– Eu odiaria ser um monstro novamente, ou... Você não disse, mas não é possível que eu simplesmente morra durante um dos comas?
– Existe essa possibilidade. É um vírus terrível. Mas você já passou por vários ataques, o que me leva a crer que seu corpo sabe o que está fazendo. Eu não me preocuparia demais com isso...
– É a parte do curinga que me incomoda de verdade.
– Essa é uma possibilidade que você simplesmente terá que aceitar.
– Certo. Obrigado, doutor.
– Gostaria que viesse ao Monte Sinai da próxima vez que sentir que está começando. Eu realmente gostaria de observar o processo em você.
– Eu prefiro que não.
Tachyon assentiu com a cabeça.
– Ou pouco depois de você acordar...
– Talvez – disse Croyd e apertou a mão dele. – Por falar nisso, doutor... Como se escreve “anfetamina”?
Croyd parou no apartamento dos Sarzanno depois, pois não via Joe desde aquele dia de setembro em que saíram da escola juntos e a necessidade de ganhar a vida reduziu seu tempo livre desde então.
A Sra. Sarzanno entreabriu a porta e olhou para ele. Depois que se identificou e tentou explicar sua mudança de aparência, ela ainda se recusou a abrir mais a porta.
– Meu Joe também mudou – disse ela.
– Ah, como ele mudou? – perguntou.
– Mudou. Isso é tudo. Mudou. Vá embora.
Ela fechou a porta.
Ele bateu novamente, mas ninguém atendeu.
Croyd então partiu e comeu três filés, pois não havia mais nada que pudesse fazer.
Croyd analisou Bentley – um homem pequeno com traços de raposa, cabelos escuros e olhos agitados – sentindo que sua transformação anterior de fato combinava com seu comportamento geral. Bentley devolveu o cumprimento por vários segundos, depois disse:
– É realmente você, Croyd?
– É.
– Venha. Sente-se. Tome uma cerveja. Temos muito a conversar.
Ele deu um passo para o lado e Croyd entrou no apartamento belamente mobiliado.
– Fiquei curado e voltei aos negócios. Os negócios estão péssimos – disse Bentley depois que tinham se sentado. – Qual a sua história?
Croyd contou a ele sobre as mudanças e os poderes que experimentara e sua conversa com Tachyon. A única coisa que nunca contou a ele foi sua idade, já que todas as suas transformações tinham uma aparência de maturidade. Ele temia que Bentley não confiasse nele da mesma forma caso soubesse.
– Você fez esses outros serviços de modo errado – disse o homenzinho, acendendo um cigarro e tossindo. – Tentativa e erro nunca é bom. Você precisa de um pouco de planejamento, e isso deve ser ajustado ao seu talento especial a cada vez. Você diz que desta vez consegue voar?
– Sim.
– Certo. Há muitos lugares no alto de arranha-céus que as pessoas acham bastante seguros. Desta vez atacamos esses. Sabe, você tem o melhor físico possível. Mesmo que alguém o veja, não importa. Estará diferente da vez seguinte.
– E você me consegue as anfetaminas?
– Tudo o que você quiser. Volte aqui amanhã; mesma hora, mesma estação. Talvez eu tenha arrumado um serviço para nós. E terei seus comprimidos.
– Obrigado, Bentley.
– É o mínimo que posso fazer. Se continuarmos juntos, ficaremos ricos.
Bentley planejou um bom serviço e três dias depois Croyd levou para casa mais dinheiro do que já tivera antes. Deu a maior parte dele para Carl, que estava cuidando das finanças da família.
– Vamos dar uma volta – disse Carl, escondendo o dinheiro atrás de uma fila de livros e olhando significativamente para a sala, onde a mãe estava com Claudia.
Croyd fez que sim com a cabeça.
– Claro.
– Você parece muito mais velho atualmente – disse Carl, que faria 18 em poucos meses, assim que chegaram à rua.
– Eu me sinto muito mais velho.
– Não sei onde você continua arrumando o dinheiro...
– Melhor não.
– Certo. Não posso reclamar, já que estou vivendo dele também. Mas queria que você soubesse sobre a mãe. Ela está piorando. Ver papai ser despedaçado daquele jeito... Ela está piorando desde então. Até agora você perdeu o pior disso, da última vez estava dormindo. Em três noites diferentes ela simplesmente se levantou e saiu de camisola; descalça, em fevereiro, por Cristo! E vagou como se estivesse procurando por papai. Felizmente, todas as vezes alguém que conhecíamos a viu e a trouxe de volta. Continuou perguntando a ela, a Sra. Brandt, se o tinha visto. De qualquer forma, o que estou tentando dizer é que está piorando. Já conversei com dois médicos. Eles acham que deveria passar um tempo em uma casa de repouso. Claudia e eu também achamos. Não podemos vigiá-la o tempo todo e ela pode se machucar. Claudia tem 16 anos. Nós dois podemos cuidar das coisas enquanto ela estiver fora. Mas vai ser caro.
– Eu posso conseguir dinheiro – disse Croyd.
Quando finalmente conseguiu falar com Bentley no dia seguinte e disse que precisavam fazer outro serviço logo, o homenzinho pareceu contente, pois Croyd não ansiava por uma sequência rápida.
– Um dia ou dois para arrumar algo e acertar os detalhes – disse Bentley. – Falo com você.
– Certo.
No dia seguinte, o apetite de Croyd começou a aumentar e ele se viu bocejando de vez em quando. Então tomou um dos comprimidos.
Funcionou bem. Na verdade, melhor que bem. Foi uma bela sensação que tomou conta dele. Não conseguia se lembrar da última vez em que se sentiu tão bem. Tudo parecia como se estivesse se encaminhando diretamente para uma mudança. E todos os movimentos pareciam particularmente fluidos e graciosos. Também se sentia mais alerta, mais consciente do que de hábito. E, mais importante, não estava sonolento.
Apenas de noite, depois que todos haviam se recolhido, essas sensações começaram a passar. Ele tomou outro comprimido. Quando começou a fazer efeito, ele se sentiu tão bem que saiu e levitou bem alto acima da cidade, flutuando na fria noite de março entre as brilhantes constelações da cidade e aquelas bem acima, sentindo como se tivesse uma chave secreta para o significado interno de tudo. Pensou brevemente na batalha de Jetboy no céu e voou sobre os restos do Terminal Hudson, que havia pegado fogo quando pedaços do avião de Jetboy caíram por cima. Tinha lido que planejavam construir um monumento ali. Era essa a sensação de cair?
Ele desceu para deslizar entre os prédios – algumas vezes parando no teto de um, saltando, caindo, se salvando no último instante. Em uma dessas ocasiões, viu dois homens o observando de um umbral. Por alguma razão que ele não entendeu, isso o irritou. Voltou para casa e começou uma faxina. Empilhou jornais e revistas velhos e os amarrou em fardos, esvaziou cestos de lixo, varreu e esfregou, lavou toda a louça na pia. Voou com quatro carregamentos de lixo até o East River e os jogou, já que a coleta de lixo ainda não havia sido totalmente regularizada. Tirou o pó de tudo e a manhã o encontrou polindo a prataria. Depois lavou todas as janelas.
Foi de repente que se viu fraco e trêmulo. Ele se deu conta do que era e tomou outro comprimido e colocou um bule de café para filtrar. Os minutos se passaram. Era difícil permanecer sentado, confortável em uma posição. Ele não gostava do formigamento nas mãos. Lavou-as várias vezes, mas não passou. Finalmente, tomou outro comprimido. Olhou o relógio e escutou o som do bule de café. Quando o café ficou pronto, o formigamento e o tremor começaram a passar. Ele se sentiu muito melhor. Enquanto tomava o café pensou novamente nos dois homens no umbral. Estavam rindo dele? Sentiu um surto de raiva rápido, embora não tivesse realmente visto seus rostos, reparado em suas expressões. Observando! Se tivessem mais tempo poderiam ter jogado uma pedra...
Balançou a cabeça. Isso era tolice. Eram apenas dois caras. De repente ele quis correr para fora e caminhar pela cidade, talvez voar novamente. Mas podia perder o telefonema de Bentley, caso ligasse. Começou a andar de um lado para o outro. Tentou ler, mas não conseguiu se concentrar tão bem como de costume. Finalmente ligou para Bentley.