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Três mercearias que encontrou estavam bloqueadas com tábuas e cartazes de FECHADA ATÉ SEGUNDA ORDEM. Invadiu a terceira. As tábuas ofereceram pouca resistência quando as empurrou. Ele achou o interruptor e o acionou. Segundos depois, o desligou. O lugar estava arrasado. Havia sido totalmente saqueado.

Continuou a subir, passando pelos esqueletos de vários prédios incendiados. Ouviu vozes – uma rouca, outra aguda e musical – vindas de um deles. Momentos depois houve um clarão de luz branca e um grito. Simultaneamente, um pedaço de parede de tijolos desmoronou, caindo sobre a calçada às suas costas. Não viu motivo para investigar. Em certo momento também achou ter ouvido vozes saindo de bueiros.

Perambulou por quilômetros naquela noite, sem se dar conta, até chegar perto da Times Square, de que estava sendo seguido. Inicialmente achou que era apenas um cachorro grande indo na mesma direção. Mas quando este chegou perto e ele percebeu traços humanos, parou e o encarou. Estava sentado a uma distância de cerca de três metros e olhava para ele.

– Você também é um – rosnou.

– Você consegue me ver?

– Não. Farejar.

– O que você quer?

– Comida.

– Eu também.

– Eu mostro a você onde. Por um pouco.

– Certo. Mostre.

Ele o levou até uma área cercada onde havia caminhões do Exército estacionados. Croyd contou dez. Homens uniformizados estavam de pé ou descansando no meio deles.

– O que está acontecendo? – perguntou Croyd.

– Fale depois. Pacotes de comida nos quatro caminhões à esquerda.

Não foi problema cruzar o perímetro, entrar no fundo de um veículo, pegar uma braçada de pacotes e se retirar na outra direção. Ele e o homem-cão se esconderam em um umbral a dois quarteirões dali. Croyd se tornou visível e começaram a se empanturrar.

Depois, seu novo conhecido – que queria ser chamado de Bentley – contou a ele os acontecimentos das semanas posteriores à morte de Jetboy, enquanto Croyd dormia. Croyd soube da corrida para Jersey, dos tumultos, da lei marcial, dos takisianos e das dez mil mortes que seu vírus havia causado. E ouviu a respeito dos sobreviventes transformados – os sortudos e os azarados.

– Você é um sortudo – concluiu Bentley.

– Eu não me sinto com sorte – disse Croyd.

– Pelo menos continuou humano.

– Então, já foi ver esse Dr. Tachyon?

– Não. Ele tem estado muito ocupado. Mas irei.

– Eu também devia.

– Talvez.

– O que quer dizer com “talvez”?

– Por que você iria querer mudar? Você se deu bem. Pode ter o que quiser.

– Quer dizer roubar?

– Os tempos são difíceis. Você vive do jeito que pode.

– Talvez.

– Posso arrumar roupas que caibam em você.

– Onde?

– Virando a esquina.

– Tudo bem.

Croyd não teve dificuldade em invadir pelos fundos a loja de roupas até onde Bentley o levou. Depois disso, desapareceu e voltou para pegar outro carregamento de pacotes de comida. Bentley o seguiu enquanto voltava para casa.

– Você se importa se eu o acompanhar?

– Não.

– Quero ver onde você mora. Eu posso levá-lo a muitas coisas boas.

– É?

– Gostaria de um amigo que me mantivesse alimentado. Acha que podemos dar um jeito?

– Sim.

Nos dias que se seguiram, Croyd se tornou o provedor da família. O irmão mais velho e a irmã não perguntavam como ele arrumava a comida ou, depois, o dinheiro que conseguia aparentemente com facilidade durante as ausências noturnas. Nem a mãe, distraída pela dor da morte do marido, pensou em perguntar. Bentley – que dormia em algum lugar na vizinhança – se tornou seu guia e mentor nessas empreitadas, bem como seu confidente em outras questões.

– Eu talvez devesse procurar o médico que você mencionou – disse Croyd, pousando a caixa de enlatados que tirara de um armazém e se sentando nela.

– Tachyon? – perguntou Bentley, se esticando de um modo pouco canino.

– É.

– O que há de errado?

– Não consigo dormir. Já se passaram cinco dias desde que acordei assim e não dormi desde então.

– E daí? Qual o problema com isso? Mais tempo para fazer o que quer.

– Mas finalmente estou ficando cansado, e ainda assim não consigo dormir.

– Você vai sentir sono na hora certa. Não vale a pena incomodar Tachyon. Além disso, se ele tentar te curar, suas chances são apenas de uma em três ou quatro.

– Como sabe disso?

– Eu o procurei.

– E?

Croyd comeu uma maçã.

– Você vai tentar? – perguntou.

– Se conseguir tomar coragem – respondeu Bentley. – Quem quer passar a vida como cachorro? E, além disso, não exatamente um bom cachorro. Por falar nisso, quando passarmos por uma pet shop, queria que você entrasse e pegasse uma coleira antipulgas para mim.

– Claro. Fico pensando... Se eu for dormir, dormirei tanto tempo quanto antes?

Bentley tentou dar de ombros, desistiu.

– Quem sabe?

– Quem cuidará da minha família? Quem cuidará de você?

– Entendi. Se você parar de sair à noite vou esperar um pouco e depois tentar a cura. Quanto à sua família, melhor juntar um punhado de dinheiro. As coisas vão ficar mais tranquilas e dinheiro é a solução.

– Você está certo.

– Você é forte pra caramba. Acha que conseguiria abrir um cofre?

– Talvez. Não sei.

– Podemos tentar um a caminho de casa. Conheço um bom lugar.

– Certo.

– E um pouco de talco antipulgas.

Foi perto do amanhecer, quando estava sentado, lendo e comendo, que começou a bocejar de forma incontrolável. Quando se levantou, havia um peso em seus membros que não existia antes. Subiu as escadas e entrou no quarto de Carl. Sacudiu o irmão pelo ombro até que acordasse.

– Qual é, Croyd? – perguntou.

– Estou com sono.

– Então vá para cama.

– Passou muito tempo. Talvez eu durma muito de novo.

– Ah.

– Então tem aqui algum dinheiro, para cuidar de todos caso isso aconteça.

Ele abriu a gaveta de cima do gaveteiro de Carl e enfiou um grande maço de notas sob as meias.

– Ahn, Croyd... Onde você conseguiu todo esse dinheiro?

– Não é da sua conta. Volte a dormir.

Ele foi para o quarto, se despiu e se enfiou na cama. Sentia muito frio.

Quando acordou, tinha gelo nas vidraças da janela.

Ao olhar para fora, viu que havia neve no chão sob um céu plúmbeo. Sua mão no peitoril era larga e escura, os dedos curtos e grossos.

Ao se examinar no banheiro, descobriu que tinha cerca de 1,65m de altura, poderosamente corpulento, com cabelos e olhos escuros e sulcos rígidos como cicatrizes na frente das pernas, nas laterais dos braços, sobre os ombros, descendo as costas e subindo o pescoço. Demorou mais 15 minutos para aprender que podia elevar a temperatura da mão até o ponto em que a toalha que estava segurando pegasse fogo. Apenas mais alguns minutos e descobriu que podia gerar calor em todo lugar, até seu corpo inteiro reluzir – embora lamentasse pela pegada que havia gravado no linóleo e pelo buraco que seu outro pé fez no tapete.

Dessa vez havia muita comida na cozinha, e ele comeu sem parar durante mais de uma hora até a fome passar. Vestiu uma calça e um casaco de moletom, refletindo sobre a variedade de roupas que precisaria manter se mudasse de forma cada vez que dormisse.