– Como eu deveria ter feito – disse o Dr. Tod. – Estávamos saindo da Tunísia. Havia umas pessoas importantes conosco naquela viagem. O piloto gritou. Houve uma tremenda explosão. O que me lembro é de acordar na manhã seguinte e éramos eu e outra pessoa em um bote salva-vidas no meio do Mediterrâneo. Meu rosto doendo. Eu me levantei. Alguma coisa caiu no fundo do bote. Era meu olho esquerdo. Estava olhando para mim. Eu sabia que estava com problemas.
– Disse que era um garoto com um avião a jato? – indagou Ed.
– Sim. Descobrimos depois que decifraram nosso código e ele havia voado quase mil quilômetros para nos interceptar.
– Quer se vingar? – perguntou Filmore.
– Não. Foi há tanto tempo que mal me lembro daquele lado do meu rosto. Isso só me ensinou a ser um pouco mais cuidadoso. Encarei como construção do caráter.
– Então nada de planos, né?
– Nem mesmo um – afirmou o Dr. Tod.
– Vai ser bom, pra variar – disse Filmore.
Eles viram as luzes da cidade passando.
Ele bateu na porta, desconfortável em seu novo terno marrom com colete.
– Entre, está aberta – respondeu uma voz de mulher. E, em seguida, a voz abafada: – Estarei pronta em um minuto.
Jetboy abriu a porta de carvalho do saguão e entrou no aposento, passando pela divisória de tijolos de vidro.
Uma bela mulher estava de pé no meio da sala, o vestido nos braços erguidos à altura da cabeça. Vestia corpete, cinta-liga e meias de seda. Puxava o vestido para baixo com uma das mãos.
Jetboy virou a cabeça, corado e chocado.
– Oh – disse a mulher. – Oh! Eu... Quem?
– Sou eu, Belinda – disse ele. – Robert.
– Robert?
– Bobby, Bobby Tomlin.
Ela o encarou por um momento, as mãos cruzadas sobre a frente do corpo, embora estivesse totalmente vestida.
– Ah, Bobby – disse ela, indo até ele, abraçando-o e dando-lhe um grande beijo na boca.
Era o que ele havia esperado durante seis anos.
– Bobby. Ótimo ver você. Eu... Eu estava esperando outra pessoa. Algumas... Amigas. Como me encontrou?
– Bem, não foi fácil.
Ela recuou.
– Deixe-me olhar para você.
Ele olhou para ela. Na última vez em que a viu, ela tinha 14 anos, parecia um garoto, ainda no orfanato. Era uma garota magra, com cabelos louros escuros. Uma vez, quando ela tinha 11 anos, quase o nocauteou. Era um ano mais velha do que ele.
Então ele foi embora, trabalhar no campo de aviação, depois lutar com os britânicos contra Hitler. Escreveu para ela sempre que pôde durante a guerra, após a entrada dos norte-americanos. Ela havia deixado o orfanato e sido colocada em um lar adotivo. Em 1944 uma de suas cartas voltou com a marcação “Mudou-se sem deixar endereço”. Então ele ficou perdido no último ano.
– Você também mudou – disse ele.
– Assim como você.
– É.
– Acompanhei os jornais durante a guerra. Tentei escrever para você, mas acho que as cartas nunca chegaram. Depois disseram que você havia desaparecido no mar e eu meio que desisti.
– Bem, desapareci, mas me encontraram. Agora estou de volta. Como tem passado?
– Muito bem, desde que fugi do lar adotivo – disse, uma expressão de dor passando pelo rosto. – Não sabe como fiquei contente de sumir dali. Ah, Bobby. Ah, queria que as coisas fossem diferentes! – Ela começou a chorar.
– Ei – disse ele, segurando-a pelos ombros. – Sente-se. Tenho uma coisa para você.
– Um presente?
– É – respondeu, dando-lhe um pacote de papel sujo e manchado de óleo. – Carreguei isso comigo durante os dois últimos anos da guerra. Estavam no avião comigo na ilha. Desculpe por não ter tido tempo de fazer outro embrulho.
Ela rasgou o papel pardo. Dentro havia exemplares de O ursinho Pooh e The Tale of the Fierce Bad Rabbit.
– Ah – disse Belinda. – Obrigada.
Ele se lembrou dela vestindo o macacão do orfanato, tendo acabado de entrar suja e cansada de um jogo de beisebol, deitada no chão da sala de leitura com um livro do ursinho Pooh aberto diante dela.
– O livro de Pooh está autografado pelo próprio Christopher Robin – contou. – Descobri que era oficial da RAF em uma das bases na Inglaterra. Ele disse que não costumava fazer esse tipo de coisa, que era apenas outro aviador. Falei que não contaria a ninguém. Mas eu havia procurado por toda parte até encontrar um exemplar, e ele sabia disso.
– Este outro tem uma história. Eu estava voltando quase ao anoitecer, escoltando uns B-17 com problemas. Ergui os olhos e vi dois caças noturnos alemães chegando, provavelmente em patrulha, tentando pegar uns Lancaster antes que passassem sobre o Canal.
– Para resumir, derrubei os dois; eles caíram perto de um pequeno vilarejo. Mas eu havia ficado sem combustível e tive que descer. Vi um belo e plano pasto de ovelhas com um lago na extremidade e pousei.
– Quando saí da cabine, vi uma dama e um sheepdog à beira do campo. Ela tinha uma escopeta. Quando chegou perto o bastante para ver os motores e os adesivos, ela disse, “Boa pontaria! Não quer entrar para jantar e usar o telefone para ligar para o Comando de Caça?”
– Podíamos ver os dois ME-110 queimando a distância.
– Você é o famoso Jetboy. Temos acompanhado seus feitos no jornal de Sawrey. Sou a Sra. Heelis, disse ela, estendendo a mão.
– Eu a apertei.
– Sra. William Heelis? E aqui é Sawrey?’
– Sim – respondeu.
– Você é Beatrix Potter – falei.
– Suponho que sim – disse ela.
–Belinda, lá estava aquela velha e corpulenta senhora, com um suéter puído e um velho vestido liso. Mas quando sorriu, eu juro, toda a Inglaterra se iluminou!
Belinda abriu o livro. Na folha de guarda estava escrito:
Para a amiga norte-americana de Jetboy,
Belinda,
da
Sra. William Heelis
(“Beatrix Potter”)
12 de abril de 1943
Jetboy tomou o café que Belinda fez para ele.
– Onde estão seus amigos?
– Bem, ele... Eles já deviam estar aqui. Estava pensando em descer até o telefone e ligar para eles. Posso adiar e ficamos aqui falando sobre os velhos tempos. Realmente posso ligar.
– Não – falou Jetboy. – Vamos fazer assim: ligo para você depois, durante a semana; podemos sair juntos uma noite quando não estiver ocupada. Seria divertido.
– Seria mesmo.
Jetboy se levantou para sair.
– Obrigada pelos livros, Bobby. Significam muito para mim, mesmo.
– É realmente bom ver você novamente, Bee.
– Ninguém me chama assim desde o orfanato. Ligue logo, certo?
– Com certeza – disse, se inclinando e beijando-a novamente.
Ele caminhou até as escadas. Quando estava descendo, um cara com um terno zoot ajustado – calças largas de boca apertada, paletó comprido, corrente de relógio, gravata-borboleta do tamanho de um cabide, cabelo engomado para trás, fedendo a Brylcreem e Old Spice – subiu as escadas de dois em dois degraus, assoviando “It Ain’t the Meat, It’s the Motion”.
Jetboy o ouviu bater na porta de Belinda.
Do lado de fora, havia começado a chover.
– Ótimo. Exatamente como em um filme – disse Jetboy.
A noite seguinte estava silenciosa como um cemitério.
Então cachorros começaram a latir por todo o Pine Barrens. Gatos gritaram. Pássaros voaram em pânico de milhares de árvores, circularam de um lado para o outro na noite escura.
A estática tomou conta de todos os rádios no nordeste dos Estados Unidos. Aparelhos de televisão novos brilharam, o volume dobrando. Pessoas reunidas ao redor de Dumonts de nove polegadas deram pulos para trás com o barulho e o brilho repentinos, chocados em suas próprias salas, em bares e em calçadas diante de lojas de equipamentos por toda a Costa Leste.