Ele pareceu empolgado.
– Um campo de força biológico. Interessante. Gostaria de examiná-lo mais tarde. Depois que a presente crise passar – disse, uma expressão de desgosto passando por seu rosto.
– Claro, doutor. Quando quiser.
Ele caminhou para o leito seguinte. O Sr. Holmes, o homem da ajuda, não o seguiu. Ficou e me observou, brincando com a piteira.
Enfiei os polegares no cinto e tentei parecer útil.
– Posso ajudar em alguma coisa, Sr. Holmes? – perguntei.
Ele pareceu levemente surpreso.
– Sabe meu nome?
– Eu me lembro do senhor indo a Fayette, Dakota do Norte, em 1933 – respondi. – Pouco depois do New Deal. Estava na Agricultura na época.
– Há muito tempo. O que está fazendo em Nova York, Sr. Braun?
– Eu era ator até os teatros serem fechados.
– Ah – respondeu, assentindo com a cabeça. – Logo teremos os teatros funcionando novamente. O Dr. Tachyon diz que o vírus não é contagioso.
– Isso vai acalmar algumas mentes.
Ele olhou para a entrada da barraca.
– Vamos sair e fumar.
– Tudo bem para mim.
Depois de segui-lo, limpei as mãos e aceitei um cigarro feito por encomenda de sua cigarreira de prata. Ele acendeu nossos cigarros e olhou para mim por cima do fósforo.
– Quando a emergência tiver terminado, gostaria de fazer mais alguns testes com você – disse. – Apenas descobrir o que pode fazer.
Dei de ombros.
– Claro, Sr. Holmes. Alguma razão em especial?
– Talvez possa lhe arranjar um emprego. No palco mundial – respondeu.
Algo passou entre mim e o sol. Ergui os olhos e um dedo frio tocou meu pescoço.
O fantasma de Jetboy estava voando negro contra o céu, seu cachecol branco de piloto adejando ao vento.
Cresci em Dakota do Norte. Nasci em 1924, em tempos difíceis. Havia problemas com os bancos, problemas com o excesso de produção das fazendas que mantinham os preços baixos. Quando veio a Depressão, as coisas foram de mal a pior. Os preços dos grãos eram tão baixos que alguns fazendeiros literalmente tiveram de pagar as pessoas para levar a coisa embora. Havia leilões de fazendas quase toda semana no tribunal – fazendas que valiam 50 mil dólares eram vendidas por algumas centenas. Metade da Main Street estava fechada.
Aqueles eram os dias da Farm Holidays, fazendeiros segurando grãos para forçar aumento de preços. Eu me levantava no meio da noite para levar café e comida para meu pai e meus primos, que patrulhavam as estradas de modo a garantir que ninguém roubasse seus grãos. Se alguém aparecia com grãos, eles tomavam o caminhão e esvaziavam; se vinha um caminhão de gado, atiravam no gado e jogavam no acostamento para apodrecer. Alguns dos figurões que estavam ganhando uma fortuna comprando trigo abaixo do preço enviaram a Legião Americana para acabar com a paralisação nas fazendas, carregando cabos de machado e usando seus pequenos chapéus – e todo o distrito se levantou, deu aos legionários a maior surra de suas vidas e os mandou correndo de volta para a cidade.
De repente um bando de fazendeiros alemães conservadores estava falando e agindo como radicais. Roosevelt foi o primeiro democrata em que minha família votou.
Eu tinha 11 anos de idade quando vi Archibald Holmes pela primeira vez. Ele estava trabalhando como mediador para o Sr. Henry Wallace, do Departamento de Agricultura, e foi a Fayette conversar com os fazendeiros sobre alguma coisa – controle de preços ou de produção, provavelmente, ou conservação, a agenda do New Deal que deixou nossa fazenda fora do leilão. Fez um pequeno discurso nos degraus da prefeitura ao chegar e por alguma razão eu não o esqueci.
Era um homem impressionante mesmo então. Bem-vestido, grisalho embora ainda não tivesse 40 anos, fumava cigarros com piteira, como Roosevelt. Tinha um jeito de falar do Sul que soava estranho ao meu ouvido, como se houvesse algo ligeiramente vulgar no modo como pronunciava o R. Pouco depois de sua visita as coisas começaram a melhorar.
Anos mais tarde, depois que o conheci bem, ele sempre foi o Sr. Holmes. Nunca consegui chamá-lo pelo prenome.
Talvez possa identificar a origem de meu desejo de viajar à visita do Sr. Holmes. Senti que tinha de haver algo fora de Fayette, algo fora do modo de Dakota do Norte de ver as coisas. Do modo como minha família via as coisas, eu teria minha própria fazenda, casaria com uma garota da região, produziria muitas crianças e passaria os domingos escutando o pastor falar sobre o inferno e os dias de semana trabalhando nos campos para o bem do banco.
Eu me indignava com a ideia de que isso era tudo o que havia. Sabia, talvez apenas por instinto, que havia outro tipo de existência lá fora e queria minha parcela disso.
Eu me tornei alto, de ombros largos e louro, com mãos grandes que ficavam confortáveis ao redor de uma bola, o que meu agente de publicidade depois chamou de “boa aparência rústica”. Joguei futebol, e bem, cochilei durante a escola, e durante os longos invernos escuros atuei em teatros comunitários e espetáculos. Havia um belo circuito de teatro amador em inglês e alemão e eu fazia ambos. Interpretava principalmente melodramas vitorianos e espetáculos históricos e também recebi boas críticas.
As garotas gostavam de mim. Eu tinha boa aparência, era um cara comum e todas achavam que seria apenas o fazendeiro delas. Tomei cuidado de nunca ter ninguém especial. Levava camisinhas no bolso e tentava manter pelo menos três ou quatro garotas no ar ao mesmo tempo. Não cairia na armadilha que meus velhos pareciam ter planejado para mim.
Todos crescemos patriotas. Era uma coisa natural naquela parte do mundo: há um forte amor ao país que vem com climas cruéis. Não havia nada sobre o que falar muito, o patriotismo simplesmente estava lá, parte de tudo o mais.
O time de futebol local se saiu bem e comecei a identificar um modo de sair de Dakota do Norte. No final de minha temporada na escola recebi uma oferta de bolsa na Universidade de Minnesota.
Nunca fui. Em vez disso, no dia seguinte à formatura, em maio de 1942, marchei para o recrutamento e me ofereci para a Infantaria.
Nada de mais. Todos os garotos de minha turma marcharam comigo.
Terminei na 5ª Divisão na Itália e tive uma guerra medonha na Infantaria. Chovia o tempo todo, nunca havia abrigo adequado e cada movimento nosso era acompanhado por alemães invisíveis sentados na colina seguinte com binóculos Zeiss colados nos olhos, ao que inevitavelmente se seguia aquele horrendo som zumbido de um 88 caindo... Senti medo o tempo todo e parte do tempo fui um herói, mas a maior parte do tempo estava me escondendo com a boca na terra enquanto os obuses caíam assoviando, e, após alguns meses daquilo, sabia que não voltaria inteiro, e havia chances de que não voltasse de modo algum. Não existiam turnos, como no Vietnã; um fuzileiro simplesmente ficava na linha até a guerra terminar, até morrer ou até estar tão aterrorizado que não podia retornar. Aceitei esses fatos e continuei com o que tinha de fazer. Fui promovido a suboficial e acabei ganhando uma Estrela de Bronze e três Corações Púrpuras, mas medalhas e promoções nunca significaram tanto para mim quanto de onde viria o próximo par de meias secas.
Um de meus camaradas era um homem chamado Martin Kozokowski, cujo pai era um pequeno produtor teatral em Nova York. Certa noite, dividíamos uma garrafa de um vinho tinto medonho e um cigarro – fumar foi outra coisa que o exército me ensinou – e mencionei minha carreira de ator em Dakota do Norte e, em um surto de boa vontade embriagada, ele disse:
– Que inferno, venha para Nova York depois da guerra e eu e meu pai o colocaremos no palco.
Era uma fantasia sem sentido, já que àquela altura nenhum de nós sabia realmente se voltaria, mas pegou, falamos sobre isso mais tarde e, pouco a pouco, como acontece com alguns sonhos, isso se tornou realidade.
Depois do dia da vitória na Europa, fui para Nova York e o velho Kozokowski me conseguiu alguns papéis enquanto eu trabalhava em vários empregos de meio expediente, todos fáceis quando comparados ao trabalho de fazenda e à guerra. O teatro era cheio de garotas intelectuais e intensas que não usavam batom – não usar batom era considerado uma espécie de ousadia – e que o levavam para casa com elas se você as ouvisse falar sobre Anouilh, Pirandello ou sua psicanálise, e a melhor coisa nelas é que não queriam se casar e produzir pequenos fazendeiros. Os reflexos do tempo de paz começaram a retornar. Dakota do Norte começou a se apagar e depois de um tempo comecei a pensar se afinal a guerra não tinha seus consolos.