...
– Sim, senhor?
– Melhor entrar em contato com aquele garoto aviador, qual o nome dele?
– Está falando de Jetboy, senhor? Ele não está mais na ativa.
– Pro inferno com isso. Agora está!
– Sim, senhor.
Eram 14h24 de terça-feira, 15 de setembro de 1946, quando a coisa apareceu nas telas de radar.
Às 14h31 ainda estava se movendo lentamente na direção da cidade a uma altitude de mais de 18 mil metros.
Às 14h41 dispararam as primeiras sirenes de ataque aéreo, que não eram usadas na cidade de Nova York desde um treinamento de blecaute em abril de 1945.
Às 14h48 houve pânico.
Alguém na defesa civil apertou os botões errados. A energia foi cortada em todos os lugares, exceto em hospitais, delegacias e quartéis dos bombeiros. Trens do metrô pararam. Coisas desligaram e os sinais de trânsito deixaram de funcionar. Metade do equipamento de emergência, que não era verificado desde o fim da guerra, não funcionou.