O som de uma sirene da polícia de repente se misturou aos outros barulhos.
– Jesus! – disse Bobby. – Aí vem outro!
Antes que ele terminasse de falar, um Pontiac havia entrado na traseira de um dos veículos parados. Três duplas de motoristas se enfrentavam de pé; uma dupla com raiva, as outras simplesmente conversando e eventualmente apontando para cima. Logo, todos se separaram e saíram apressados pela rua.
– Isso não é um exercício – disse Joe.
– Eu sei – respondeu Croyd, olhando para a área onde uma nuvem tinha ficado cor-de-rosa por causa do brilho que escondia. – Acho que é alguma coisa muito ruim.
Ele se afastou da janela.
– Estou indo para casa agora – disse.
– Você vai se meter em confusão – afirmou Charlotte.
Ele olhou para o relógio.
– Aposto que o sinal toca antes que ela volte – respondeu. – Se você não for agora, acho que não vão nos deixar sair com o que está acontecendo, e quero ir para casa.
Ele se virou e foi até a porta.
– Eu também vou – disse Joe.
– Vocês vão se meter em confusão.
Eles seguiram pelo corredor. Quando se aproximavam da porta da frente uma voz adulta, masculina, chamou do saguão:
– Vocês dois! Voltem aqui!
Croyd correu, abriu a grande porta verde com o ombro e continuou. Joe estava apenas um passo atrás dele enquanto descia os degraus. Agora, a rua inteira estava cheia de carros parados dos dois lados, até onde ele podia ver, em qualquer direção. Havia pessoas no alto dos prédios e em todas as janelas, a maioria olhando para cima.
Ele correu para a calçada e virou à direita. Sua casa ficava seis quarteirões ao sul, em um grupo anômalo de casas geminadas. O caminho de Joe era metade disso, seguindo depois para leste.
Antes que alcançassem a esquina, foram detidos por um rio de pessoas indo da rua lateral para a direita, interrompendo sua passagem, algumas virando na direção norte e tentando avançar, outras seguindo para o sul. Os garotos ouviram xingamentos e o barulho de uma briga no alto.
Joe esticou a mão e puxou a manga de um homem. O homem puxou o braço com rispidez e olhou para baixo.
– O que está acontecendo? – gritou Joe.
– Alguma espécie de bomba – respondeu o homem. – Jetboy tentou deter os homens que estavam com ela. Acho que todos explodiram. A coisa pode disparar a qualquer momento. Talvez seja atômica.
– Onde ela caiu? – berrou Croyd.
O homem apontou para noroeste.
– Para lá.
Então o homem desapareceu, tendo encontrado uma abertura e forçado passagem.
– Croyd, podemos atravessar a rua se formos por cima do capô daquele carro – disse Joe.
Croyd concordou e seguiu o outro garoto por cima do capô ainda quente de um Dodge cinza. O motorista os xingou, mas sua porta estava bloqueada pela pressão dos corpos e a porta do lado do carona só abria alguns centímetros antes de bater no para-lama de um táxi. Contornaram o táxi e atravessaram pelo meio do cruzamento, passando por mais dois carros no caminho.
O tráfego de pedestres diminuía perto do meio do quarteirão seguinte e parecia haver uma grande área aberta à frente. Eles correram na direção dela, mas então pararam de repente.
Havia um homem caído na calçada. Estava tendo convulsões. A cabeça e as mãos tinham inchado muito e estavam vermelho-escuras, quase roxas. No momento em que o viram, sangue começou a escorrer do nariz e da boca; escorreu dos ouvidos, vazou dos olhos e das unhas.
– Santa Maria! – disse Joe, fazendo o sinal da cruz e recuando. – O que ele tem?
– Não sei – respondeu Croyd. – Não vamos chegar perto demais. Vamos passar por cima de mais uns carros.
Eles levaram dez minutos para chegar à esquina seguinte. Em algum momento do caminho perceberam que as armas estavam silenciosas havia muito tempo, embora as sirenes de ataque aéreo, da polícia e as buzinas dos carros sustentassem uma barulheira constante.
– Sinto cheiro de fumaça – disse Croyd.
– Eu também. Se alguma coisa estiver pegando fogo, nenhum caminhão de bombeiros vai chegar lá.
– Toda essa droga de cidade poderia pegar fogo.
– Talvez não seja isso tudo.
– Pode apostar que é.
Eles avançaram, se depararam com uma massa de corpos e foram empurrados até a esquina.
– Nós não vamos por aí! – gritou Croyd.
Mas isso não importava, porque a multidão ao redor deles foi bloqueada segundos depois.
– Acha que conseguimos engatinhar até a rua e passar por cima dos carros de novo? – perguntou Joe.
– Podemos tentar.
Eles conseguiram. Só que, dessa vez, abrir caminho de volta para a esquina demorou mais, já que outros tomavam o mesmo rumo. Croyd viu um rosto reptiliano atrás de um para-brisa, e mãos escamosas agarrando um volante que havia sido arrancado da coluna enquanto lentamente o motorista caía de lado. Desviando os olhos, viu uma coluna de fumaça se erguer além dos edifícios a noroeste.
Quando chegaram à esquina, não havia como passar. As pessoas estavam amontoadas e oscilando. Havia gritos eventuais. Ele queria chorar, mas sabia que não adiantaria nada. Trincou os dentes e estremeceu.
– O que vamos fazer? – perguntou a Joe.
– Se ficarmos presos aqui de noite, podemos quebrar o vidro de um carro vazio e dormir nele, acho.
– Eu quero ir para casa!
– Eu também. Vamos tentar ir o mais longe que pudermos.
Eles se arrastaram pela rua por quase uma hora, mas só avançaram outro quarteirão. Motoristas berravam e batiam nas janelas quando eles passavam por cima do teto dos carros. Outros carros estavam vazios. Uns poucos continham coisas que não gostaram de ver. O tráfego na calçada parecia perigoso. Estava rápido e barulhento, com brigas rápidas, muitos gritos e uma série de corpos caídos que haviam sido empurrados para umbrais de porta ou do meio-fio para a rua. Houve alguns segundos de hesitação e silêncio quando as sirenes pararam. Então surgiu o som de alguém falando em um megafone. Mas era distante demais. As palavras eram incompreensíveis, a não ser “pontes”. O pânico recomeçou.
Viu uma mulher cair de um prédio à frente, do outro lado da rua, desviou os olhos antes que ela batesse no chão. O cheiro de fumaça continuava no ar, mas ainda não havia sinais de incêndio na vizinhança. À frente, viu a multidão parar e recuar quando uma pessoa – não podia dizer se homem ou mulher – explodiu em chamas no meio dela. Ele deslizou para a rua entre dois carros e esperou que o amigo aparecesse.
– Joe, estou morrendo de medo – falou. – Talvez a gente devesse engatinhar para baixo de um carro e esperar tudo terminar.
– Eu estava pensando nisso – respondeu o outro garoto. – Mas e se uma parte daquele prédio em chamas cair sobre um carro e ele pegar fogo?
– E daí?
– Se acertar o tanque de gasolina e ele explodir, juntos como estão, todos eles explodem, como uma fileira de rojões.
– Jesus!
– Temos que continuar. Você pode ir para minha casa se for mais fácil.
Croyd viu um homem fazer uma série de movimentos que pareciam dança, rasgando as roupas. Então começou a mudar de forma. Alguém mais atrás na rua começou a uivar. Houve barulho de vidro se quebrando.
Durante a meia hora seguinte o trânsito na calçada diminuiu para o que em outras circunstâncias poderia ser chamado de normal. As pessoas pareciam ou ter chegado aos seus destinos ou levado o engarrafamento para outra parte da cidade. Agora, aqueles que passavam abriam caminho entre cadáveres. Os rostos haviam desaparecido atrás das janelas. Não se via ninguém no alto dos prédios. O som das buzinas dos carros havia se reduzido a surtos eventuais. Os garotos estavam de pé em uma esquina. Haviam percorrido três quarteirões e atravessado a rua desde que saíram da escola.
– Eu viro aqui – disse Joe. – Quer vir comigo ou vai seguir em frente?
Croyd olhou para a rua.