– Ainda não conseguiu nada? – perguntou.
– Ainda não, Croyd. Por que a pressa?
– Estou começando a sentir sono. Entende o que quero dizer?
– Ahn... Sim. Já tomou aquela merda?
– Aham. Precisei.
– Certo. Olhe, vá o mais devagar possível. Estou trabalhando em duas coisas. Vou tentar ter algo acertado até amanhã. Se não tiver nada, você para de tomar a coisa e vai para a cama. Podemos fazer isso da próxima vez. Entendeu?
– Quero fazer desta vez, Bentley.
– Falo com você amanhã. Agora relaxe.
Ele saiu e caminhou. Era um dia nublado, com neve e gelo em alguns pontos do chão. De repente se deu conta de que não havia comido desde o dia anterior. Isso tinha de ser ruim, considerando o que passou a ser seu apetite normal. Deviam ser os comprimidos fazendo efeito, concluiu. Procurou um restaurante, decidido a se obrigar a comer algo. Enquanto caminhava, lhe ocorreu que não queria se sentar no meio de uma multidão e comer. A ideia de ter todos ao redor era perturbadora. Não, ele faria um pedido para viagem...
Enquanto seguia na direção de um restaurante, foi detido por uma voz saindo de um umbral. Ele se virou tão rápido que o homem que havia falado com ele ergueu um braço e recuou.
– Não... – protestou o homem.
Croyd recuou um passo.
– Lamento – murmurou.
O homem vestia um casaco marrom, o colarinho levantado. Usava um chapéu, a aba baixada o máximo que era possível sem bloquear a visão. Mantinha a cabeça inclinada para a frente. Ainda assim Croyd pôde ver um bico curvo, olhos cintilantes e uma pele que brilhava de modo nada natural.
– Poderia me fazer um favor, senhor? – pediu o homem em uma voz entrecortada e aguda.
– O que você quer?
– Comida.
Croyd enfiou a mão no bolso automaticamente.
– Não. Eu tenho dinheiro. Você não entende. Não posso entrar naquele lugar e ser servido com a minha aparência. Pago a você para entrar, pegar dois hambúrgueres para mim e trazer para fora.
– Eu ia entrar de qualquer forma.
Mais tarde Croyd se sentou com o homem em um banco, comendo. Ele era fascinado por curingas. Porque sabia que ele mesmo era, em parte, um. Começou a pensar em onde comeria se um dia acordasse em má forma e não houvesse ninguém em casa.
– Eu normalmente não venho mais tão para o norte da cidade – disse o outro. – Mas eu tinha um serviço.
– Onde vocês costumam ficar?
– Há alguns de nós no Bowery. Ninguém nos incomoda lá. Há lugares onde você é servido e ninguém se importa com a sua aparência. Ninguém dá a mínima.
– Quer dizer que as pessoas poderiam... Atacar você?
O homem deu uma breve risada estridente.
– As pessoas não são muito legais, garoto. Não quando você realmente as conhece.
– Eu o levo de volta – disse Croyd.
– Você pode estar correndo um risco.
– Tudo bem.
Foi na altura da 40th Street que três homens em um banco ficaram encarando enquanto eles passavam. Croyd havia acabado de tomar mais dois comprimidos alguns quarteirões antes. (Teria sido alguns quarteirões antes?) Não queria o nervosismo de novo enquanto conversava com o novo amigo, John – pelo menos era como ele queria ser chamado –, então tomou mais dois para se acalmar na próxima depressão, caso acontecesse logo, e soube imediatamente quando viu os dois homens que planejavam algo ruim para ele e John, e os músculos de suas costas se contraíram e ele cerrou os punhos dentro dos bolsos.
– Cocoricó – disse um dos homens e Croyd começou a correr, mas John colocou a mão em seu braço e disse:
– Vamos.
Eles saíram andando. Os homens se levantaram e foram atrás deles.
– Quiquiquiqui – disse um.
– Quá-quá – disse o outro.
Pouco tempo depois, uma guimba de cigarro passou por cima da cabeça de Croyd e caiu na sua frente.
– Ei, amigo esquisitão!
Uma mão pousou em seu ombro.
Ele ergueu o braço, segurou a mão e a apertou. Ossos estalaram dentro dela enquanto o homem começava a gritar. Os gritos pararam de repente, quando Croyd soltou a mão e estapeou o homem no rosto, derrubando-o na rua. O homem seguinte lançou um golpe na direção do seu rosto e Croyd desviou o braço para o lado com um movimento de mão que girou o homem de frente. Então esticou a mão esquerda, segurou as lapelas do outro, juntando-as e torcendo-as, e ergueu o homem 60 cm no ar. Ele o lançou contra a parede de tijolos perto de onde estavam, depois o soltou. O homem caiu no chão e não se moveu.
O último homem havia sacado uma faca e o xingava entre dentes trincados. Croyd esperou até ele estar quase em cima, depois levitou 1,20m e o chutou no rosto. O homem caiu de costas na calçada. Croyd se colocou em posição acima dele e se soltou, pousando em sua barriga. Chutou a faca para o bueiro, se virou e caminhou com John.
– Você é um ás – disse o homem menor após um tempo.
– Nem sempre – retrucou Croyd. – Às vezes sou um curinga. Mudo sempre que durmo.
– Você não precisava ter sido tão duro com eles.
– Certo. Eu poderia ter sido muito mais duro. Se realmente vai ser assim, devíamos cuidar uns dos outros.
– É. Obrigado.
– Escute. Quero que você me mostre os lugares no Bowery onde diz que ninguém nos incomoda. Posso precisar ir lá um dia.
– Claro. Farei isso.
– Croyd Crenson. C-r-e-n-s-o-n. Lembre-se, certo? Porque se você me vir novamente, eu estarei diferente.
– Vou me lembrar.
John o levou a várias espeluncas e apontou lugares onde alguns deles ficavam. Ele o apresentou a seis curingas que encontraram, todos terrivelmente deformados. Lembrando-se de sua fase lagarto, Croyd trocou apertos de apêndice com todos e perguntou se precisavam de algo. Mas eles balançaram as cabeças e ficaram olhando. Ele sabia que sua aparência não o favorecia.
– Boa noite – disse e saiu voando.
Seu medo de que os sobreviventes não infectados o estivessem observando, esperando para saltar sobre ele, aumentou enquanto voava ao longo do East River. Naquele exato instante alguém com um rifle e mira telescópica poderia estar fazendo pontaria.
Ele se moveu mais rápido. De certa forma, ele sabia que seu medo era ridículo. Mas era forte demais para que o deixasse de lado. Pousou na esquina, correu para a porta e entrou. Subiu as escadas correndo e se trancou no quarto.
Ficou olhando para a cama. Queria se esticar nela. Mas e se dormisse? Tudo estaria encerrado. O mundo terminaria para ele. Ligou o rádio e começou a andar. Seria uma longa noite...
Quando Bentley ligou no dia seguinte e disse que tinha um serviço quente, mas que era um pouco arriscado, Croyd respondeu que não ligava. Ele teria de levar explosivos – significando que teria de aprender a usá-los antes do serviço – porque aquele cofre era resistente demais mesmo para sua força aumentada. Também havia a possibilidade de haver um guarda armado...
Ele não queria matar o guarda, mas o homem o assustou ao entrar de arma em punho daquela forma. E devia ter calculado errado o detonador, porque a coisa explodiu antes da hora, motivo pelo qual o pedaço de metal arrancou os dois primeiros dedos de sua mão esquerda. Mas ele havia enrolado a mão no lenço, pegado o dinheiro e saído.
Parecia se lembrar de Bentley dizendo: “Meu Deus, garoto! Vá para casa e durma!”, pouco depois de dividir o dinheiro. Então levitou e foi na direção certa, mas teve de descer e invadir uma padaria, onde comeu três pães antes de conseguir continuar, a cabeça girando. Havia mais comprimidos em seu bolso, mas achou que haviam dado um nó em seu estômago.